“Quando disse que ia abrir um restaurante no centro histórico de Santarém chamaram-me maluco”
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Francisco Calheiros é proprietário do restaurante Amassa, situado no centro histórico de Santarém, cidade onde nasceu e à qual regressou para investir. Diz que um empresário não pode ter medo de arriscar nem o pode fazer à espera de retorno imediato. Pai de dois filhos, confessa que nem sempre é fácil balancear a vida familiar e profissional mas garante que não vai ser daqueles que vai passar a vida toda a trabalhar.
Nasci e cresci em Santarém, uma cidade peculiar que ou se ama ou odeia. Sou a favor de Santarém, gosto e tenho muito orgulho da nossa cidade que, como qualquer outra, tem os seus pontos fortes e fracos. Mas o potencial está cá todo, portanto, não é difícil vir a ter mais orgulho. A melhor memória que guardo da infância é o brincar na rua. Saía de casa de manhã e estava o dia inteiro a brincar, só parava para almoçar. Andávamos de bicicleta, jogávamos à bola, fazíamos tudo o que nos apetecia... Hoje os pais vivem atormentados. Como é que organizam a vida com os filhos, onde é que eles estão, se estão seguros... Agora é mais difícil ser-se filho e ser-se pai. Este mundo está a preparar-nos mais à defensiva, numa lógica de protecção. Estamos sempre a pensar que pode haver um azar.
É difícil ser-se pai e empresário em alguns momentos. Sou pai de uma menina com três anos e de um menino de quatro meses. Foi difícil quando nasceu o Zé Maria. Deu-nos momentos de intranquilidade pela falta de organização, mas rapidamente conseguimos adaptar-nos. Nunca senti que falhei enquanto pai, porque tenho uma super-mãe em casa. Perceber o que cada um precisa de fazer, dividir tarefas, protegermo-nos e respeitarmo-nos. Só assim pode funcionar, com todas as horas que os negócios consomem.
Fiz o meu percurso académico em Lisboa e depois de terminar o curso, a minha mãe faleceu. Foi o que me fez voltar a Santarém e repensar o que queria fazer. Em 2019, deixei a gestão do Mercado de Algés, e fiz obras na casa que era dos meus bisavós, em Santarém, onde funciona A Casa Brava, alojamento local gerido pela minha mulher Rute Rocha. Trabalhar em Angola foi a minha maior aprendizagem, pela dificuldade de gerir os recursos humanos. Tinha 120 pessoas a meu cargo. Essa dificuldade deu-me força para depois ter feito outros projectos como Amassa, um restaurante de base italiana que fazia falta em Santarém. Tudo, desde o pão, pastas, sobremesas, é feito por nós e, além de termos como base a cozinha italiana, temos uma fusão com outras cozinhas, desde a portuguesa à asiática.
Quando disse que ia abrir um restaurante no centro histórico de Santarém chamaram-me maluco. Achavam que um restaurante não podia funcionar dentro do centro histórico, onde vários outros tinham fechado, onde não há estacionamento à porta, mas não me arrependo de o ter feito. O centro histórico é o pulmão da cidade e o que nos faz ter confiança para mostrar Santarém a quem vem de fora. Obviamente, pode melhorar muito. Um trabalho a ser feito pela autarquia mas que também depende dos proprietários de alguns edifícios. Continuo a imaginar o centro histórico repleto de esplanadas e espaços sociais, a cidade merecia...
Um empresário não pode ter medo de arriscar. Eu não tenho, não sei o que é isso. E não, nem tudo me correu bem. Mas sempre acreditei no que fiz e que mais cedo ou mais tarde ia dar frutos. Nos negócios nunca se pode querer nada no imediato. Nunca fiz nada a pensar no retorno imediato, faço com plena consciência de ir evoluindo passo a passo. Este país não está para os empresários, há muito a fazer. Devia haver medidas, a começar por baixar a carga fiscal. Já era meio caminho porque precisam de ser criadas melhores condições para que as pessoas tenham vontade de estar nesta área, que é muito difícil, porque trabalhamos na hora de lazer dos outros.
Acho que sou calmo, mas ao mesmo tempo cheio de força e energia para enfrentar novos desafios. Gosto de me desafiar e que me desafiem para novos negócios. Portanto, acho que me posso definir também como alguém de coragem. Ser empresário é passar por bons e maus momentos mas preferir agarrar os bons, porque são esses que nos dão motivação. Estou, com um conjunto de sócios, a finalizar um clube de padel onde vamos criar condições para que Santarém possa ter um espaço com dimensão para receber grandes eventos. Vai ter aulas de padel, um ginásio vocacionado para o alto rendimento, um espaço de nutrição, fisioterapia, um restaurante... A abertura será este ano, para breve.
Acima de tudo procuro ser feliz com a minha família. Houve uma geração que vivia habituada a trabalhar quase desde que nascia até que morria, alguns até morriam a trabalhar. Não quero ser essa pessoa, quero ainda ter tempo para ter mais momentos de qualidade com a minha família e fazermos aquilo que nos der vontade de fazer. Quero conhecer mais do mundo.