Cultura | 19-04-2024 12:00

Flávio Murilo Gouvêa: “mais importante que o acordo ortográfico é o que a gente fala”

Flávio Murilo Gouvêa: “mais importante que o acordo ortográfico é o que a gente fala”
Flávio Murilo fotografado junto à sepultura de Pedro Álvares Cabral na Igreja da Graça, em Santarém

O reitor da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, e director de um grupo de ensino com um milhão de alunos esteve durante alguns dias em Santarém e confessou a sua emoção por estar na cidade de onde era natural o patrono da sua universidade e onde está sepultado Pedro Álvares Cabral.

Flávio Murilo diz que o ensino à distância é o futuro e o garante de acesso ao conhecimento para muita gente e refere que Portugal é uma potência intelectual e emocional para os brasileiros.

Flávio Murilo é reitor da Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro e esteve em Santarém durante alguns dias no âmbito do lançamento do livro “Estácio de Sá – O Herói Desconhecido”, sobre a vida do fundador da cidade do Rio de Janeiro, nascido em Santarém no século XVI. Lidera uma universidade e um grupo de ensino que é um colosso com um milhão de alunos e presença em todos os estados brasileiros, sempre sob a chancela Estácio. Tem mais de meio milhão de alunos em cursos de ensino à distância, garantidos por 2.500 pólos em 1.500 cidades. No final de uma recepção no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Santarém, houve tempo para uma breve conversa com o reitor, pessoa simpática e disponível que tem em Pedro Álvares Cabral um parente distante.

Está satisfeito por ter conhecido a terra natal de Estácio de Sá, o patrono da universidade da qual é reitor?
É uma emoção muito forte. O Estácio é uma referência muito forte no Rio de Janeiro. Não é apenas uma estátua, não é apenas um evento histórico. Ele crisma vários sectores da nossa sociedade. Estar aqui é estar na terra de Estácio, é estar onde está enterrado Cabral. Isso é de um grande simbolismo para a nossa vida; é como se nós quiséssemos saber onde estão os nossos avós. É esse o sentimento que temos.
Curiosamente, a cidade de Santarém parece que vai agora descobrir quem foi essa figura história chamada Estácio de Sá.
E é muito importante. É um filho ilustre de vários que vocês devem ter, mas é um dos mais ilustres, pelo menos no Brasil.
Os escritores portugueses têm alguma expressão no Brasil ou só são conhecidos do meio mais intelectualizado?
Já têm. Por exemplo, eu queria levar um presente para um colega de trabalho e ele tinha comentado que nunca lera um livro em português de Portugal. Aí eu me lembrei de um fenómeno editorial, que tem um quê de comercial mas que é uma pessoa de muito talento, filha de uma pessoa de muito talento, que é o Miguel de Sousa Tavares. E então fui à Livraria Lello, exactamente para ter um simbolismo, e comprei o Equador. Há muito que ouvir de Portugal e é muito comum termos livros portugueses nas escolas.
Gosta mais do português do Brasil ou do português que se fala em Portugal?
Alguém já me falou que o português que falamos no Brasil é um português que vocês falavam no século XVIII e que ficou meio congelado no tempo. Vocês evoluíram com a língua e nós ficámos usando palavras que vocês usavam no século XVIII. A gente acha um pouco difícil entender vocês, mas a gente entende melhor vocês do que vocês nos entendem. Frequentemente, em Portugal, estou num restaurante, faço o pedido em português e por vezes respondem-me em inglês.
Há uns anos humoristas portugueses chamaram ao acordo ortográfico acordo ortopédico, por acharem que tinha sido feito com os pés. Revê-se nessa sátira?
Acho que foi um acordo que está por acontecer ainda. Acho que não pegou.
Não o leva muito a sério?
Não, não levo. Acho que é uma filigrana, o importante é o que a gente fala, o que a gente se entende. E as grafias sempre vão mudar. Até mesmo no Brasil o falar do Maranhão é diferente do interior de São Paulo, do Rio Grande do Sul ou dos cariocas.

Ensino à distância é o futuro

Existe uma democratização do ensino no Brasil? Há garantia de que os jovens dos estratos mais desfavorecidos têm acesso à universidade?
Acreditamos que transformamos vidas e por isso o nosso pensamento é educado para transformar. 76% dos nossos alunos pertencem à primeira geração de suas famílias a aceder ao ensino superior. E a gente acredita que isso muda a vida das pessoas e das famílias.
O ensino à distância pode ser uma boa ferramenta para abrir as portas do ensino superior a mais gente?
É excepcionalmente verdadeiro. Imagine uma pequena vila de Portugal: às vezes estão distantes de alguma faculdade e esses meninos não têm futuro na universidade. Nós chegamos a 2.500 pólos de educação à distância em 1.500 cidades. Temos 550 mil alunos em ensino à distância.
O ensino presencial tem mais-valias difíceis de contornar?
O ensino presencial tem a característica muito importante que é o convívio universitário. Na universidade nós conhecemos os nossos melhores amigos, por vezes o amor de uma vida inteira. É tão importante no ensino presencial a sala de aula como a não sala de aula, o convívio, a camaradagem. Mas o ensino à distância, primeiro, é um ensino inclusivo para quem está distante das nossas instituições; inclusivo porque às vezes quem nos procura tem mais idade que os alunos que chegam no presencial, pessoas que trabalham, que se consolidaram financeiramente e vão em busca dos seus sonhos. É também inclusivo porque damos ao aluno uma capacidade, no nosso modelo, de adquirir fluência digital, que é fundamental hoje em dia. O aluno aprende a aprender, aprende a se conhecer e desenvolve sua disciplina. Não há como negar, o tempo não volta e nós caminhamos para isso.

“Portugal é uma potência emocional para todos nós”

Há uma grande vaga de imigração brasileira para Portugal. Esse é um fenómeno a que a sua universidade está atenta, até para eventuais parcerias com instituições de ensino portuguesas?
Com certeza. Nós temos uma agenda de responsabilidade social, governamental e de meio ambiente. Hoje queremos ir a África. E a Cabo Verde iremos já daqui a 20 dias, com dois grandes parceiros, um deles de Portugal, o Piaget. Não queremos fazer negócio, queremos sim levar a nossa experiência, ter capacidade de ensinar a muitos em locais que não têm acesso hoje, como é o caso de África.
Em relação a Portugal, há alguma parceria prevista?
Por enquanto não, ainda que eu esteja em contacto com o presidente da associação portuguesa de escolas privadas. Estive recentemente com ele em Lisboa, mas ainda só estamos fazendo processos de cooperação técnica.
Por que está tanta gente a deixar o Brasil para viver num país como Portugal, que não é propriamente uma potência económica?
Mas é uma potência intelectual, é uma potência de segurança, é uma potência emocional para todos nós. Nós naturalizamos. Se eu encontrar você no Rio de Janeiro, para mim é absolutamente natural o seu sotaque. Nós não temos nenhum tipo de reparo. Acredito sim que nasci ouvindo o tempo todo que o Brasil é o país do futuro...
E é?
Eu cheguei no meu futuro e, tal qual o horizonte, ele foi para a frente. Certamente temos muitos desafios, mas talvez seja esse o grande chamariz de Portugal para esses imigrantes que aqui chegam.

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