Ser actor amador não dá dinheiro mas dá um imenso prazer
Primeira subida ao palco foi na maioria dos casos por mero acaso. A propósito do Dia do Artista, que se assinalou a 24 de Agosto, O MIRANTE optou por falar com actores de teatro amadores. São todos profissionais de outras artes e quase todos se iniciaram por acaso na arte de representar. Os anos passam e a paixão pelo palco acentua-se em vez de se atenuar. Se fossem profissionais não teriam mais gosto em representar do que o que têm. Teriam apenas mais tempo para fazer aquilo que mais gostam de fazer.
Sob pretexto do Dia do Artista que se assinala a 24 de Agosto, O MIRANTE podia dar voz a realizadores, poetas, escritores, pintores, escultores, compositores, músicos ou dançarinos, cada um terá a sua arte, mas optou por ouvir vários actores amadores da região. Como ganharam o bichinho da representação e o que os leva a continuar, por vezes em detrimento da família, foi o que fomos saber.
Foi um castigo, por se ter portado mal numa aula de português, que levou José Luiz Moreira, do Grupo de Teatro Palha de Abrantes, a começar a representar. Na altura tinha 14 anos e a entrada no mundo do teatro daquela forma, em vez de o afastar acabou por lhe dar prazer e proporcionar-lhe uma actividade para o resto da vida.
José confessa-se um falso extrovertido que graças à formação em teatro de improviso consegue dar a volta ao texto quando se engana, o que, diz, acontece mais vezes do que devia. O seu sonho é representar um monólogo, talvez “Primeiro Amor” de Samuel Beckett. A grande dificuldade é conciliar a representação como artista amador, com a vida profissional e familiar.
Actualmente representa o papel de mãe na peça “O Aniversário”. Uma adaptação do Grupo Palha de Abrantes, que o ‘web developer’ integra desde 2001. Nascido em São Miguel do Rio Torto, Abrantes, há 47 anos, José Luiz trabalha em Lisboa durante a semana. Nos fins-de-semana, normalmente passados na terra, acaba por ocupar a maior parte do tempo em assuntos relacionados com o teatro, em detrimento da vida familiar, o que, para um pai de quatro filhos, acaba sempre por ser cobrado.
Para Conceição Fonseca, que também integra o Grupo Palha de Abrantes o teatro foi um feliz acaso. Química de profissão, descobriu a paixão pela representação em 2016. Tinha 40 anos quando recebeu um telefonema de uma amiga a perguntar se estaria interessada em participar numa nova peça do grupo. Disse que sim, porque considera que nunca é tarde para se fazer coisas novas, e só depois se apercebeu que a peça estrearia dali a 15 dias.
São Fonseca, como é conhecida, tinha pisado um palco para cantar e já lá iam mais de duas décadas. Ficou nervosa naquela altura e o nervoso continua até hoje. Antes de entrar em palco sente o coração a palpitar e a temperatura a subir. “Depois dos cinco minutos iniciais consigo abstrair-me dos espectadores. Só volto a lembrar-me que existem pessoas na sala no final quando ouço as palmas”, conta-nos.
Nunca fez qualquer formação em teatro e não pensa profissionalizar-se. Diz que o importante é mostrar que existe cultura no interior e que o Ribatejo é uma região que dá cartas a nível cultural. “Abrantes é uma cidade cheia de cultura e que é pouco divulgada mas a maioria da população não demonstra interesse e não procura os espectáculos culturais”, lamenta.
“Deu-me uma branca e fiquei ali em cima do palco a encher chouriços”
Depois de algumas experiências na adolescência, Gabriel Silva integrou o grupo Veto Teatro Oficina após ingressar no curso de Artes e Espectáculo da Escola Secundária Ginestal Machado, em Santarém. Gabriel, natural de Abrantes e residente no Cartaxo, é também membro fundador da Associação ARAT – Aresta Rebelde Associação Teatral.
