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O pequeno “Chalana” do Sobralinho que pisou os grandes palcos do futebol

O pequeno “Chalana” do Sobralinho que pisou os grandes palcos do futebol

Antigo profissional de futebol, Rogério Matias deixou há muito as quatro linhas mas continua ligado à modalidade como comentador na BTV. O antigo lateral-esquerdo que começou no Alhandra, brilhou ao serviço do Vitória de Guimarães e chegou a partilhar o balneário da selecção com Figo e Cristiano Ronaldo. Costuma visitar frequentemente o concelho de Vila Franca de Xira, onde nasceu e tem família, mas não vive a paixão pela festa brava.

O percurso de Rogério Matias no futebol começou aos 10 anos no Alhandra Sporting Club. Antes disso já dava nas vistas no Sobralinho, onde moravam os avós. “Costumava jogar com os meus amigos no jardim da Torre do Relógio e na rua 5 de Outubro. Eram todos mais velhos, passávamos o dia inteiro naquilo, as balizas eram árvores, bancos de jardim ou mesmo pedras de calçada, tudo servia, agora os miúdos têm outras coisas com que se ocupar, computadores, consolas”, lembra a O MIRANTE.
Os amigos tratavam-no por “Chalana”, pois também era canhoto e vestia habitualmente uma camisola do Benfica com o número 10. O nome até lhe assentava bem, já que o craque benfiquista era o ídolo de Matias na infância. “Quando estou na televisão, no programa dirigido aos sócios, há sempre uma pessoa que quando liga me trata por Chalana do Sobralinho. Recebo isso com carinho, é sinal que as pessoas gostam de mim e me apoiaram sempre quando jogava futebol”, diz.
A paixão pelo futebol foi sempre vivida com muita paixão e emoção. Além de ficar estático sempre que via uma loja com artigos de futebol lembra um jogo em que se fartou de chorar quando empatou (0-0) em casa frente ao FC Alverca e falhou a subida ao campeonato nacional.
Apesar desse feito desportivo não ter sido alcançado, a maior mágoa do ribatejano prende-se com o facto de o clube de Alhandra continuar estagnado e preso às mesmas precárias instalações. “Jogávamos no campo da Hortinha, não havia outro. É uma grande mágoa que sinto. O Alhandra SC em relação ao FC Alverca e ao União Desportiva Vilafranquense (UDV), sempre foi uma espécie de parente pobre, apesar de ter grandes equipas. Tenho pena que não seja diferente, com outra dimensão e condições para ter jovens e equipa sénior. O Alhandra SC foi talvez o clube, da zona de Vila Franca, que mais atletas deu aos grandes de Lisboa. Na minha altura saiu o Chana, Padinha e Sérgio Saraiva”, diz.
Rogério Matias sente que isso é resultado dos investimentos feitos e que a Câmara de Vila Franca de Xira devia estar mais atenta a essa vertente. “Depende muito do que a câmara pretende para o desporto na região. Penso que deve haver mais apoios. Custa-me ver o Alhandra a jogar e treinar no mesmo sítio, sem ter mais condições de trabalho a nível de futebol. O Alverca teve um grande desenvolvimento pois havia investimento e dinheiro. Depois caiu e não se sabe quando se vai reerguer. Tem um projecto para o centro de estágio que nunca mais avança. O UDV está agora a ser dirigido pelo Rodolfo Frutuoso da Eurofoot, tem muitas boas condições, com um campo relvado”, indica.
Depois do Alhandra, Rogério foi com 12 anos para as escolas do Benfica, onde fez o resto da formação. Como sénior atingiu a Primeira Liga em pouco tempo. No Campomaiorense chegou à final da Taça de Portugal e foi considerado atleta revelação aos 23 anos. Em Guimarães teve os melhores anos da carreira, tendo jogado no Vitória local sete temporadas. Contou com oito chamadas à selecção, o que considera o topo da carreira. “É o auge ouvir o hino e teres o país todo a apoiar-te”.

O mau timing das lesões e a mãozinha de Bento
Rogério Matias foi alvo desde cedo de lesões, que por ironia do destino aconteceram nas piores alturas da carreira. No final da época do último ano de juniores, Matias, que era titular no Benfica e na selecção de juniores, partiu o menisco do joelho direito. A lesão tirou-o do serviço militar mas atrasou a entrada no futebol sénior, que aconteceu no Fafe do 3º escalão.
Ao serviço da Académica (II Liga), após vários jogos a titular, a mesma lesão aparece no outro joelho e no fim da época acaba dispensado. “Disseram que tinham medo dos meus joelhos, o que entendi como acabado para o futebol. Aos 20 anos não é fácil ouvir isso”, diz. Foi o ex-guardião Manuel Bento, natural da Golegã, que o levou para o rival União de Coimbra. O técnico era amigo do pai de Matias com quem partilhava o gosto pela columbofilia.
A família foi fulcral para conseguir vingar no futebol. Iam buscá-lo aos treinos do Benfica e apoiaram a decisão de suspender os estudos, para se focar no futebol. “Os meus pais para mim são as minhas referências, pois estiveram comigo em todos os bons e maus momentos. Nunca me deixaram de apoiar nem a mim nem ao meu irmão”, refere Matias, que é pai de duas filhas também desportistas. As visitas ao Ribatejo são recorrentes, mas mais para ver a família do que propriamente para festas, já que “nunca foi grande fã do Colete Encarnado”.

O vazio após o fim da carreira

Matias deixou os relvados há oito anos. Neste momento é comentador do canal do Benfica, mas o ex-atleta afirma que o pós-futebol é uma fase muito dura para quem joga ao mais alto nível.

“A vida real começa quando acabas o futebol. Por muito que te prepares é difícil. És absorvido pelo desporto e não tens noção da vida cá fora. Tive colegas que passaram por depressões. No país o jogador está muito desprotegido. É difícil um atleta reintegrar-se na sociedade após a carreira. Estás novo para a vida mas velho para trabalhar. Aos 35 anos não tens experiência laboral e isso é um problema social a nível da FIFA. Só uma ínfima percentagem de ex-futebolistas no mundo consegue continuar a viver do futebol”, crítica, ao dar o exemplo da Bélgica que tem um fundo para os atletas que fazem carreira no país.
Após 6 meses sem receber propostas terminou a carreira, apagou o telemóvel e seguiu com a vida. Finalizou os estudos, ganhou mais tempo para as filhas e trabalhou como observador numa agência no Porto, antes de voltar a Lisboa.

Os piores momentos

A morte de dois atletas acabou por marcar a carreira de Rogério na I Liga de Futebol. O colega e amigo Hugo Cunha faleceu aos 28 anos no Verão de 2005, vítima de ataque cardíaco, a mesma causa que vitimou Miklós Feher, atleta do Benfica com quem Rogério Matias disputou o último lance. “Foi algo inimaginável, começas a pensar: ainda há uns minutos bati num muro - ele (Fehér) era um jogador fisicamente forte - e sopraram e o muro caiu. Nunca me vai sair da cabeça, nos treinos seguintes ouvíamos as moscas tal era o silêncio. O Hugo Cunha era como um irmão para mim. Tinha jogado com ele no Campomaiorense e Guimarães. Lembro-me dele sempre de forma positiva, pela sua alegria. É algo que deixa marcas”.

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