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31 anos do jornal o Mirante

“Nunca fui aventureiro nem ambicioso e nunca me meti em alhadas”

José Sirgado foi empregado de balcão, empresário e comercial de O MIRANTE.

Esta é uma história de vida cuja leitura é recomendada a leitores de todas as idades. O entrevistado chama-se José Sirgado e nasceu a 1 de Outubro de 1937 em Vale dos Ovos, no concelho de Tomar. Começou a trabalhar cedo e com excepção de uma manhã e de dois anos de tropa esteve sempre no ramo alimentar. Taberna, mercearia e armazém. Também foi empresário durante 18 anos e fechou a vida profissional como director comercial de O MIRANTE.

Quando O MIRANTE nasceu José Sirgado tinha feito cinquenta anos há um mês e meio e era dono, em conjunto com um sócio, da empresa Armazém de Mercearias S. Martinho, na Golegã, que abastecia o pequeno comércio em diversos concelhos. Durante dez anos foi leitor do jornal e anunciante. Depois, com o aparecimento dos grandes supermercados da Sonae, acabou por fechar o negócio e passou a integrar o sector comercial do jornal.
“O Continente abriu em Santarém, Tomar, Torres Novas, Abrantes. Contratava autocarros para levar, gratuitamente, as pessoas das aldeias aos seus supermercados para fazerem compras. Pagava-lhes um cafezinho à chegada, dava-lhes duas ou três horas para se aviarem e levava-as de volta a casa. O pequeno comércio não aguentou. Ao fim de dezoito anos de actividade tivemos de fechar”, conta o antigo empresário, que começou a trabalhar aos 12 anos por os pais não terem dinheiro para lhe pagar os estudos.
José Sirgado recebe-nos na sua casa, em Vila Nova-Paialvo, no concelho de Tomar. O dia está escuro e nublado. Chove intermitentemente e chegar até lá não foi tarefa fácil por causa de obras na estrada que escolhemos. Na sala onde decorre a entrevista, em cima de uma pequena mesa, está a edição de O MIRANTE de Novembro de 2011, onde foi publicada uma reportagem sobre uma entrevista que José Sirgado e dois amigos, que com ele tinham um programa de rádio, fez a Amália Rodrigues.
Numa parede de outra sala, junto a um majestoso gramofone onde ele, mais tarde, haveria de pôr a tocar um velho disco de 78 rotações, está pendurada uma moldura com um artigo de opinião. Foi escrito por ele para uma edição de aniversário, na altura em que trabalhava no jornal e tem o título: “Doze anos de vida e outros tantos de sonhos”.
São quatro e meia da tarde de uma quinta-feira. Antes de ser ligado o gravador dá uma informação aos jornalistas. “Os CTT não entregaram hoje O MIRANTE”. Preocupação de quem sabe como é importante a chegada da edição em papel aos assinantes e de quem reserva o serão das quintas-feiras para ler o jornal e comentá-lo com a esposa, Leonor Oliveira Sirgado.
José Sirgado diz que não foi difícil deixar de ser empresário para trabalhar outra vez por conta de outrém. “Não comecei a vida como empresário mas como empregado. Quando o Joaquim António Emídio soube que íamos fechar a empresa disse-me que, se eu quisesse, tinha trabalho para mim. Já o conhecia há alguns anos, sabia que com ele as coisas nunca estavam paradas e isso via-se e vê-se ainda com a evolução do jornal. Disse-lhe que sim”. Perguntamos-lhe se foi fácil a adaptação. “O fácil não existe”, sublinha.
A vida profissional de José Sirgado terminou no jornal, na passagem para o século XXI. Reformou-se em 2000, aos 63 anos. Contabilizaram-lhe 45 anos de descontos.

Como uma broca torta determina o futuro de um jovem
José Sirgado tem 82 anos. Começou a trabalhar aos doze ou treze, não sabe ao certo. O primeiro contacto com o mundo do trabalho só durou uma manhã. Foi para aprendiz numa oficina, no Entroncamento, e puseram-no com um berbequim manual a abrir furos numa chapa. A broca entortou-se e o patrão queria que ele pagasse o estrago. De tarde já não foi. Algum tempo depois já estava na taberna do Zé Coelho, junto à Serração dos Parrachos, a aviar ao balcão. A mudança para o ramo alimentar manteve-se até ir para O MIRANTE.
Foram três anos e meio a “ganhar experiência” no contacto com o público. Dali foi para uma loja em Árgea, Torres Novas, conhecida como a mercearia do “Chico Calhau”, alcunha do patrão Francisco Antunes.
Aos 18 anos alistou-se na tropa voluntariamente e foi colocado na Escola Prática de Engenharia, em Tancos. Foi soldado e 1º cabo. Entrou em Abril de 1956 e saiu em Abril de 1958. Se tivesse esperado pela incorporação obrigatória aos 21 anos era capaz de ainda ter ido para África.
Depois da tropa esteve numa mercearia em Pé de Cão e depois num armazém no Entroncamento. Investiu dinheiro numa empresa chamada Pracel que, com a chegada do 25 de Abril e os conflitos laborais que se geraram, não se aguentou.
Conta que na altura, com a subida da temperatura revolucionária e porque ele tinha uma quota de dez por cento e era director de vendas, havia trabalhadores que ameaçavam “pendurá-lo”, signifique isso o que significar.
“Saí da Pracel e deixei lá tudo. Foi muito complicado. Instalei-me na Golegã com o meu sócio Viriato Baptista Marques. Comecei tudo do zero. Para formar o capital social da empresa foi com empréstimos de familiares. Mas houve trabalhadores da Pracel que foram trabalhar para mim”.

