Opinião | 09-06-2023 07:00

O Estádio Nacional-Socialista

A submissão e subserviência das populações do Alentejo, das Beiras e de Trás-os-Montes a Lisboa, populações que têm sido tratadas pelo Terreiro do Paço com a mesma consideração que o Estado Novo tratava as populações indígenas das ex-Colónias, só me traz à memória a frase de Jean-Paul Sartre: “Detesto as vítimas quando elas respeitam os seus carrascos.”

O denominado Estádio Nacional é uma obra-prima da arquitectura fascista, mandado construir por Salazar para reforçar o culto da Nação ao centralismo preconizado pelo Estado Novo. E não deixa de ser revelador da reconhecida hipocrisia portuguesa colocá-lo no mesmo patamar do Estádio do Wembley, um estádio emblemático da democracia mais antiga do mundo.

O que distingue os dois estádios é precisamente o que distingue os dois regimes. Os dois maiores clubes ingleses eram o Manchester United e o Liverpool, ou seja, dois clubes que não são de Londres, ao contrário, do que acontecia em Portugal, onde os dois maiores clubes não só eram de Lisboa, como o presidente da Federação tinha de ser obrigatoriamente de um dos grandes clubes de Lisboa, por imposição do centralismo fascista.

Por outro lado, enquanto, no Estádio do Wembley, se disputam todos os jogos da selecção inglesa e todas as finais das competições internas (meias-finais e final da Taça de Inglaterra, meias-finais e final da Taça da Liga e Supertaça), em Portugal só se disputa, no Estádio do Jamor, a final da Taça de Portugal. O Estádio do Jamor foi, inclusive, deixado de fora dos estádios do Euro 2004, sem que ninguém estranhasse ou se opusesse. Sendo certo que este estádio já não tem sequer as mínimas condições, quer de segurança, quer de comodidade, quer de dignidade, para receber um jogo de futebol profissional, quanto mais a final da Taça de Portugal.

E obrigar dois clubes do norte do país a vir disputar a final da Taça de Portugal ao Estádio Nacional só faz lembrar as praxes académicas em que os caloiros são obrigados a humilharem-se para demonstrarem a sua submissão ao Duce, ou seja, a Lisboa. E não é por acaso que o termo Duce está associado a Mussolini e ao Fascismo.

Com efeito, Mussolini foi o primeiro político a perceber a importância do futebol na manipulação das massas. Por essa razão, fundou a Roma, apesar de ser sócio e adepto da Lázio. E fê-lo com um único objectivo: criar uma rivalidade romana que se transformasse numa rivalidade nacional, com vista a reforçar o centralismo fascista sobre todo o território italiano.

Salazar nunca foi tão visionário como Mussolini. Daí que tenha precisado de esperar 20 anos para perceber a importância da rivalidade Benfica – Sporting para a unidade nacional e a afirmação de Lisboa sobre todo o território nacional (ainda hoje os portugueses continuam a repetir a ladainha fascista dos clubes nacionais, por oposição aos clubes regionais), assim como a construção do imponente Estádio Nacional, onde o povo e os clubes prestavam vassalagem ao Duce.

A submissão e subserviência das populações do Alentejo, das Beiras e de Trás-os-Montes a Lisboa, populações que têm sido tratadas pelo Terreiro do Paço com a mesma consideração que o Estado Novo tratava as populações indígenas das ex-Colónias, só me traz à memória a frase de Jean-Paul Sartre: “Detesto as vítimas quando elas respeitam os seus carrascos.”

Santana-Maia Leonardo

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