Acções de contestação ao nuclear civil em Espanha*
Em 1970, verificou-se um acidente perto de Madrid, num reactor de investigação da JEN, do qual resultou o derrame de produtos radioactivos no Rio Manzanares e, depois, no Rio Tejo, que foram detectados pelas autoridades nucleares portuguesas ao longo do rio, mesmo na região de Lisboa, mas que a comunicação social em Espanha e Portugal não noticiaram, devido à Censura.
Em 1946, constituiu-se em Espanha o Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, no qual foram implementadas comissões especializadas em tecnologias militares.
Em 1955, realizou-se um acordo nuclear entre Espanha e EUA, apesar de o primeiro país ter visto ser votada na Assembleia Geral da ONU, em 1946, a sua exclusão de organismos internacionais e de não pertencer à NATO. Também já houvera participação de técnicos espanhóis em missões a vários países europeus, de que resultou, entre outras questões, a prospecção de urânio em solo espanhol, minério muito raro na Europa Ocidental, a não ser Portugal.
Em 1958, foi fundada a Junta de Energia Nuclear (JEN), dirigida por um general. No mesmo ano, entrou em serviço o primeiro reactor nuclear espanhol de investigação, o JEN-1 de 3 MW, fornecido pela General Electric; em 1961, o reactor Argos de 1 kW, em Barcelona e, em 1962, o Arbi de 10 kW, em Bilbau. Depois, em 1968, o reactor a neutrões rápidos Coral I[1].
Em 1959, a Espanha entrou como membro na Agência Internacional de Energia Atómica, entidade da ONU fiscalizadora da utilização da energia nuclear, mas também de implementação da energia nuclear civil.
Em 1963, foi lançado o Projecto Islero com o objectivo de fabricar bombas atómicas.
Em 1968, arrancava a primeira central nuclear para produzir energia eléctrica, José Cabrera, ou Zorita, com um grupo de 150 MW, instalada junto ao Rio Tejo perto de Madrid; em 1971, Santa Maria de Garoña, com um grupo de 466 MW na região de Burgos e, em 1972, Vandellós I com 508 MW na região de Tarragona, junto ao Mediterrâneo. Este reactor tinha como objectivo, também, produzir plutónio para a bomba atómica. Mais uma vez a estreita relação entre o nuclear militar e o nuclear civil. A Espanha apostava, então, em possuir a bomba atómica. Em 1981, os EUA pressionaram o Governo a desistir de produzir a bomba, mas o país só assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear em 1987.
Entretanto, foram instaladas várias empresas no domínio nuclear em diferentes fases do ciclo nuclear, desde a exploração de urânio às diferentes fases do chamado ciclo do combustível, incluindo o sofisticado e perigoso reprocessamento do combustível irradiado. Também as empresas dos EUA, com relevo para a Westinghouse, instalaram unidades de fabrico de reactores, um sector que recorre a tecnologias altamente evoluídas e ainda hoje sujeitas a licenças. A General Electric também se candidatou.
Em 1970, verificou-se um acidente perto de Madrid, num reactor de investigação da JEN, do qual resultou o derrame de produtos radioactivos no Rio Manzanares e, depois, no Rio Tejo, que foram detectados pelas autoridades nucleares portuguesas ao longo do rio, mesmo na região de Lisboa, mas que a comunicação social em Espanha e Portugal não noticiaram, devido à Censura.
Até à morte do General Franco em Novembro de 1975, não foram visíveis em Espanha oposições à energia nuclear. A repressão e a ausência de liberdade de imprensa impediam-no. Logo em 1977, numa reunião em Soria, constituiu-se a Coordinadora Estatal Antinuclear (CEAN), que deu lugar à Coordinadora Estatal de Defensa del Medio Ambiente, que em 1990 conseguiu recolher 460.000 assinaturas visando o encerramento das centrais nucleares[2].
Em Junho de 1979, foi organizada uma Jornada Internacional Contra la Energia Nuclear, em Tudela, Navarra.
Ainda em 1979, cerca de uma centena de presidentes de Câmara e conselheiros municipais ocuparam Villanueva de la Serena, na região de Badajoz, contra a instalação da central nuclear de Valdecaballeros , apoiados por manifestações das populações, uma das quais atingiu 30.000 presenças no dia 1 de Setembro. O governo suspendeu a construção e a central nunca foi por diante.
Também no final dos anos 70, o projecto da central de Sayago da Iberduero – hoje Iberdrola - foi visado por manifestações nos dois lados da fronteira, pois a central estava a ser construída desde 1973 junto ao Rio Douro e perto da fronteira com Portugal. O facto de utilizar água de arrefecimento daquele rio despoletou a oposição de autarcas, proprietários e população do Douro, receosos que a central afectasse a credibilidade do Vinho do Porto, pois eram conhecidas os inúmeros derrames de produtos radioactivos para rios e mares em todo o mundo, além dos gases radioactivos que se escapam dos reactores, arrastando com eles outros produtos radioactivos que se vão depositar nas terras vizinhas das centrais. Alem disso, poderiam ser afectadas outras áreas da agricultura e o abastecimento das populações. Por essa altura, houve manifestações e um Festival/ Manifestação em Mirando do Douro, com o apoio da autarquia local e organizadas pelo grupo Terra Viva. A construção da central acabou por ser cancelada.
