Primeiros sinais de Alzheimer não podem ser ignorados ou desvalorizados
Quando a pessoa que conhecemos se transforma numa outra. Alterações repetidas da memória, dificuldades em executar actividades que antes eram fáceis, desorientação em áreas conhecidas, alterações da linguagem são os primeiros sinais da doença de Alzheimer que afecta mais de 130 mil pessoas no nosso país. O principal factor de risco da demência é a idade e Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo. No Dia Mundial da Doença de Alzheimer, 21 de Setembro, O MIRANTE falou com responsáveis de lares de idosos e com a directora técnica do Núcleo do Ribatejo da Alzheimer Portugal.
Melhorar as condições de vida dos utentes com Alzheimer e outras demências foi um dos objectivos da Misericórdia de Alhandra que inaugurou, em 2018, uma unidade de demências, depois de constatar que 36 por cento dos utentes institucionalizados sofriam de défice cognitivo em estado avançado, alguns com doença de Alzheimer diagnosticada.
Segundo o provedor da instituição, Brandão Soares, o projecto visa melhorar a qualidade de vida destes utentes, preservando as capacidades diárias, como fazer a cama e tratar da higiene de forma autónoma. “Percebemos que estes utentes requerem uma atenção mais regular e precisam de ser ainda mais estimulados do que os restantes 120 utentes”, refere o provedor.
Para lhes dar uma resposta mais efectiva foram criadas actividades multidisciplinares intensivas, como a estimulação e reabilitação cognitiva e a “terapia da reminiscência que trabalha, em grupo, as memórias dos utentes através de recordações antigas”, explica a psicóloga Sónia Nascimento.
Para impulsionar as capacidades que ainda têm e para manterem alguma autonomia frequentam também aulas de yoga, ginástica e fisioterapia. “A actividade física é fundamental para desacelerar o processo de deterioração normal da doença”, sublinha a psicóloga e dá como exemplo: “Uma das nossas utentes que já não se movimentava sem ser em cadeira de rodas, depois de ser transferida para esta unidade já anda apenas com a ajuda de uma bengala”.
A unidade de demência da Santa Casa da Misericórdia de Alhandra consegue assim dar uma resposta mais individualizada aos utentes com esta patologia, o que, na opinião de Filipa Gomes, directora técnica de serviços de Lisboa e do Núcleo do Ribatejo da Alzheimer Portugal, nem sempre acontece uma vez que o modelo de cuidados que existe para as pessoas com demência, num lar, nem sempre difere daquele aplicado a pessoas sem esta doença.
“Os idosos com Alzheimer têm necessidades diferentes e não podem ser cuidados da mesma forma. O problema de grande parte das nossas instituições é que há um modelo único, válido para as pessoas com um envelhecimento normal, e depois encaixa-se nesse modelo as pessoas com demência. Assim não funciona”, reforça Filipa Gomes.
Nomes escritos nas mesas e corredores decorados com flores diferentes
Aberta desde Maio de 2018, a residência Sénior Lar Casal das Flores, em Riachos, Torres Novas, acolhe 40 utentes. Muitos deles sofrem de alguma demência, incluindo o Alzheimer, num total de 10 utentes, sobretudo mulheres, com idades compreendidas entre os 80 e os 100 anos de idade.
De acordo com a técnica neuropsicóloga Bárbara Reis, há muitos utentes com défices cognitivos ligeiros naturais da idade. Quanto à doença de Alzheimer em concreto não sente que tenha aumentado.
Para lidar com estes utentes existem técnicas de orientação, como marcadores nas mesas com nome, numeração nos quartos e corredores ilustrados com diferentes flores. O espaço externo é vedado e todos os funcionários estão consciencializados para um tratamento diferenciado.
Ana Catarina Guimarães, enfermeira, refere que se trata de utentes com uma capacidade de compreensão alterada e a insistência em determinadas situações pode levá-los à frustração e posteriormente à agitação e à agressividade.
