Três Dimensões | 21-01-2025 07:00

Escola está politizada e o sistema de ensino está estragado

Escola está politizada e o sistema de ensino está estragado
TRÊS DIMENSÕES
Daniel Teixeira dá aulas há 18 anos na Escola Básica 2,3 Duarte Lopes, em Benavente

Daniel Teixeira, 56 anos, é natural de Santarém e dá aulas de Educação Visual na Escola Básica 2,3 Duarte Lopes, em Benavente, e na escola de Novas Oportunidades, em Samora Correia. Os alunos tratam-no por tu e não se considera um professor clássico. Casado e com dois filhos, criou o projecto escolar “DoTamanhodoMundo” onde trabalha a criatividade dos alunos. Para o docente, ser professor é uma honra.

Passei a infância em Santarém. Lembro-me de jogar à carica nos lancis da praceta onde vivia. Brincava na zona dos Leões e aprendi a andar de bicicleta. Sou o mais velho de três irmãos, tenho três anos de diferença de um e nove de outro. O mais novo já não conseguiu brincar na rua. Tive uma infância feliz.
Em criança não me preocupava com o que ia ser quando crescesse. Sempre tive apetência para a criatividade, era caricaturista e brincava com as caras, os cartoons, a sátira, os meus colegas achavam graça e davam-me ideias. Mas já tinha a ideia que a arte é dinâmica e não estática e por isso as galerias não me fascinam. As coisas permanentes cansam e não cativam.
Quando acabei o 12º ano surgiu o convite para dar aulas de trabalhos manuais na Escola Básica de Marinhais. Tinha 16 horas, era um maçarico. Sentia que os alunos eram irrequietos e a minha visão periférica de uma aula era o caos. Pensei que já não regressava à escola depois da interrupção de Natal, no final do 1º período. Mas quando em Janeiro voltei à escola os alunos receberam-me com uma festa e rodearam-me. Não os podia desiludir e fiquei a pensar o que podia fazer por eles.
Nunca mais tive dúvidas que queria ser professor. Fui tirar o curso superior na Escola Superior de Educação de Santarém e depois o mestrado em Inovação Pedagógica. Enquanto estudava dei aulas de Educação Visual (mais tarde passou a ser Educação Visual e Tecnológica) na Escola Básica 2,3 Mem Ramires (Santarém), Escola Básica de Febo Moniz (Almeirim) e dois anos em Manique do Intendente (Azambuja). Nessa altura ainda vivia em Santarém com os meus pais, mas depois do curso casei e fui viver para Porto Salvo. Dei aulas no Cacém, Queijas e noutras escolas da zona.
Acabei por ficar efectivo em Benavente, na Escola Básica 2,3 Duarte Lopes, apesar de ainda viver em Porto Salvo. Depois fui morar para São João do Estoril, onde a minha mulher dava aulas, e quando a minha filha fez três anos viemos morar para Santo Estêvão (Benavente), para ter melhor qualidade de vida. Estou na Duarte Lopes há perto de 18 anos. Hoje os alunos brincam menos e estão muito agarrados aos telemóveis. Faltam-lhes outros estímulos que a escola devia dar.
Existe falta de visão ou espírito de missão para os conteúdos programáticos não serem alterados. A escola não é isto. Eu admiro vários professores aqui nesta escola mas nunca era capaz de ser como eles, professores clássicos. Para mim ser professor hoje em dia é criar curiosidade nas crianças, levá-las a aprender. Não é pô-las a fazer os testes todos iguais, em frente a um computador, porque qualquer dia não sabem escrever. Dá-me vontade de chorar o mal que estamos a fazer às crianças, não as deixamos brincar, os pais não tiram partido dos filhos, os alunos não vivem.
Fala-se muito das greves, da carreira, da falta de professores. Não falam do cerne da questão: o aluno, o ser humano que precisa de mais, que precisa de ter boas relações humanas mais do que saber mexer na inteligência artificial. Mas ainda assim não concordo com a proibição dos telemóveis nas escolas, porque são uma ferramenta de trabalho. Devia era haver forma de moderar o seu uso e bloquear os jogos.
Entristece-me morrer ou reformar-me sem as crianças terem aquilo que realmente interessa. Eles riem-se quando eu digo que não lhes dou aulas. Dou-lhes orientação e eles chegam lá. Um professor para mim é um guia e os alunos devem fazer as coisas autonomamente. Muitos professores sentem-se constrangidos por os alunos os tratarem por tu. Muitos tratam-me por tu e nunca me faltaram ao respeito. Eu coloco-me ao nível deles e quero que eles sintam que são capazes de fazer a diferença. Quando os alunos estão no recreio a jogar com as caricas ou no minigolfe não estão ao telemóvel. Queria fazer uma brincadeira para eles competirem entre si mas fui travado.
Sou genuíno, natural, mas não sou capaz de pedir, o que é um defeito. Se calhar, se pedisse tinha mais coisas feitas. Tenho a responsabilidade dos alunos virem ter comigo e dizerem “eu conheço-o”; alguns nem sequer foram meus alunos. Estou sempre ao lado dos professores mas principalmente dos alunos, mas não assumo um papel reivindicativo. Não vou estar ao lado dos sindicalistas, porque o que se reivindica não é o que deve ser. Temos é que ter os alunos a pensar por si e o novo sistema de ensino tem de ser construído com as ideias deles e não projectos formais e segmentados, feitos em gabinetes.
A escola está muito politizada e isso tem estragado muito o sistema de ensino. Não tenho opinião em relação à candidatura a Presidente da República do coordenador nacional do Sindicato para Todos os Profissionais da Educação (Stop), André Pestana. Mas quando se entra na política e se começa a ganhar notoriedade dá nisto.
É uma honra ser professor. Quero muito continuar a desenvolver o projecto “DotamanhodoMundo”. Uma pessoa num escritório consegue estar concentrada a sério três minutos e um adolescente 65 segundos e queremos que eles estejam contra natura sentados quietinhos numa sala. Isso era no tempo em que levavam bordoadas.

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