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Pregões dos vendedores esmoreceram e clientes são às pinguinhas
No mercado de Abrantes os clientes vão aparecendo a medo. Feirantes de Samora Correia continuam descrentes no negócio. Afluência à feira quinzenal de Santarém é ainda tímida

Pregões dos vendedores esmoreceram e clientes são às pinguinhas

Feiras reabrem de forma tímida e incerta para os feirantes que estiveram meses com o negócio a zero.

As feiras de Abrantes, Alverca do Ribatejo, Santarém e Samora Correia estão de volta com muitas regras para todos, mas os clientes são poucos. Atrás das bancas tenta-se acender uma luz de esperança a cada pregão gritado pela voz de quem não esquece a aflição dos meses em que não houve negócio nenhum.

A reabertura das feiras tem acontecido de forma gradual na região ribatejana, depois de quase três meses de uma dura paragem para quem vive do negócio. No Mercado Mensal de Samora Correia, o último a reabrir no distrito de Santarém, devido ao aumento de casos de Covid-19 naquela cidade, as bancas estão carregadas de produtos para escoar, mas atrás delas é visível a angústia e descrença dos feirantes. A crise por que passaram atingiu contornos dramáticos que são contados a O MIRANTE, no primeiro sábado de Agosto.
Maria José Correia, do Porto Alto, nasceu no meio das feiras e foi entre roupas espalhadas pelas bancas que conheceu Luís Correia, com quem casou e teve quatro filhos. Dois seguiram-lhes as pisadas. “E se não fossem eles, tínhamos passado fome. Tiveram de nos ajudar, já que o nosso Estado nos deixou ao abandono”, lamenta a feirante mais antiga de Samora Correia. Além dos avios de mercearia pagos pelos filhos, o casal contou com a “ajuda da Câmara de Benavente que pagou contas de água e luz e entregou cabazes de alimentos”.
Com 40 anos de experiência na feira, Maria José sabe que o cliente gosta de chegar cedo. Talvez por isso, às 09h00 da manhã e sem clientes de volta da banca o desalento lhe tenha tomado conta do pregão que lhe sai sem o habitual fulgor. “Cuequinha a um euro, escolham, aproveitem”, atira, com as vendas por estrear.
Na banca ao lado ouvem-se os lamentos de Donzília Garcia que não diferem de todos aqueles que ouvimos ao longo da manhã. “Foi um período muito conturbado porque continuámos a ter contas para pagar e ficámos sem nada. Mais um mês parada e não aguentava”, diz, acrescentando que o tempo de paragem foi longo demais para as feiras que, sendo “espaços abertos têm menos riscos [de contágio] que um espaço fechado”. Na feira do recomeço, não esconde que já esperava que fosse tímida. “Não é, nem vai ser como antes do vírus, as pessoas estão com medo”, sublinha.
José Silva e Maria Albertina sabem que ocupam um lugar privilegiado numa das entradas da feira, mas nem por isso as vendas vão de vento em popa. “Está mau, mas a abertura do mercado já foi boa, sempre vem alguém e compra”, diz.
Quanto às medidas para fazer face à crise que foram anunciadas, o vendedor de roupa interior diz que se apressou a tratar da “papelada”, mas que, afinal “os apoios foram nenhuns. Zero! Se não tivéssemos algum dinheiro de parte morríamos de fome”, afirma.

