A doença silenciosa que afecta dois milhões de portugueses
Dia Mundial da Hipertensão assinala-se a 17 de Maio. O MIRANTE dá conta de uma doença que afecta 36% dos Portugueses entre os 25 e os 74 anos. O medo da bata branca falseia muitas vezes os resultados das medições da tensão arterial dos doentes. É um fenómeno bem conhecido de Carlos Nuno, médico de medicina do trabalho, que falou a O MIRANTE sobre os riscos e formas de prevenir esta doença silenciosa.
A hipertensão arterial é um dos factores de risco cardiovascular que afecta 36% dos portugueses entre os 25 e os 74 anos. De acordo com dados da Direcção-Geral de Saúde, a sua prevalência aumenta com a idade atingindo o pico na faixa entre os 65 e os 74 anos (71,3%).
Apesar de ser uma doença comum, Carlos Nuno, médico de medicina no trabalho, alerta para o facto de que nem todos os indivíduos com diagnóstico de hipertensão sejam hipertensos. Isto por causa do fenómeno da bata branca usada no acto da consulta, que provoca stress no doente e pode falsear a avaliação clínica feita no momento.
Carlos Nuno refere que este stress é provocado pela ansiedade que nasce no paciente antes da medição. “O paciente não exterioriza o seu receio, mas intimamente pensa ‘será que hoje estou pior’, um médico atento consegue ver essa preocupação nos olhos do doente”, refere o clínico que, aos 80 anos, diz já ter idade para perceber isso.
“Nesses casos meço uma segunda vez, depois de conversar um pouco sobre qualquer coisa relacionada com a vida do paciente”, acrescenta o médico revelando-nos um caso muito particular: “O meu pai também era médico, tinha pavor da tensão arterial. Cheguei a medir-lhe 220 e depois de conversar com ele sobre coisas que ele gostava o valor baixou para os 140. O facto de ser o filho a medir-lhe a tensão era um factor de ansiedade para ele”.
De acordo com o médico que foi director do Centro de Saúde de Alcanena, do Hospital e do Serviço de Urgência de Torres Novas, estamos numa fase difícil da medicina em que se desumanizou a consulta. “Tão importante ou mais do que os conhecimentos de medicina é sabermos lidar com a personalidade de cada doente”, diz.
“Por vezes entendemos quem está diante de nós em cinco minutos, outras vezes duas horas não são suficientes”, refere, complementando que os tempos da medicina moderna não se coadunam com esta necessidade. No consultório nega-se a usar o computador e tem até uma autorização da ordem dos médicos para poder passar receitas em papel.
Os factores emocionais têm uma carga forte na hipertensão, mas para o clínico há outros factores a ter em conta como os hábitos de vida e a carga hereditária do paciente. Apesar de estatisticamente estar provado que a hipertensão afecta mais homens que mulheres, Carlos Nuno defende que não há muito uma questão de género associada à doença, pelo menos na sua percepção. No entanto adianta que pode haver um factor hormonal.
“A menopausa é sempre um grande abalo para a mulher e pode fazer com que tenha tendência para a tensão alta”, refere o clínico, acrescentando: “Não consigo distinguir homens e mulheres, mas elas, por atavismo, por educação e até pela maternidade, estão mais disponíveis para ir ao médico. O homem acha que não precisa, normalmente só vai quando já tem queixas ou quando a mulher ralha com ele”.
Como médico de medicina do trabalho questionámos Carlos Nuno se existem profissões mais propensas à hipertensão. O clínico responde que um trabalhador que tem um baixo nível de stress normalmente tem uma tensão mais baixa e refere o estudo de um colega, investigador no Hospital de Santa Maria, que chegou à conclusão que a tensão aumenta proporcionalmente ao nível de ruído a que está exposto o trabalhador. “Pessoas que trabalham em locais com um nível de ruído elevado têm a tensão, por norma, mais elevada. Em medicina não podemos ser taxativos”, remata.
Director clínico da Medisigma, em Abrantes, Carlos Nuno mora em Torres Novas e continua a trabalhar na área da medicina do trabalho, sendo médico na Base do Intermaché, em Bugalhos (Alcanena), e na Tupperware, em Montalvo (Constância). “Faço a medicina que defendo e gosto. Medicina preventiva, onde o meu papel é observar o paciente e encaminhá-lo para o médico de família ou para um especialista”, refere, acrescentando que o papel do médico de medicina do trabalho na prevenção da hipertensão é o da medicina preventiva: relembrar as pessoas que devem seguir hábitos saudáveis de vida como fazer exercício, não fumar, baixar o consumo de sal e açúcar e evitar situações de stress. A quem já é hipertenso recomenda que seja acompanhado periodicamente.
A doença silenciosa
Considera-se haver hipertensão quando os valores da tensão arterial são iguais ou superiores a 140/90 (os valores normais rondam os 120 - sistólica, ou máxima, e 80 - diastólica, ou mínima). Existem em Portugal cerca de dois milhões de pessoas afectadas por esta patologia. Uma doença silenciosa que quando se manifesta pode já ser tarde de mais e ter como consequências o enfarte do miocárdio e o acidente vascular cerebral. Em todo o mundo a hipertensão arterial leva à morte de 7,5 milhões de pessoas por ano.