“Vem aí um ataque desenfreado à tauromaquia”
Rui Casqueiro diz que a XIV legislatura vai aquecer a guerra entre aficionados e anti-taurinos. É dirigente da Tertúlia Festa Brava, a segunda mais antiga do país, e diz que os aficionados ainda não se decidiram a arregaçar as mangas e lutar pela festa brava. Em entrevista a O MIRANTE chama cobardes aos anti-taurinos e aos que vandalizaram a sede da tertúlia, em Azambuja.
Rui Casqueiro é presidente da direcção da Tertúlia Festa Brava, a segunda mais antiga do país, fundada em Lisboa há 73 anos, que se mudou para Azambuja em 2014. Defensor convicto da tauromaquia, considera que os próximos tempos não se afiguram fáceis para os amantes da festa brava. O que o assusta não são os populares ou autarcas mas “as ordens que vêm de cima, das direcções dos partidos”, onde existem políticos empenhados e com poder para abafar a tauromaquia. Se vão conseguir ou não acredita que o veredicto poderá chegar nesta legislatura, mas alerta que, se isso acontecer, a passividade dos aficionados vai ter culpas no cartório.
A entrevista com O MIRANTE decorreu cinco dias após a fachada da sede da tertúlia ter sido vandalizada. “Tradição de morte”, lia-se numa das paredes. Rui Casqueiro confessa-se espantado e revoltado com a inércia e falta de união dos adeptos da Festa Brava e lamenta que ainda não se tenham organizado e manifestado publicamente.
“As pessoas ou fazem barulho ou o Governo faz o que quer. Temos de ir para a rua rapidamente”, sublinha, garantindo que os aficionados estão a preparar uma manifestação. “Queremos que seja a Pró-Toiro [Federação Portuguesa de Tauromaquia] a organizá-la, mas há quem ache o momento inoportuno e outras associações, como a nossa, que defendem que já devia ter sido feita”, afirma, acrescentando que a tertúlia que dirige está disposta a avançar com o apoio de outras, caso a Pró-Toiro não assuma a linha da frente.
Por outro lado receia que se as corridas de toiros forem proibidas por decreto comecem a haver distúrbios da ordem pública. “Não estou a ver as pessoas de Azambuja, Vila Franca de Xira e de outros concelhos a receber esta notícia e ficarem quietas. Estou convencido que vêm para a rua revoltadas”, diz. E nesse caso, alerta, “os políticos que não se esqueçam que a responsabilidade é deles”.
Sobre o número crescente de tertúlias tauromáquicas, em Azambuja, nos últimos anos, a opinião é que apesar de favorecerem o convívio e animarem a Feira de Maio são tóxicas para a tauromaquia. E explica: “Essas tertúlias são grupos de amigos que se reúnem uma vez por ano para ver largadas de toiros, mas quando chega a hora da corrida de toiros ficam lá [nas tertúlias] a comer e beber. Isso é muito mau para a afición”.
A verdadeira função de uma tertúlia tauromáquica, diz, consiste em “reunir um número de aficionados e pugnar pela tauromaquia a todos os níveis, explicando-a, ensinando-a e proporcionando aos seus membros o contacto com o meio taurino por todas as vias, através de livros, revistas, exposições, palestras, visitas ao campo e contacto com toureiros. Tem de ser uma escola de tauromaquia para a sociedade”.
Associação renasceu das cinzas em Azambuja
Rui Casqueiro, 61 anos, nasceu em Lisboa e reside em Azambuja há 20 anos. Descobriu-se aficionado desde muito novo, quando era levado pela mão do avô para esta tertúlia que considera a sua segunda casa. Foi empresário e equitador. Impediu uma dissolução da associação quando ficaram sem a sede em Lisboa, depois de um incêndio a ter destruído, em 2009. Geriu uma comissão administrativa durante meio ano até a associação renascer das cinzas.
Grande parte do espólio foi recuperado, mas a sede, “fundamental para que haja um local de encontro” dos associados, só chegou em 2018 com o apoio da Câmara de Azambuja, proprietária do imóvel, que já foi um matadouro.
