Mamarracho no Alto do Vale caiu no esquecimento
Esqueleto de tijolo e betão foi comprado pela Câmara de Santarém em 2006 depois da obra ser embargada. Os anos vão passando e nada se alterou. A mancha na paisagem, cercada por ervas e arbustos, permanece junto à movimentada EN3, à entrada do concelho.
Há mais de vinte anos que Armando Jogo vive paredes meias com um esqueleto de tijolo e betão construído nas imediações da sua casa e do que foi, em tempos, o seu café-restaurante Carroça do Jogo. O pavilhão industrial inacabado no Alto do Vale, freguesia de Vale de Santarém, junto à EN3, tem estado rodeado de mato e ervas que acentuam o aspecto de abandono e motivam reclamações do morador.
O panorama é assim há muitos anos e não se perspectiva que o cenário vá mudar nos tempos mais próximos. O assunto caiu no esquecimento no debate político e o gabinete da presidência da Câmara de Santarém, contactado por O MIRANTE sobre o que pensa a autarquia fazer, também nada disse.
Recorde-se que, em Fevereiro de 2006, a Câmara de Santarém decidiu adquirir o armazém semi-construído no Alto do Vale, pagando 225 mil euros ao construtor e resolvendo um imbróglio jurídico-legal que já se arrastava há três mandatos. As duas partes chegaram a acordo após negociações, na sequência da recusa do então presidente da câmara, Moita Flores, em pagar a verba aprovada pelo anterior executivo, liderado por Rui Barreiro (PS), na ordem dos 385 mil euros.
O pavilhão industrial foi licenciado pela Câmara de Santarém no mandato 1997-2001 (era o socialista José Miguel Noras presidente do município), apesar de não cumprir algumas das regras urbanísticas em vigor. No mandato seguinte deu-se o embargo e o processo fez correr muita tinta. Em Outubro de 2004 o construtor e proprietário do terreno, Diogo Rosa Tomás, propôs à Câmara de Santarém a permuta do terreno e do que lá está construído por lotes que o município tinha no Campo Infante da Câmara. O que foi rejeitado liminarmente pela vereação.
Na altura foi invocado em reunião do executivo um parecer jurídico que abria caminho à possibilidade de a decisão da anterior câmara ser anulada, por ter licenciado a construção sem cumprir o Plano Director Municipal (PDM). Passo que permitiria demolir a construção, mesmo que isso implicasse o pagamento de uma indemnização ao proprietário. Uma solução radical que a autarquia entendeu não assumir, preferindo a via negocial para resolver o problema.
Em Maio de 2008, confrontado com as reclamações da Junta de Freguesia do Vale de Santarém, Moita Flores dizia que se estava a pensar transformar o espaço num centro social e de convívio, mas admitia que faltava dinheiro. Em finais de 2012, igualmente questionado pela então presidente da Junta do Vale de Santarém, Ilda Lanceiro, o actual presidente da câmara, Ricardo Gonçalves (PSD), referiu que a resolução desse problema não seria fácil a breve trecho devido ao contexto económico e financeiro, mas garantiu que se empenharia na tentativa de o resolver.
Pavilhão trava estalagem e acaba com negócio
Armando Jogo foi um dos lesados pela construção do armazém no Alto do Vale de Santarém. O ex-proprietário do café-restaurante Carroça do Jogo, que reside mesmo ao lado do edifício abandonado, conta a O MIRANTE que em 2003 pensou ampliar o seu negócio, numa primeira fase, e construir uma estalagem, numa segunda fase.
Na altura, a Câmara de Santarém não viabilizou o projecto com a justificação que não era compatível a construção da estalagem com o armazém que estava a nascer a menos de 200 metros da futura unidade hoteleira. O ex-empresário de 74 anos decidiu, então, avançar com uma queixa-crime contra o município, em 2008, por se considerar vítima de uma injustiça que contribuiu para a morte lenta do seu negócio. O processo arrastou-se no tempo e acabou arquivado.
Armando Jogo queixa-se de nunca ter contado com apoio jurídico gratuito e de ser obrigado a fechar o seu estabelecimento, devido aos problemas financeiros. “É uma vergonha todo este caso. Que justiça é esta que defende apenas os corruptos?”, questiona o reformado que já esteve em protesto em frente ao Tribunal de Santarém e à porta do Ministério da Justiça, em Lisboa, reivindicando justiça.