Tem 20 anos e confessa que em pequeno nunca pensou ser actor. Foi uma namorada que acabou por o influenciar na escolha. Embora nem o pai lhe tenha reconhecido qualquer veia artística, Gabriel considera-se um artista e revela que já trabalhou também noutras artes, além do teatro, como a televisão e a animação. A peça que mais o marcou foi “A madrugada que eu esperava”, onde fazia de Salgueiro Maia. “Tive medo de não fazer jus à imagem do Capitão de Abril, ou de transmitir algo errado, mas correu tudo bem e ainda me recordo da maioria das falas”, confidencia.
A última vez que se esqueceu de uma fala em palco foi na peça que interpreta actualmente “Ménage - Vais dizer que não gostas?”. “Um pouco antes de entrar em cena o encenador decidiu inventar ali um momento novo. Na altura assimilei o que era para fazer, mas depois, em palco, não consegui terminar a frase toda. Entretanto, como era para dizer com a entoação de um cigano, comecei literalmente a encher chouriços e a imitar os ciganos e lá me desenrasquei”, conta.
“Escrevi ‘Puta de Vida’, o actor faltou e a vida pôs-me em palco”
Mário Pereira, de 47 anos, nasceu em Benavente e cresceu na cidade vizinha de Samora Correia. Olhava para o palco do lado da plateia, como produtor teatral e visualizava-o enquanto escrevia peças para o grupo de teatro Os Revisteiros. Só de pensar em ser actor sentia o corpo a tremer.
Tal como aconteceu com José Luiz e São Fonseca, a primeira experiência em palco surgiu por mero acaso. Depois de escrever a peça “Puta de vida” teve que interpretar o papel principal em substituição do actor principal que não pôde estar presente. Foi no início dos anos 90 e bastou para lhe despertar o gosto pela representação.
O que ainda não consegue, em mais de trinta anos de representação, é olhar o público e receber elogios. “Eu era um homem de ‘backstage’ (bastidores) que não queria dar nas vistas mas surgiu o convite do actor e director artístico de Os Revisteiros, Joaquim Salvador, para integrar a produção e aceitei”.
Começou por montar cenários, iluminação e sistema de som mas rapidamente deu o salto para a escrita e passou a fazer direcção de actores. Fez formação em gestão e produção teatral, no Instituto de Formação, Investigação e Criação Teatral (IFICT), em Lisboa, e confessa que só se considera um actor amador porque não recebe salário.
“Não é a representar que pago as contas”, revela Mário Pereira, acrescentando que para ganhar a vida trabalha em Lisboa como coordenador de ‘contact center’ numa multinacional.
Conta que já teve experiência numa telenovela mas não gostou e lamenta que por vezes se queira fazer do teatro uma novela de palco. “O teatro tem de puxar à reflexão da sociedade, tem de intervir e ser provocador”, defende.
A cada actor a sua técnica para decorar texto
O facto de ser uma mulher das ciências faz com que São Fonseca seja disciplinada e metódica. São essas características que usa para decorar os textos das suas personagens. Não deixa nada para a última hora e lê os textos com calma e antecedência. “Gosto de me isolar e fugir de Abrantes. Costumo ir para uma esplanada no Sardoal ou em Constância, logo pela manhã, quando não há muito barulho a incomodar”, revela.
José Luiz Moreira tem uma técnica diferente. Marca todo o texto com anotações de pausas e respiração. Depois lê-o uma e outra vez. Por fim grava as falas dos outros personagens e ensaia as suas com a gravação, por vezes com a ajuda de um dos filhos.
Gabriel Silva também utiliza o método da gravação do texto em voz. Usa o telemóvel e aproveita todas as oportunidades para se ouvir, até no carro. Muitas vezes consegue ajuda da namorada ou do irmão mais novo.
Para Mário Pereira os textos, mesmo os que não escreve, são decorados com facilidade. “Leio frase a frase e depois volto ao início e repito tudo, normalmente em silêncio”, explica, acrescentando que passou anos a decorar textos, nos transportes públicos a caminho do trabalho.