O dirigente diz que Azambuja é uma “terra de profundas tradições taurinas” e continua aficionada, mas “cada vez menos às corridas formais”. Com o número de corridas a fixar-se numa média de três por ano, e a serem de “má qualidade”, são as largadas que mais seduzem os aficionados azambujenses. A tertúlia tem actualmente 90 sócios, mas muito poucos são jovens. Este ano organizaram sete palestras sobre tauromaquia e homenagearam Rui Salvador, cavaleiro tauromáquico que cumpriu 35 anos de alternativa, César Fernandes e António Salema, dois aficionados azambujenses, e a dinastia Ribeiro Telles.
A tauromaquia não é nem nunca foi elitista
Na anterior legislatura o projecto-lei para abolir as touradas, apresentado pelo PAN, acabou chumbado. Como acha que vai ser o cenário nos próximos quatro anos?
Vamos ter nesta legislatura um ataque desenfreado à tauromaquia. Está tudo preparadíssimo para a extinguir por decreto e, no caso de não serem capazes, vão fazer de tudo para a sufocar.
Como se sufoca a tauromaquia, não a extinguindo?
Se não a extinguirem o primeiro ataque vai ser obrigar ao uso de velcro no dorso dos toiros nas corridas formais, desvirtuando a verdade da festa e transformando-a numa palhaçada. A corrida de toiros deve ser uma luta nobre entre o homem e o toiro, em que a inteligência e conhecimentos técnicos se devem sobrepor à força bruta do animal. Se desvirtuamos isto pouco ou nada fica da verdade da lide de um toiro.
No caso de as bandarilhas serem substituídas por velcro é possível manter-se a pega dos forcados?
Vão ter de suportar toiros íntegros, mas são loucos para isso.
Há mais pessoas a assumirem-se anti-taurinas. Pode estabelecer-se uma relação directa com o crescimento dos partidos à esquerda?
Com a esquerda, forçosamente, não. O PCP é confesso apoiante da tauromaquia. Já o Bloco de Esquerda é ideologicamente anti-taurino. Vê a tauromaquia de uma forma elitista e quer acabar com ela. A direcção do PS é profundamente anti-taurina e o caso do PAN é o mais grave, porque para este partido a tauromaquia é uma bandeira. Entenderam-na como fracturante da sociedade portuguesa e agarraram-na para aumentar a sua exposição e capacidade de intervenção pública. Eles [o PAN] só querem proibir coisas e esta é uma delas, mas nem é a mais importante. Estão-se a borrifar para os toiros, mas perceberam que indo por aqui podiam agitar as massas e conseguiram mesmo.
E não é a corrida de toiros um espectáculo elitista?
Se há manifestação cultural portuguesa que não é nem nunca foi elitista é a tauromaquia. Basta olhar para a bancada de uma praça de toiros onde se vê gente de todas as faixas sociais, ombro a ombro.
Este ano houve maior afluência às praças de toiros apesar de ter aumentado a polémica em torno da tauromaquia...
Penso que estes ataques continuados por parte dos políticos têm servido como catalisador para o público aficionado afluir mais às praças de toiros. Também é verdade que as associações e empresas tauromáquicas se têm esforçado por ter melhores cartéis e coordenar datas para não haver tanta sobreposição. Houve também alguma redução do número de espectáculos formais. Mas é inegável que a afluência do público foi significativamente maior este ano do que nos anos transactos.
A fachada da sede da tertúlia Festa Brava e da Praça de Toiros Ortigão Costa, em Azambuja, foram vandalizadas. Estas manifestações anti-taurinas são uma pequena mostra daquele que será o grande desafio vindouro para os aficionados?
Já é um desafio há muito tempo, mas a destruição é um fenómeno recente. Temo que em Azambuja, Vila Franca de Xira, Santarém, Moita e no Alentejo este tipo de situações se possa complicar. Teremos de estar mais atentos a quem nos rodeia, mas vai ser difícil identificar estas pessoas. São cobardes por natureza, nunca dão a cara. Os únicos que a dão são os políticos.