Fecho repentino gerou desperdício
As máscaras ao mesmo tempo que protegem do contágio, mascaram a tristeza espelhada nos rostos dos feirantes. “Tínhamos os produtos para escoar e nenhum sítio para os vender”, lamenta Maria do Carmo feirante e produtora de frutas e legumes, queixando-se que nem houve tempo para pensar em alternativas. Na feira de Alverca, Paula Almeida, vendedora de padaria e pastelaria queixa-se do mesmo: “Deitámos muita mercadoria fora, porque as feiras fecharam de um dia para o outro. E agora o recomeço está lento, talvez as pessoas tenham medo”.
Um receio que na opinião do presidente da junta de freguesia de Samora Correia, Augusto Marques não deve cair em exageros, já que as feiras são eventos ao ar livre. Antes da reabertura, que teve de ser adiada um mês, a autarquia que é responsável pelo mercado mensal escreveu aos cerca de 70 feirantes a pedir que usem máscara e que tenham distanciamento físico e desinfectem as mãos frequentemente. “Não implementámos mais medidas porque é um evento ao ar livre que tem toda a segurança”, vinca.
Venda porta a porta e pela internet foram as alternativas
Na feira quinzenal de Santarém a afluência é ainda muito tímida e as vendas ressentem-se. São as bancas de fruta e legumes que mais gente acumulam. Nas de vestuário é raro ver-se um cliente. Os vendedores estão mais distanciados, ainda assim é inevitável um ou outro encontrão entre clientes.
Quem vive do negócio não poupa nas críticas à reorganização das bancas: “Sempre tive um espaço no meio da feira, agora atribuíram-me um lugar mesmo à entrada, de costas para o recinto. As pessoas mal me vêem”, critica Carlos Silva. Natural de Fátima e feirante há 36 anos, conta que ultrapassou os meses de interrupção a vender porta a porta aos clientes habituais. Ainda assim ficou com muito stock de Primavera por escoar e um prejuízo de 15 mil euros.
Para João da Cruz, vendedor de roupa interior e atoalhados “a crise financeira provocada pelo lay-off e se calhar até despedimentos” despiram as carteiras dos clientes da feira. “Sei de alguns que ficaram sem trabalho e não vejo o futuro muito melhor”, avança o vendedor de Vale de Cavalos. Mais optimista Joaquim Piedade, natural de Coruche, acredita que aos poucos “ tudo se há-de compor”.
No caso de Bruno Estilus as vendas online foram a escapatória nos meses de confinamento. “Foi um período muito difícil, angustiante, e o que me salvou foram as vendas na Internet”, refere o vendedor nascido no Entroncamento.
Recomeço optimista no mercado de Abrantes
Na primeira banca à entrada do mercado de Abrantes, também Alice Sampaio conta que vendia alguns artigos pela Internet, mas o prejuízo ainda se ressente na carteira. “Tivemos que apertar muito o cinto e utilizar as poupanças que fomos fazendo ao longo da vida. Nunca pensei passar por uma situação destas”, afirma a vendedora de vestuário infantil que deu continuidade ao negócio dos pais.
Os clientes vão aparecendo a medo, mas Alice tenta manter-se optimista com a chegada dos emigrantes em Agosto. Também Sandra Alves tenta esquecer os meses de paragem que a obrigaram a “apertar o cinto”. Natural do Pego, a feirante que dá continuidade ao negócio dos pais, juntamente com o marido Francisco Alves diz que todas as semanas têm aparecido mais clientes.
Além das mudanças na organização das bancas para travar o contágio, há outra que é notória nesta feira. A arte de regatear deu lugar a descontos que não podem descer mais. “Quanto mais pares levar mais barato fica”, apregoa Francisco Alves. Mais à frente, Carlos Sampaio avisa que os preços estão mais acessíveis, tal é a pressa em escoar os artigos que estiveram fechados em caixas durante três meses. “Estive parado tanto tempo que tive que arranjar uma horta para me entreter porque já estava farto de não poder trabalhar. Isto quase nos matou o negócio de uma vida”, diz o feirante de 68 anos.

Clientes não podem apalpar a fruta

A Direcção-Geral de Saúde (DGS) é clara quanto às regras a respeitar nas feiras e mercados. Além do uso de máscara e do respeito pela distância de segurança de dois metros entre clientes, também não podem estar mais de duas pessoas a fazer compras em simultâneo na mesma banca.
Por outro lado, os vendedores devem disponibilizar gel desinfectante aos clientes e proibi-los de apalpar frutas e produtos hortícolas. Para contornar as regras, sem as quebrar, há feirantes a adoptar medidas extra, como a distribuição de luvas para que se possam manusear os produtos e a utilização de bancas mais curtas e protegidas com acrílico.

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