Quando o combate à degradação dos rios começa à porta de casa de cada um
“Reabilitar Troço a Troço” da Câmara de Santarém procura envolver proprietários. A protecção de um grande rio, como o Tejo, por exemplo, começa à nossa porta e tem que ter o envolvimento dos cidadãos. A Câmara Municipal de Santarém anda desde 2012 a limpar e reabilitar linhas de água com a equipa do projecto “Reabilitar Troço a Troço” e a sensibilizar os seus munícipes para terem uma participação na defesa dos rios e ribeiras. O MIRANTE foi saber como o faz, a propósito do Dia Mundial dos Rios que se assinalou a 25 de Setembro. E falou ainda com o responsável pelo Movimento ProTejo.
Os proprietários dos terrenos onde passam cursos de água têm que ser os primeiros a interessar-se para que os mesmos sejam protegidos de agressões ambientais. É a eles que cabe, por exemplo, a obrigação de limpar os terrenos e de avisar as autoridades quando há incumprimentos, como descargas poluentes ou deposição de materiais de construção, que ultimamente têm aumentado.
Na teoria é assim que devia ser, como explicou a O MIRANTE, Maria João Cardoso, técnica do ambiente e coordenadora da equipa Equipa Multidisciplinar de Acção para a Sustentabilidade (EMAS) da Câmara Municipal de Santarém, que coordena a equipa responsável pelo projecto Reabilitar Troço a Troço (RTT).
Dentro dos aglomerados urbanos cabe aos municípios limpar e conservar as linhas de água e fora desse limite cabe aos proprietários. O projecto do município de Santarém nasceu em Junho de 2012 e conta já com vinte troços e três mil metros de linhas de água reabilitadas, mas ainda há muito por fazer.
“É um projecto de engenharia do ambiente com uma forte componente de participação publica, que aposta nas pessoas para fazerem a mudança”, explica a técnica, realçando a importância de mostrar como fazer, de forma a que os proprietários dos terrenos confinantes com as linhas de água possam replicar aquilo que está a ser feito com uma equipa técnica de engenheiros do ambiente.
“Um rio não é um canal, um rio é vida, tem um ecossistema e um equilíbrio entre espécies. Se o desequilibramos perdemos essa riqueza. É difícil mudar padrões de comportamento e fazer com que a economia tenha como base o ambiente e não o lucro, mas faremos tudo o que está ao nosso alcance”, refere a técnica, que tem vinte e cinco anos de actividade profissional, vinte e dois dos quais na Câmara de Santarém.
O município tem patente na Casa do Ambiente, em Santarém, a exposição “Pelos nossos Rios e Ribeiras”, onde se mostram as técnicas de engenharia natural aplicadas ao longo dos anos de desenvolvimento do projecto Reabilitar Troço a Troço.
Arneiro das Milhariças e Ribeira de Cabanas foram grandes desafios
Maria João Cardoso destaca dois grandes desafios enfrentados pelo projecto. Ao longo dos anos houve um desvio do leito inicial da ribeira do Arneiro das Milhariças, que fez com que a mesma ficasse a ocupar uma estrada. Voltar a aproximar o curso de água do seu trajecto inicial, respeitando os seus meandros, foi um desafio vencido com a ajuda da Agência Portuguesa do Ambiente e da Administração da Região Hidrográfica do Tejo e Oeste.
“Hoje temos um espaço reabilitado e vivido onde as espécies das margens do rio repovoaram aquela linha de água. Foi uma obra de engenharia do ambiente que vai ficar para que as gerações futuras consigam perceber que não podemos desviar os rios do seu percurso natural”, explica a coordenadora da Equipa Multidisciplinar de Acção para a Sustentabilidade.
Outro desafio foi na Ribeira de Cabanas, que desagua no rio Tejo. Para além da poluição, a extensão do troço de 500 metros a reabilitar, envolveu centena e meia de pessoas e teve, pela primeira vez, a participação de uma empresa local.
“Tivemos a coragem de intervir mesmo assim, fazendo o que estava ao nosso alcance. Quando uma linha de água começa a ter vida é mais difícil as fontes de poluição sentirem-se à vontade para continuarem e fazê-lo”, explica a responsável.
Até ao final do ano o EMAS tem mais três pedidos de juntas de freguesia e continuará a reabilitar rios e ribeiras da região. Depois do RTT haverá novos projectos como o da “Foz à Nascente”, cujo intuito é libertar rios e ribeiras das pressões humanas que degradam a qualidade da água e das margens, como, por exemplo, acabar com a poluição de adubos, um problema que afecta a região.
Os transvases em Espanha e os açudes de Abrantes e Mouriscas
Paulo Constantino e as reivindicações do movimento ProTejo.
A insuficiência de caudais no rio Tejo deve-se à retenção de água nas barragens espanholas, às reduzidas afluências de Espanha, ao transvase Tejo Segura (uma das maiores obras de engenharia hidráulica de Espanha para desviar água do Tejo para o rio Segura) e também às alterações climáticas.
Quem o diz é Paulo Constantino, do movimento ProTejo, que explica a
O MIRANTE que o transvase Tejo-Segura desvia cerca de 80 por cento das águas do rio Tejo em Espanha que acabam por desaguar no Mediterrâneo.
“O volume de água transvasada, em 2015, foi um quinto do caudal anual que Espanha acordou passar para Portugal na Convenção de Albufeira”, referiu o ambientalista. No entanto, o principal motivo para os baixos caudais tem sido a retenção de água nas barragens espanholas da Estremadura, tendo-se verificado no último Verão um nível de armazenamento de apenas 50% quando em anos anteriores tem sido acima de 70%.
“Mesmo em anos em que existe um maior armazenamento de água esta é retida para utilização na agricultura intensiva e na produção de energia hidroeléctrica e não é enviada para Portugal, uma vez que os concessionários das barragens só enviam água quando é necessário e rentável produzir energia hidroeléctrica”, critica Paulo Constantino.
O ambientalista da ProTejo lamenta a criação de várias barreiras ao longo do Tejo nomeadamente o açude de Abrantes e o da PEGOP, em Mouriscas, que, diz, impedem a conectividade fluvial prejudicando a progressão de espécies ao longo do rio e a passagem de pequenas embarcações.
O aumento das temperaturas, devido às alterações climáticas, também conduz à redução das disponibilidades de recursos hídricos registada nos últimos anos. Na sua opinião, a gravidade da poluição acentua-se devido aos caudais cada vez mais reduzidos que afluem de Espanha, diminuindo a capacidade de depuração natural do rio Tejo. Em território nacional, Constantino considera que esta situação piora com a poluição nos afluentes do Tejo, nomeadamente o rio Almonda, a ribeira da Boa Água, o rio Maior e o rio Alviela.
Em Setembro, o ProTejo assinalou dez anos de actividade em defesa do rio com uma descida do rio em canoa. Na mesma ocasião foi lida a Carta Contra a Indiferença, dirigida aos candidatos a deputados nas legislativas de 6 de Outubro, na qual evidencia a necessidade de um Tejo com dinâmica fluvial e apela à rejeição dos novos projectos de construção de açudes e barragens e à regulamentação daqueles que já existem.