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“Senti racismo na escola e na campanha eleitoral”
Fábio Mousinho Pinto está a cumprir o seu primeiro mandato enquanto presidente da Assembleia de Freguesia de Vialonga

“Senti racismo na escola e na campanha eleitoral”

Filho de pais moçambicanos, Fábio Mousinho Pinto cresceu no bairro da Icesa, em Vialonga, onde ainda hoje vive. Está a cumprir o seu primeiro mandato enquanto presidente da Assembleia de Freguesia de Vialonga e é um exemplo de que ser originário de um bairro social não é sinónimo de inferioridade. Bateu-se de igual para igual pelo PSD nas eleições de 2017 por acreditar que Vialonga tem muito mais para dar a quem nela vive. Durante a campanha ouviu bocas racistas e insultos para voltar para a sua terra. Licenciado em psicologia e a tirar doutoramento em gestão, trabalha na Misericórdia de Lisboa na área dedicada às crianças e jovens em risco. Diz que Vialonga estagnou e que os executivos comunistas que a gerem há quatro décadas não têm sabido aproveitar as oportunidades.


Quando se candidatou à junta de freguesia esperava vir a ser presidente da assembleia?

Esperava ter um bom resultado mas não foi fácil. A campanha foi boa, teve muitos aspectos positivos mas também alguns negativos. Nas ruas muita gente teve boa receptividade. Mas houve gente a ver com estranheza o facto de ser jovem e do bairro da Icesa. Há a ideia que a política é só para velhos e isso é completamente errado. Temos muitos jovens a defender projectos de valor e que investem bastante na sua formação. Ainda há um estigma grande com aquele bairro e isso não faz sentido. Ter crescido na Icesa permitiu-me desfrutar de uma experiência verdadeiramente comunitária. Há uma grande partilha e solidariedade entre todos. Um forte espírito de grupo para suprimir as carências que se sentem.

Foi alvo de racismo?

Senti racismo na escola e na campanha eleitoral. É preciso não ter medo de dizer que há discriminação. Há discriminação e é de várias ordens, desde o género à étnico-racial. O local onde as pessoas nascem não deve ser uma marca que levamos para todo o sempre. Durante a campanha ouvi comentários menos próprios. Há uma diferenciação enorme e o tratamento não é igual. Esta questão do racismo não é uma discussão de esquerda ou direita. Crescer na Icesa obrigou-me a partir de trás e a ter de provar que não somos filhos de um Deus menor por sermos dali. O sítio onde nascemos não nos define enquanto pessoas.

Por que motivo ainda existem esses comportamentos?

É uma questão estrutural. A dificuldade é não termos ainda mecanismos que permitam a verdadeira mobilidade social, para que quem tem menos recursos possa ter uma real igualdade de oportunidades. Não acho que tenha de haver igualdade de oportunidades à partida e à chegada. Devemos é dar ferramentas a todos para que possam ter as mesmas oportunidades. Chama-se meritocracia.

O Fábio veio trazer uma lufada de ar fresco ao funcionamento da assembleia.

Concorri à junta com um projecto diferenciador e de futuro. Ser presidente da assembleia tem-me permitido fazer coisas novas e imprimir mudança numa freguesia que estava habituada a ter dois órgãos da mesma cor partidária desde o 25 de Abril. Tem sido exigente. Aprovámos um novo regimento, promovi a aproximação dos fregueses às sessões com a transmissão online das assembleias e criámos comissões especializadas permanentes num conjunto de temáticas. Os fregueses podem agora fazer chegar pedidos de esclarecimento sobre algumas matérias da vida da freguesia e isso permite aos eleitos perceberem que têm uma responsabilidade maior na vida de Vialonga.

Porque se alinhou ao PSD ao invés de um partido à esquerda?

Fazer política não tem de ser através dos partidos. Só há pouco tempo me liguei, antes já fazia voluntariado em associações e tinha estado na associação de estudantes. Cheguei a dar formações em bairros sociais da periferia de Lisboa. A ligação a um partido surgiu de forma natural, embora já tarde para o que é costume, aos 26 anos, através da Juventude Social-Democrata, da qual fui presidente em Vila Franca de Xira. Escolhi o PSD por causa dos meus valores. Priorizo o respeito pelo outro, igualdade de oportunidades, justiça social, acredito que quem tem mais deve contribuir para quem tem menos. Mas que também se deve valorizar a iniciativa privada e o trabalho e o mérito individual.

