A aposta na Educação está à vista em Vila Franca de Xira
No início deste ano lectivo, a Câmara de Vila Franca de Xira anunciou um investimento de seis milhões de euros na Educação. Parte do valor foi gasto na reabilitação e construção de escolas. Três meses depois da abertura do ano escolar, O MIRANTE visitou dois destes estabelecimentos de ensino e ouviu o que professores e alunos pensam sobre as mudanças.
Três andares, quadros interactivos em todas as 12 salas, uma sala de informática, elevadores, uma biblioteca apetrechada, refeitório espaçoso e capacidade para 300 alunos. A Escola Básica do Sobralinho, construída de raiz em 2015, custou à Câmara de Vila Franca de Xira um milhão e meio de euros. É uma escola de luxo, onde tudo é brilhante, quase um ambiente cirúrgico. Os cerca de duzentos alunos que se distribuem pelas oito turmas - e que assim passaram a estar na escola o dia inteiro (a prioridade da autarquia foi eliminar os horários duplos) - estão tristes. Apesar de tudo cheirar a novo, falta algo que existia na escola antiga - degradada, é certo - mas onde eram mais felizes durante o recreio. “Não temos um campo de futebol, não podemos jogar à bola”, explicam os meninos do 1º ano, enquanto comem a sopa perante o olhar atento da professora Isabel Guedelha. “Temos um imenso espaço interior e o espaço exterior é pequeno. Falta espaço para correrem e jogarem à bola”, corrobora a docente (ver caixa).
“Eles têm razão sobre o campo”, admite o responsável pela Educação no município. O vice-presidente da Câmara de VFX, Fernando Paulo Ferreira, que acompanhou a visita de O MIRANTE, assim como o responsável pela Divisão de Educação da autarquia, Pedro Montes, tentam disfarçar o incómodo. O arquitecto pensou uma escola bonita, que desse nas vistas: no exterior existem três escadarias largas, algumas árvores. Está bonito mas não é funcional. As crianças são simples e directas: “Gostamos muito da escola nova mas esqueceram-se do campo de futebol”, queixaram-se às visitas importantes daquele dia. Houve algum embaraço da parte dos representantes da autarquia, mas ficou a promessa: “Vamos ter de resolver isso. Eles têm razão”, garantiu Pedro Montes.
A escola é enorme e por isso existem muitos corredores vazios, portas que se fecham à chave, como a da biblioteca. As crianças podem ir, sozinhas, diariamente, requisitar livros. Mas a professora bibliotecária só está na escola às quintas-feiras - dá aulas também. Na biblioteca nova, onde há TV, muitos livros e almofadas coloridas, não está nenhuma criança. Ali desenvolvem-se actividades como “A Hora do Conto”. Nesta escola de luxo, alguns meninos estavam a almoçar, outros aguardavam a sua vez. Mas o silêncio imperava.
Exactamente o contrário do que aconteceu na Escola Básica de Povos, a funcionar há 35 anos e que sofreu obras de manutenção na ordem dos 400 mil euros. Encontrámos as crianças no recreio, que foi o principal alvo de recuperação. Onde antes havia lama, terra e pedras partidas, existe hoje um terreno que circunda a escola onde os meninos podem jogar à bola - existe um campo de futebol demarcado - e até praticar basquetebol.
Em Povos mais de metade dos alunos são pobres
“Adoramos a tabela de basket”, dizem as crianças. Existem cantinhos junto a árvores onde as meninas se escondem para contar segredos e nas janelas autocolantes com as figuras mais famosas dos desenhos animados actuais. E uma TV no refeitório, que os entretém nos dias de chuva. Há barulho, confusão, alegria. E estamos numa escola onde mais de metade - a professora e coordenadora Dália Duarte (ver caixa) acredita que a percentagem ronde os 60 ou 70 por cento - são oriundos de famílias com dificuldades económicas. A escola é o único lugar que as compreende.
Apesar da realidade dura de Povos, Fernando Paulo Ferreira revelou que surpreendentemente o número de alunos do concelho de VFX que pediram apoio da Acção Social baixou desde 2013. “O ano passado tínhamos 45 por cento de alunos com apoio e este ano são 35 por cento. É um sinal de que houve, por exemplo, um aumento do emprego e isso é positivo”.
A autarquia tem investido, desde 2013, cerca de seis milhões de euros em cada ano lectivo. Este ano não foi diferente: “Todos os anos temos construído uma escola nova e isso leva a maior fatia do orçamento, mas também investimos noutras áreas importantes: oferecemos os manuais a todos os alunos do primeiro ciclo, por exemplo”.
Uma ajuda preciosa para famílias que lutam para sobreviver num país estrangeiro, como é o caso da comunidade brasileira: “Notámos que existiram muito mais entradas de novos alunos este ano lectivo. Há uma nova vaga de imigrantes brasileiros, muitos deles tinham ido embora quando a crise se instalou em Portugal e agora estão a regressar por causa da crise no Brasil, sublinha Fernando Paulo Ferreira. No entanto, a decisão do Governo de alterar, neste ano lectivo, a obrigatoriedade de existirem vagas prioritárias para alunos do pré-escolar aos 4 anos, ao contrário dos cinco anos, como acontecia anteriormente, também veio mexer no número de alunos, que aumentou.