Doentes perdem a noção do perigo e do que é correcto ou incorrecto
Cinia Pereira, gerente da Casa de Repouso Sonhos Meus, em Marinhais, Salvaterra de Magos, onde estão 24 utentes, nove deles com diagnóstico de Alzheimer, refere que o número tem vindo a aumentar ao longo dos anos.
O dia-a-dia destes utentes depende muito da fase da doença em que se encontram, e o mais importante, para a responsável, é prolongar a sua autonomia. São utentes que perdem a noção do perigo e do que é correcto. Exigem por isso maior vigilância, esse é o cuidado especial que Cinia destaca.
“Tenho alguma facilidade em lidar com estes utentes. Costumo dizer que temos de ser um pouco camaleões e adaptarmo-nos ao universo de cada um deles. Não podemos tratar todos os doentes com Alzheimer da mesma forma, no mesmo tom de voz e por vezes nem com o mesmo discurso”, explica.
No fundo um utente com Alzheimer exige que haja da parte da instituição uma relação muito próxima de colaboração e partilha com a família. “Precisamos de saber ao pormenor qual o dia-a-dia do utente para entender as reacções, assuntos e expressões com as quais o utente se identifique”. E acrescenta: “Em termos de condições físicas qualquer lar está adaptado para receber estes utentes, mas é necessário criar condições humanas e alargar a oferta formativa”.
Formação para os embaixadores da pessoa com demência
A directora técnica de serviços de Lisboa e do Núcleo do Ribatejo da Alzheimer Portugal, Filipa Gomes, explica que a Associação tem vários centros de dia e um lar específico para pessoas com demência, cuja importância é poder dar a formação a outras entidades.
“O objectivo da associação não é ter um centro de dia ou um lar em cada capital de distrito mas sim, a partir dos três ou quatro centros de dia que já tem, efectivar as boas práticas definidas internacionalmente para poder dar formação na área”.
A associação iniciou o ano passado o projecto “Amigos na demência”, e, em Dezembro próximo, haverá em Almeirim a primeira formação para os embaixadores da pessoa com demência.
São pessoas que vão ter formação para que possam elas próprias informar e sensibilizar outras pessoas da sociedade civil para as questões da demência e sobretudo do combate ao estigma. O núcleo de Almeirim criou também este ano consultas de neurologia, na sua sede, e avaliações neuropsicológicas, importantes para avaliar as funções cognitivas alteradas e qual a etapa da doença.
A importância do Estatuto do Cuidador Informal
“O grande dilema das pessoas que nos procuram é como cuidar de uma pessoa 24 sobre 24 horas. O desgaste é tremendo”, refere Filipa Gomes, congratulando-se com a notícia de que cuidadores e pessoas cuidadas têm, desde 20 de Setembro, informação disponível no Portal ePortugal sobre os seus direitos e benefícios, medidas de apoio e cuidados de saúde e de apoio social.
O Estatuto do Cuidador Informal foi publicado a 6 de Setembro e veio regular os direitos e os deveres do cuidador e da pessoa cuidada, estabelecendo as respectivas medidas de apoio, estando a decorrer o prazo para a sua regulamentação específica. Entre outras medidas, define um subsídio de apoio aos cuidadores, o descanso a que têm direito e medidas especificas relativamente à sua carreira contributiva. “Sempre defendemos o estatuto do cuidador, falta agora ver como vai ser operacionalizado”, remata a directora do Núcleo do Ribatejo da Alzheimer Portugal.
Atenção aos primeiros sinais
O neurologista Celso Pontes diz que os primeiros sinais que podem facilitar diagnósticos precoces da doença de Alzheimer e permitir que se actue mais cedo são “alterações repetidas da memória, dificuldades em executar actividades que antes eram fáceis, desorientar-se em áreas conhecidas, alterações da linguagem (da leitura ou da escrita). Enfim, modificação das capacidades cognitivas e funcionais que antes não existiam”, explica. O especialista sublinha que nessa altura, é errado desvalorizar o que se passa, dizendo que é da idade. Todas essas modificações de comportamento devem ser comunicadas ao médico.