Sociedade | 08-04-2023 12:00

“Ribatejo precisa de homens com visão, determinação e estratégia”

“Ribatejo precisa de homens com visão, determinação e estratégia”
João Carvalho, delegado de Santarém da Ordem dos Engenheiros diz que as soluções mais fáceis para minimizar problemas na Ponte da Chamusca estão a ser esquecidas

O MIRANTE procurou ouvir a voz de um interlocutor com opinião sobre os assuntos que fazem do Ribatejo uma região do interior devido à falta de acessibilidades e de investimento. Falámos com João Carvalho, delegado de Santarém da Ordem dos Engenheiros. Uma conversa resumida que diz quase tudo sobre o estado da região.

Não fica chateado por viver numa região onde há uma ponte sobre o Tejo onde não se podem cruzar dois veículos pesados?
Nas picarias sempre que um indivíduo mais corajoso entrava nos terrenos do toiro, e tinha direito à tradicional sopa de corno, alguém gritava “ajudem o homem”. Como é evidente, o contexto da pergunta e do assunto é diferente, mas o que me ocorre dizer em jeito de desabafo é “ajudem o homem”. Claro que falo no sentido figurado. É preciso contabilizar a relação custo/benefício mais o bom senso das pessoas.
A ponte da Chamusca é dos cidadãos, das autarquias ou do Estado? Quem é que tem obrigação de se revoltar em primeiro lugar?
Aqui começa a formulação errada do problema. Na minha opinião a ponte é de todos os que passam por ela, que pagam por ela (por via dos seus impostos), e daqueles que nos seus acessos desesperam por a utilizar no seu quotidiano. Uma minoria não pode impedir que centenas de pessoas percam horas de trabalho. Sendo Abril o mês da liberdade nunca é demais relembrar que a nossa liberdade começa onde termina a dos outros.
O Eco Parque do Relvão está na base de excesso de tráfego pesado que gera estes condicionamentos. Foi construído com a garantia da conclusão do IC3 e da construção de uma nova travessia sobre o Tejo. Mais uma vez gozaram com o pessoal do interior. Não acha que as pessoas deviam revoltar-se?
Faz tempo foi notícia na televisão que um camião de matrícula espanhola tinha passado por Vaqueiros em direcção às instalações da Moagem do Pitorro. Como nem a estrada nem o pontão estavam dimensionados para esse tipo de cargas, a solução foi fazer todo o percurso de marcha atrás e percorrer o caminho mais longo. Como o custo era elevado e o benefício era diminuto a obra nunca aconteceu. Resumidamente, não é com este tipo de pressão que chegamos ao desejo do novo acesso (conclusão do IC3) e da nova travessia. Sendo certo que a promessa pode e deve ser materializada. Como engenheiro não tenho soluções milagrosas para a ponte da Chamusca. O que sei quase todas as pessoas sabem e era fastidioso estar aqui a recordar. Mas não podemos esquecer que as soluções mais fáceis estão a ser esquecidas como por exemplo a GNR nos períodos mais críticos estar no local, enquanto o Governo e as autarquias não se entendem.
A eventual vinda do aeroporto para a região de Santarém seria o novo milagre de Fátima do século XXI?
Uma infraestrutura como um aeroporto garantidamente que tem associado pela positiva o investimento e o progresso, e, pela negativa, a perda desta nossa ruralidade. A acontecer no nosso território poderemos assistir a uma fácil duplicação da população de alguns concelhos. A questão fundamental, o eterno interior, pode ter outra leitura. Dou um exemplo: invoco o Sr. Rui Nabeiro, um auto-didacta, que fez de Campo Maior a Capital do Café e do seu império. Então e nós, com tantos anos de estudo, com tantos cargos importantes, ainda não conseguimos minimizar o impacto negativo nos utentes da ponte da Chamusca? Este nosso tempo não se coaduna com a culpabilização dos outros. Portugal em geral, e o Ribatejo em particular, precisa de homens com visão, determinação, estratégia e acima de tudo entrega aos outros.
Enquanto engenheiro, como olha para a desertificação do país e para a falta de mão-de-obra qualificada e de cidadania activa?
A falta de mão-de-obra qualificada surge por via da globalização, da abertura de fronteiras e, indiscutivelmente das sucessivas crises, com ciclos cada vez mais curtos. Mas estes factores também estão a contribuir para uma normalização e industrialização de soluções visando menos erros, menos desperdícios, maior rapidez e menos recursos humanos. Pessoalmente fico incomodado que Portugal invista tanto na educação dos jovens, que depois vão para outros países continuar a estudar ou trabalhar.
Como é que se resolve o problema de Portugal estar ainda na cauda da Europa?
Portugal não tem dimensão suficiente para tanto caso e casinho. Estamos na sociedade do indivíduo, há muito que abandonamos o modelo do indivíduo na sociedade. Neste contexto, grande parte dos indivíduos movem-se em função dos seus próprios interesses. Como o problema também é educacional, a solução será um melhor mundo para os nossos filhos, ou melhores filhos para o nosso mundo. Estes são os motivos que afastam as pessoas da cidadania participativa. Quem quer ir depressa vai sozinho e quem quer ir longe vai acompanhado.
Mesmo assim tem esperança que a região do Ribatejo se fortaleça?
Dou um exemplo: entre 2012 e 2021, o município de Almeirim atingiu um aumento de 1969 % no IMT, quando a média nacional é 197 % para os municípios de média dimensão. Campo Maior e Almeirim com fórmulas diferentes conseguiram o mesmo resultado e nenhum está no litoral. Sines vai ter um desenvolvimento muito acima do esperado, com base no porto de águas profundas e da capacidade do terminal de contentores. Por acréscimo teremos a ferrovia e possivelmente a conclusão de uma vergonha nacional (IP8/A26). Santarém se conseguir ter o aeroporto tem muito a ganhar em conjunto com Leiria, nas acessibilidades viárias e na ferrovia. A concretizar-se uma obra destas, Portugal deixava de ter interior nesta zona. Mas temos de ter consciência da transformação e da pressão do território, dos custos em infraestruturas, como é obvio existe sempre a necessidade de investimento público.

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