A Educação tem sido uma prioridade deste executivo. Mas a sua competência só abrange o ensino pré-escolar e o ensino básico, algo que muitos pais desconhecem. “Queixam-se das condições das escolas secundárias, mas nós [câmara] só podemos intervir através de contratos-programa celebrados com o Governo e Pedro Passos Coelho suspendeu-os. Estamos a tentar novamente essa via, com este novo Governo”, explica o vice-presidente da autarquia.
As ajudas são muitas e, para quem vivia em Lisboa e optou por ir residir para o concelho de Vila Franca de Xira, são notórias as diferenças. A câmara apoia no transporte escolar, no passe social do autocarro e decidiu atribuir uma ajuda de 10 euros por aluno para comparticipar no pagamento do transporte das visitas de estudo, entre outras iniciativas. Mas não esquecem que sem a ajuda preciosa das IPSS do concelho - que fornecem a maioria das refeições às escolas e coordenam os ATL - o sistema não funcionaria desta forma.
Câmara não vai construir escolas em 2018
Na verdade, o valor que a autarquia tem investido ao longo do mandato em sido praticamente o mesmo em cada ano lectivo: cerca de seis milhões de euros. “O único investimento superior ao investimento do ano anterior foi a construção da nova Escola Básica Nº2 de Vialonga, que custou 2 milhões e 100 mil euros”, revela Fernando Paulo Ferreira. Para o próximo ano não está prevista a construção de qualquer escola. “Vamos requalificar e alargar uma escola já existente: Escola Básica Nº1 de Vialonga”, avançou. Por resolver, fica a questão dos horários duplos que a Escola Básica de Alhandra ainda mantém. “Ainda não decidimos se vamos distribuir os alunos ou fazer obras de alargamento. Estamos a estudar a situação”, disse o autarca.
Os números são vistosos e os equipamentos também. Mas é no terreno que se revelam as maiores dificuldades, mesmo depois do embelezamento. Na Escola Básica de Povos os meninos adoram a “nova luz” da escola - o chão arranjado reflecte melhor o sol e o corte de árvores ajudou a aumentar a claridade. Mas, dentro das salas de aulas, os meninos têm de permanecer com os estores fechados porque a luz é demasiada e reflecte no quadro: “Está mal colocado”, confessa a professora Dália Duarte.
A professora e coordenadora da Escola Básica do Sobralinho, Paula Magalhães, dá aulas há 26 anos e adora a sua profissão. Gosta da escola nova: “As condições são excelentes, tem tudo o que precisamos, mas são muitas horas fechados aqui dentro”, critica. E avisa: “Só daqui a 20 anos é que vamos perceber o que este modelo de horário completo fez a estas crianças”. Defensora de aulas de manhã e actividades lúdicas à tarde, está completamente contra a “prisão” em que os seus meninos vivem. Os mesmos que só queriam mesmo era ter um campo de futebol para jogar.
“A escola está diferente... tem tanta luz”
Mateus Pontes tem 9 anos e está no 2º ano. Oriundo de uma família cigana é, provavelmente, o miúdo mais feliz da Escola Básica de Povos. Alegre e comunicativo, contou que “adora” a nova escola, sobretudo a tabela de basquete e... o sol. “A escola é a mesma, mas está diferente. Há tanta luz...”. Não contou o principal: o motivo que elevou a sua auto-estima. Aprendeu finalmente a ler o ano passado, com a ajuda da professora Dália Duarte. Ainda na escola antiga, no meio da lama e das salas degradadas.
“Os alunos de hoje são melhores”
Há 33 anos que Isabel Guedelha é professora. Está na Escola Básica do Sobralinho há 18. Está satisfeita com a mudança, apesar de ter críticas: “Ganhámos novas instalações, o que era urgente, porque a escola estava muito degradada. O pior aqui são os recreios. Foi muito mal calculado”, salienta. Nestes 30 anos que leva de ensino diz que “mudou tudo nas escolas e nos alunos também”. E aponta algo muito positivo: “Acho que os alunos de hoje são melhores, são mais atentos e têm acesso a tecnologias e isso transformou a forma de aprenderem”.
“É o maior desafio da minha vida”
Dália Duarte é professora na Escola Básica de Povos há 12 anos. Há dois que é também a coordenadora. Este é o 18º ano a dar aulas. “É uma escola que pertence a um bairro complicado e as maiores dificuldades têm a ver com a disfunção das famílias e a pobreza. O que falta mesmo são famílias estruturadas”, desabafa. Os resultados escolares são “insuficientes”, revela, apesar de afirmar que “todos os meninos têm muitas capacidades. Mas só trabalham o tempo que estão na escola”. Apesar da dureza do seu trabalho - os olhos azuis a ficarem rasos de água denunciam a sua emoção - diz: “É o maior desafio da minha vida, mas eu gosto de aqui estar e espero estar aqui por muitos mais anos”.