Nos anos 70 e 80, verificou-se uma luta intensa contra a central nuclear de Lemoniz, da Iberduero, no País Basco, em construção desde 1972. Manifestações convocadas por grupos de defesa do ambiente numa das quais a Guarda Civil matou a militante Gladys del Estal do Grupo Ecologista de Eguía[3]. Destacou-se o grupo Ekologistak Martxan ou o Ecologistas en Acción, este estendido a todo o país. A ETA realizou vários ataques armados ao estaleiro da central nos quais foram mortos trabalhadores. O chefe da central foi raptado pela ETA e acabou por ser executado, numa acção condenada pelos grupos ambientalistas. Já com a central concluida com dois grupos, foi encerrada nos anos 80. O seu desmantelamento custou 6.000 milhões de euros, valor que mostra porquê os proprietários de reactores nucleares tentam adiar o mais possível o seu fim de vida, arriscando a ocorrência cada vez mais provável de acidentes graves, devido à degradação dos equipamentos, fragilizados pelas radiações.
Em meados dos anos 80, o governo espanhol tentou instalar em Aldeadávila de la Ribera, mais uma vez junto da fronteira portuguesa e do Rio Douro, um cemitério de resíduos altamente radioactivos com uma vida de dezenas de milhares de anos e que não têm ainda hoje em qualquer parte do mundo uma solução satisfatória. Alertado para o problema por António Eloy, o Eng. Carlos Pimenta, Secretário Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais do X Governo Constitucional liderado pelo Professor Cavaco Silva, levantou o problema numa reunião sobre o Ambiente em Bruxelas, tendo-se desencadeado uma violenta discussão entre a parte portuguesa e a parte espanhola. O assunto transitaria depois para os Ministèrios dos Negócios Estrangeiros, com a Comissão Europeia desagradada com a situação[4]. Recorde-se que a entidade Amigos da Terra (inspirada na citada Friends of The Earth), liderada por António Eloy, que estava então numa missão europeia, apresentaram uma queixa junto da União Europeia em 1986, a qual foi aceite, comprometendo a iniciativa do Estado espanhol[5]. O Governo espanhol argumentava que se tratava de uma mero laboratório de investigação, mas a pressão das populações e dos autarcas em Portugal e Espanha e as pressões diplomáticas acabaram por obrigar o Governo espanhol a desistir do projecto. Um dos argumentos portugueses filiou-se, certamente, nas regras internacionais que obrigam os governos dos países que pretendam construir uma instalação nuclear perto da fronteira de outro país a obterem a aprovação deste, no “Acordo de Cooperação na utilização da energia nuclear para fins pacíficos entre o Governo de Portugal e o Governo de Espanha”, de 14 de Janeiro de 1971, e no “Protocolo entre o Gabinete de Protecção e Segurança Nuclear em representação das autoridades nucleares de Portugal e a Junta de Energia Nuclear de Espanha, sobre cooperação no domínio da segurança nuclear” de 31 de Março de 1980.
No início da segunda década dos anos 2000, o Governo espanhol fez nova tentativa de construir um cemitério provisório de resíduos altamente readioactivos de todas as centrais nucleares espanholas, agora em Villar de Cañas (Cuenca), mas, perante a oposição de populações, autarcas e organizações ambientalistas, foi obrigado a recuar.
Em resultado de todas estas acções nos 80, se o Plano Energético Nacional (PEN), de 1964, para o período 1972-1981, portanto ainda em tempo de ditadura, previa uma grande participação do nuclear na produção de energia eléctrica e o PEN-1975 pretendia fazer passar a participação nuclear de 7,1% em 1975 para 56,0% em 1985, o PEN-1982 ficava-se por 3,4% em 1982 e 16,0% em 1991.
Nos anos 80, a central de Almaraz teve de substituir os seus geradores de vapor, como atrás já se referiu, mas, já nos anos 2000, a Greenpeace revelou que 4.000 alterações tinham sido introduzidas nesta central.
Nos anos 80, Espanha atingiu o pico da sua utilização da energia nuclear civil, com várias empresas em todo o ciclo, empregando cerca de 20.000 trabalhadores. A indústria nuclear teve neste sector um importante núcleo de apoio, receando muitos trabalhadores (e suas famílias) perderem os seus postos de trabalho, influenciando os seus sindicatos. Além disso, obrigados a assinarem termos de confidencialidade, escondiam os problemas graves que se passavam dentro das instalações, alinhando com as administrações das empresas. E com as autoridades de fiscalização, que não cumpriam (e continuam a não cumprir em todo o mundo) com o seu dever de proteger as populações.
