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Na Marinha aprende-se a dar rumo à vida
José Sardinheiro aponta para a imagem de uma fragata semelhante à Magalhães Correia onde navegou o Atlântico e o Pacífico

Na Marinha aprende-se a dar rumo à vida

Navegou pelo balanço rápido do Atlântico e pela vaga morta do Pacífico, que faz a embarcação parecer uma casca de noz. Encantou-se com peixes voadores e eclusas, mas um problema hereditário não o deixou seguir a vida de marinheiro.

Sardinheiro de apelido, José sempre esteve ligado à água. Trabalhou cerca de quatro décadas como funcionário do departamento de águas da Câmara de Almeirim, mas foram os quatro anos de serviço militar que passou na Marinha que ainda o emocionam e lhe deixaram marcas para a vida. A propósito do Dia do Marinheiro, que se assinala a 25 de Junho, O MIRANTE esteve à conversa com José Sardinheiro, presidente do Núcleo de Marinheiros da Armada do concelho de Almeirim há 25 anos.
Quando aos 17 anos um amigo o desafiou a voluntariar-se para a Armada José não hesitou. Ali ficou durante quatro anos e diz ter ganho amigos para a vida. Agora, aos 68, José faz contas e diz-nos emocionado que há precisamente 50 anos era marinheiro. Foram os melhores tempos da sua vida, quer pela juventude quer pelas amizades e pela aprendizagem que ali teve. “A Marinha é uma família e uma verdadeira escola de vida”, conta-nos, acrescentando que ali aprendeu a navegar, mas mais do que isso aprendeu a dar um rumo à vida.
Não esquece as noções de ética que aprendeu e que formaram o seu carácter e o dos companheiros, tornando-os homens melhores. “Ensinavam-nos coisas tão elementares como dar o lugar a idosos e grávidas. Passávamos a ver as coisas de uma maneira diferente”, sustenta.
Nas lembranças do passado destaca as duas grandes viagens que fez durante os 49 meses que foi marinheiro. Integrou a tripulação da fragata Magalhães Correia, construída em Viana do Castelo sob orientação dos americanos e entregue à Armada a 28 de Outubro de 1968. A primeira viagem foi aos Estados Unidos da América, onde ficariam dois meses numa base militar. Serviu para testar a maquinaria e as peças de artilharia.
A viagem de ida foram dez dias e dez noites de tormenta para José, com as vagas de popa do Atlântico a não darem tréguas. “Só consegui ir duas vezes à cama. E foi para ir buscar as mantas para procurar outro sítio onde descansar”, lembra. “Soubemos mais tarde, pela telefonia sem fios, que 90 minutos depois de sairmos dos Açores, no dia 28 de Fevereiro, se deu o grande sismo de 1969, com epicentro no Oceano Atlântico a sudoeste do Cabo de São Vicente”.
A segunda viagem, no mesmo ano, foi mais longa. Perto de um mês passando ao largo ou parando em portos como Madeira, Tenerife, Cabo Verde (São Vicente) ou Martinica, nas Caraíbas. Só para vencer as eclusas do canal do Panamá e chegar ao Oceano Pacífico foi preciso um dia inteiro.
Depois foi desfrutar, dez dias em San Diego, no Festival Cabrillo (em homenagem ao primeiro europeu a chegar à Califórnia, que durante muitos anos se pensou ser português e a quem recentemente os historiadores atribuíram nacionalidade espanhola), mais seis dias em São Francisco, com as comunidades portuguesas. Nessa altura seguiam lado a lado duas fragatas, a Magalhães Correia e a Gago Coutinho. Ao contrário da primeira viagem, o mar esteve de feição, um mar “chão”, gíria para um mar sem grande ondulação. A única coisa que tinham contra eram os peixes voadores. “Eram aos milhares, vinham atraídos pela luz e esbarravam contra a embarcação”, explica José.
Foi uma viagem maravilhosa, conta, recordando os pormenores da travessia do canal do Panamá. “Eram perto de 53 quilómetros e custava à volta de 1.200 contos, na altura (6000 euros na moeda actual). Mas era uma alternativa mais barata do que contornar o continente pelo sul da Argentina”.
José conheceu muitos sítios à conta da Marinha, mas mesmo assim não quis fazer carreira. “Tinha um contra, enjoava com muita facilidade”, diz. O marinheiro está convencido que herdou esta condição da sua avó, que não aguentava sequer a viagem de camioneta entre Almeirim e Santarém. Como não era apologista de tomar medicamentos tentava resolver o enjoo de forma caseira, enfiando uma lasca de bacalhau salgado debaixo da língua sempre que as vagas “metiam respeito”.

Uma namorada em cada porto

As fragatas, como aquela onde José Sardinheiro navegou, tinham uma tripulação que rondava os 130 homens. As viagens eram longas. Muitas vezes passavam mais de um mês em alto mar, com paragens rápidas num ou noutro porto para abastecimento. “Depois de tanto tempo a conviver apenas com homens era normal procurar convívio também com o sexo oposto”, conta bem-disposto. José sorri quando falamos da ideia feita de que o marinheiro tem uma namorada em cada porto e diz-nos que o que procuravam na realidade era quebrar o isolamento que normalmente só acontecia quando recebiam notícias pela telefonia sem fios.

Almeirim é terra de marinheiros

“A tripulação era a minha segunda família”, conta José Sardinheiro lamentando o falecimento de quatro colegas no ano passado. Durante mais de 50 anos continuam a juntar os vivos em convívios organizados, nos últimos 25 anos, na casa a que preside: o Núcleo de Marinheiros da Armada do concelho de Almeirim.
A associação, com sede na rua Infante D. Henrique, onde José recebeu O MIRANTE, integra actualmente cerca de duas centenas de marinheiros. “Almeirim é uma terra que deu muita gente para a Marinha”, afirma José que ainda acalenta o sonho de ver um dos netos seguir as suas pisadas. “O pai deles e o avô paterno estiveram na Marinha como eu, gostava muito que um deles continuasse”, confessa.

Na Marinha aprende-se a dar rumo à vida

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