José António Gomes (CDU), líder carismático da junta de freguesia na última década, está de saída e não se recandidata em 2021. É a derradeira oportunidade de mudar?

Sem dúvida. O PS não tem feito grande coisa por Vialonga e a CDU também não. Somos a terceira maior freguesia do concelho mas isso não se sente no dia-a-dia. Não temos piscinas, uma escola secundária ou um centro cultural. Vialonga está ao abandono, estagnada e isso não nos permite sonhar com um futuro melhor. A gestão comunista da junta não tem salvaguardado os interesses da freguesia. Esta é a altura dos vialonguenses decidirem que projecto vai ao encontro das suas necessidades.

Vai recandidatar-se?

Para já ainda estamos no partido a preparar o projecto de 2021 e a ouvir os contributos da população. Será uma decisão do colectivo [a escolha do candidato] e independentemente do rosto escolhido o mais importante será o projecto para mudar o estado de coisas.

Muitas vezes é fácil falar quando não se tem orçamento na junta que dê para tudo...

A CDU tem falhado numa visão de futuro, sem saber o que quer para amanhã. Temos um parque urbano mas não temos mais nenhum local onde as pessoas possam caminhar e fazer exercício. A junta precisa de ter a consciência que Vialonga não é apenas uma ou duas ruas e a Egas Moniz. Crescemos de forma abrupta e está na hora de aumentarmos a nossa voz no poder camarário. Não se admite que ainda haja gente a caminhar e a fazer desporto no meio das estradas e na variante correndo perigo. Sente-se que a câmara faz uma diferenciação negativa a Vialonga por esta ser gerida por um executivo CDU. E a verdade é que a postura que a junta tem assumido com a câmara não salvaguarda os interesses dos vialonguenses, só os do Partido Comunista.

Foi, portanto, uma oportunidade perdida para José António Gomes.

O Partido Comunista tem sido diligente noutras matérias, a promover a Festa do Avante, por exemplo. Mas não tem tido a mesma diligência para pressionar a câmara a resolver os problemas da terra. Foi uma oportunidade perdida. Vialonga estagnou, deixou-se ultrapassar e agora não tem voz no contexto camarário. E não trata bem os seus fregueses. Temos de dar voz a Vialonga e colocá-la ao mesmo nível das freguesias vizinhas.

Paixão pelo futsal e aplicação nos estudos

Fábio Mousinho Pinto nasceu em Portugal e tem 32 anos. Filho de pais moçambicanos, desde cedo aprendeu a lutar pelo que queria ser. Estudou na secundária da vizinha vila do Forte da Casa, por falta desse grau de ensino em Vialonga, um problema que ainda subsiste. Durante esse período fez voluntariado em várias associações e licenciou-se e tirou mestrado em Psicologia. Tem pós-graduações na área de crianças e jovens em risco pela Faculdade de Direito de Coimbra. Actualmente está a concluir o doutoramento em Gestão.
Trabalha na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa na área dedicada às crianças e jovens em risco. O futsal é o seu desporto favorito. “Cheguei a jogar federado muitos anos”, conta. Ainda hoje reside no bairro da Icesa, local que elogia e diz que é um bom sítio para viver. afirma que foi o espírito do bairro que o ajudou a ser o homem que é hoje.
Benfiquista, gosta de viajar e sonha poder conhecer países da Ásia. “Gosto muito da cultura asiática e se pudesse escolher iria visitar Singapura”, conta. Tira-o do sério a injustiça. “Lido mal com isso, não apenas por já ter sido alvo de muitas”, confessa. A mentira também o deixa revoltado. Diz-se uma pessoa solidária e que gosta de ajudar o outro mas com limites. “Ajudar não é promover dependência, é dar a cana para ensinar a pessoa a pescar”, considera.
Em casa faz de tudo e não tem o sentimento de que algumas tarefas só cabem aos outros. Cozinhar não é o seu forte mas adora comida italiana e portuguesa, incluindo também pratos das suas raízes, como um caril à moda moçambicana.

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