Em 2014, data já fora do âmbito do presente texto, mas significativo, foi autorizada a exploração da mina de Retortillo, perto de Salamanca. Contra a sua exploração constituiu-se a Plataforma Stop Uranio, que desenvolveu inúmeras acções contra a exploração da mina, acabando por ser cancelada a referida autorização. Outras minas espanholas já deixaram de funcionar. Recorda-se que houvera prospecção de urânio nas regiões de Cáceres, Salamanca, Corunha e Zamora. A exploração competia à ENUSA, Empresa Nacional de Urânio, SA.
Em 2019, houve uma nova tentativa de licenciar a exploração de uma mina, agora em Zahinos, perto de Barrancos[6]. A licença de prospecção foi concedida à empresa Qbis Resources, mas encontrou uma forte resistência das populações locais e dos cinco municípios da zona. As numerosas e participadas manifestações exibiam a sigla “Dehesa sin Uranio”.
Também já nos anos 2000, inúmeras acções foram empreendidas em Espanha para reivindicar o encerramento de todas as centrais. Nestas acções houve também participação da Greenpeace. Almaraz, junto à fronteira potuguesa, teve uma atenção especial, em particular por parte do Movimento Ibérico Antinuclear (MIA). Este Movimento participou em inúmeras acções em Espanha, numa rara colaboração entre entidades dos dois países. O Governo espanhol decidiu que todas seriam encerradas até 2035.
As acções em Almaraz visaram, para além da exigência do seu encerramento, dado que o segundo grupo já tem 40 anos, e o primeiro mais, impedir que se instalasse o designado por Armazenamento Temporário Individual (ATI) para guardar os resíduos altamente radioactivos desta central e, depois, das outras de toda a Espanha, pois estas já não conseguem guardar esses resíduos e a instalação de Villar de Cañas não vingou..
Tal como nos outros países analisados, é impossível ver-se aqui o dedo do “bloco soviético”, verificando-se muitas acções mesmo depois do desmoronamento daquele bloco. Além disso, as organizações ambientalistas envolvidas estavam e estão ideologicamente muito longe das ideias comunistas,
Também aqui não é possível ver «atividade dos lobbies ligados a outras formas de energia», quando muitas das acções surgiram expontaneamente por parte das populações e seus artarcas e as organizações ambientalistas não se podem comparar aos lobbies dos combustíveis líquidos e gasosos, da energia nuclear, ou outros, esses sim ligados a poderosos interesses económicos
[1] Ana Romero de Pablos, “Poder político y poder tecnológico: el desarrollo nuclear español (1950-1975)”, Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnologia e Sociedad 21, Vol. 7 (Ciudad Autonoma de Buenos Aires, Ago. 2012).
[2] Yollanda Picazo, “La parición del movimiento antinuclear y del movimiento ecologista”, Almaraz e Outras Coisas Más, (Coordenação António Eloy), Caldas da Raínha, Cooperativa Editorial Caldense, CRL, p. 188-197..
[3] Idem.
[4] Informação do Eng Carlos Pimenta por mensagem electronica.
[5] António Eloy, “Esfregando dois pauzinhos”, Almaraz e Outras Coisas Más, (Coordenação António Eloy), Caldas da Raínha, Cooperativa Editorial Caldense, CRL, p. 17.
[6] Note-se a tendência do Estado espanhol para localizar instalações nucleares perto da fronteira portuguesa. Contará com a inércia e complacência das nossas autoridades?
*Este texto integra um outro muito mais extenso em que se analisa a oposição à energia nuclear civil em vários países do mundo (EUA, França, Alemanha, Suécia, Espanha, Áustria, Itália, Suíça, Portugal), o que conduziu ao impasse desta forma de energia a que se vem assistindo desde os anos 70 e 80 do Século XX. Trata-se de uma matéria nunca abordada com esta abrangência na bibliografia internacional. E é a continuação de cinco textos já aqui publicados, dois de ordem geral e outros que relatam os acontecimentos nos EUA, em França e na Alemanha.
O autor do texto colheu durante anos informação sobre o assunto em revistas de energia nuclear. Integrou os quadros da Junta de Energia Nuclear e nela participou na construção de um modelo de planeamento a 30 anos de novos centros produtores de energia eléctrica, em que se incluía a energia nuclear. Na Companhia Portuguesa de Electricidade (CPE), que veio a integrar a EDP, participou num outro modelo com as mesmas características e estudou profundamente esta forma de energia.
Finlândia, Ucrânia, República Checa, Hungria, Bulgária, Lituânia têm grupos nucleares de fabrico russo. São, certamente, alimentadas com urânio enriquecido russo. Mas ninguém fala desta dependência da Rússia, mais uma, além de muitas outras. Só se fala de gás natural e petróleo.