Núcleo de Artes de Riachos é uma incubadora de sonhos a precisar de novo fôlego
O NAR tem falta de gente, de ideias e criatividade. O seu presidente, Pereira Jorge, apela à comunidade para que não deixe morrer essa incubadora de sonhos.
Ao fim de uma década o Núcleo de Artes de Riachos (NAR) está despido de gente. Ali não é a falta de dinheiro que impede a continuidade de lançar artistas plásticos, pintores, poetas, cantores, artesãos. O núcleo autossustenta-se porque quem o integra contribui com o que pode, para garantir a sua existência. O que falta é vontade, é gente nova com ideias revigorantes, com espírito de iniciativa, porque as que estavam foram-se afastando ou morrendo e os jovens têm outros interesses.
“É triste ver que quem deu vida a este projecto sejam as mesmas pessoas que o estão a matar. Eu próprio não tenho muito tempo. A vida é mesmo assim”, admite com sinceridade e algum desalento António Júlio Pereira Jorge, presidente da direcção do NAR, à reportagem de O MIRANTE.
O NAR completa 10 anos no dia 16 de Janeiro. É visto pela população de Riachos, no concelho de Torres Novas, como o coração que bombeia arte para toda aquela zona. Artistas de toda a região e até de fora dela nasceram ou vieram beber cultura ao NAR. Mas ao fim de uma década o NAR precisa de um balão de oxigénio e de ideias.
O surgimento do NAR permitiu tirar os artistas de Riachos e, posteriormente, de várias outras localidades, das suas conchas e dar visibilidade às suas obras: aos poemas, às pinturas, às esculturas e até às vozes.
Carlos Trincão Marques, advogado e autarca falecido em 2018, foi figura fundamental na criação do projecto. Era presidente da Associação de Defesa do Património da Região de Riachos, de onde nasceu o NAR. O espaço que acolhe as várias secções pertence à família Trincão Marques, que o cedeu ao núcleo para servir de oficinas de trabalho.
Artes plásticas, produção escrita, poesia, artesanato, artes decorativas, gastronomia, fotografia e produção de vídeo foram algumas das áreas exploradas. Muitas foram as exposições para mostrar os trabalhos feitos pelos artesãos e artistas plásticos. Muitos foram os serões para ouvir poesia de autores locais. Agora está tudo mais calmo. Parece que falta inspiração.
A primeira actividade do NAR foi o 1º Encontro de Poesia onde estiveram presentes mais de 40 pessoas. Hoje, a secção de poesia do NAR, uma das mais participadas, tem cinco pessoas. A pintura, também uma das áreas mais participadas, poucas mais tem.
Ainda assim ficam as recordações. A poesia deu muitos frutos, apresentaram uma colectânea, em 2014, com poemas de 12 autores da região. Depois disso, os mais velhos afastaram-se, preferem agora o aconchego do lar. Os mais novos têm outros interesses. Neste momento o grupo de música tradicional portuguesa Vozes de Arte e a oficina do fado, a Trinar, é o que mantém viva a alma do NAR.
A relação com a comunidade sempre foi muito activa. Idas a escolas e a centros de dia para cantar ou ler poesia são ainda frequentes. E foram os pintores do NAR que fizeram a requalificação dos brasões nas rotundas da cidade de Torres Novas no ano passado.
“Perder as eleições foi o melhor que me aconteceu na vida”
António Júlio Pereira Jorge é irmão do ex-presidente de Junta de Freguesia de Riachos, António José Pereira Jorge (CDU). O próprio, em 2013, foi cabeça de lista à Junta de Riachos também pela CDU. “Fui pressionado pela máquina do partido e andei meses a negar até que aceitei. Mas ainda bem que perdi, foi o melhor que me aconteceu na vida”, recorda à nossa reportagem, entre risos.
Muito crítico sobre a classe política e sem papas na língua, Pereira Jorge, como é mais conhecido pela população, defende que a grande maioria dos políticos andam “numa vida de ofensas só porque sim, porque no fundo o que quase todos querem é trabalhar em proveito próprio, para se promoverem”. A grande maioria não trabalha em prol da população, como apregoam, diz ainda. “Acho a política uma coisa porca e alguém que se preocupa com as pessoas não pode ser político”, afirma num tom tão seguro como tranquilo. Na garagem da casa dos pais, o operador de manutenção de equipamento ferroviário do Entroncamento, agora reformado, via arte em tudo o que era ferro, pedra ou madeira. O desenho, mas principalmente a escultura, era algo inato em si. Mal dava conta e as mãos pegavam num pedaço de metal, que ia buscar às sucatas, e construíam qualquer coisa. A sua garagem estava repleta de obras feitas por si, mas era algo que partilhava apenas com familiares e amigos. Um dia decidiu abrir as portas da garagem ao mundo e espantou toda a gente.
Foi nessa altura que descobriu que a sua solidão era partilhada por dezenas de riachenses. E foi assim que nasceu a ideia de criar um núcleo para reunir os artistas da terra, nas mais diversas áreas, e dar a conhecer as suas obras. “Senti muita alegria quando expus as minhas peças e as pessoas gostaram de ver. E queria que os outros artistas de Riachos sentissem a mesma felicidade que eu senti”, recordou com um brilho nos olhos, sentado numa cadeira no Museu Agrícola de Riachos, onde decorreu a nossa conversa.