“Como os partidos recebem por cada voto se a abstenção baixa vai ser um rombo”

Costuma ir votar?
Acho que votei em todas as eleições mas o Governo não deve gostar muito disso. Se os partidos recebem mais de 12 euros e meio por cada voto neles e se o Estado vai pagar 64 milhões com uma abstenção de quase 50 por cento, se toda a gente fosse votar era um grande rombo nas finanças.
Tem Internet?
Tenho mas não uso. A minha esposa ainda desenrasca qualquer coisa mas eu não. Nunca me dei bem com novas tecnologias. Já no jornal a minha relação com os computadores era...extremamente problemática.
Quando os jornais deixarem de ter edições em papel...
Para mim, e calculo que para muitos como eu, deixam de existir. Leio
O MIRANTE e, por vezes, o Cidade de Tomar que é aqui do meu concelho.
Vê televisão?
Pouca. Meia hora ao almoço e meia hora mais tarde e já é uma grande dose.
Já ouviu falar do movimento “Me Too” contra o assédio sexual?
Mitu... có conheço a Mitsubishi. Acho que essa coisa é mais com o Ronaldo. Eu chamo-me Sirgado!
Praticou desporto?
Não sei se conta como desporto. Na escola jogava ao berlinde.
Sabe cantar?
Não. Não canto, nem quando estou a tomar banho.
É católico?
Andei na catequese e fiz a primeira comunhão no Entroncamento. Os meus pais eram católicos e eu toda a vida fui católico. Católico praticante. Nem sei como se consegue ser católico não praticante.
O que anda a ler?
“Histórias rocambolescas da História de Portugal”, do jornalista João Ferreira. São factos reais que não são contados na escola. Alguns parecem mentira. Um rei que teve dezoito filhos bastardos. O D. Pedro I, do bonito romance com Inês, que também amava um seu escudeiro...
Qual é o seu principal passatempo?
A rádio continua a ser a minha paixão. Durante anos fiz programas na Rádio Bonfim, da Chamusca, e na rádio de Almeirim. Há alguns anos que tenho uma rubrica na Rádio Canção Nova de Fátima, chamada “Ao Acaso”, que gravo aqui em casa, recorrendo ao meu arquivo musical.
Conheceu a sua mulher na ida à missa ou no baile da paróquia?
Não foi no baile da paróquia mas foi no baile da colectividade em Vila Nova. O meu futuro sogro, a quem chamavam Américo Sardinheiro, ia pelas aldeias vender peixe, que levava numa carroça. Um dia alguém me falou na filha, Leonor. Tempos mais tarde fui ao baile, convidei-a para dançar e assim começou a nossa relação. Namorámos quatro anos e uns meses. Casámos na igreja de Carrazede, onde ela tinha sido baptizada. Já lá vão 57 anos.
Tiveram filhos?
Temos uma filha, Dulce Martins Sirgado, que é professora e faz parte da direcção da escola da Golegã. E uma neta chamada Cátia, que tirou o curso de Relações Internacionais e que trabalha na embaixada da Dinamarca em Lisboa.
Como olha para O MIRANTE?
O MIRANTE vai sempre mais além. Não há parecença possível com qualquer outro jornal. Tem muita publicidade mas tem sempre conteúdos variados e informação de referência. Tem a marca Joaquim António Emídio.

O furinho no “quartom” da boazona do Porto

Com tantos anos ao balcão José Sirgado tem algumas histórias para contar e contou algumas a O MIRANTE, como a do rádio que estava no estabelecimento e que, por não haver electricidade, era alimentado por uma bateria que ele ia semanalmente carregar a Torres Novas, à central eléctrica, junto ao Almonda. Mas a de que mais gostámos foi a da linda esposa do GNR do Porto, que dizia palavrões de fazer corar uma peixeira.
“Quando trabalhei em Árgea existia lá um posto da GNR e entre os guardas lá colocados estava um do Porto que tinha uma mulher lindíssima. Ela teria 26 ou 27 anos. Quando entrava na loja os homens ficavam todos a olhar. Um dia ela foi comprar um cântaro de barro para ir buscar água à fonte. Chamava-lhe quartão. Dizia “quartom” porque tinha uma cerrada pronúncia do norte. Passado algum tempo voltou para dizer que o “quartom” tinha um furinho. Resolvi brincar e disse-lhe para deixar lá o cântaro que quando passasse um funileiro eu dizia-lhe para deitar um pingo de solda. Claro que a solda não se usava no barro e ela percebeu logo. Disse tanta asneira e chamou-me tantos nomes que tive que me esconder atrás do balcão”.

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