Quem cuida de familiares deficientes também precisa de apoio e nem sempre isso acontece
Mães de portadores de deficiência contaram em Santarén as dificuldades e lutas que enfrentam diariamente para dar uma vida digna aos seus filhos.
Luzia Souto é mãe de Natacha, de 42 anos, portadora de multideficiência (motora, visual e auditiva). Há 13 anos a sua filha, que ainda conseguia ver, começou com derrames numa vista e ao fim de cinco anos de luta perdeu a visão. “Foi um momento muito difícil, muito doloroso, porque a minha filha é surda profunda e eu deixei de conseguir comunicar com ela. Não conseguia perceber o que ela queria”, contou Luzia Souto durante o painel “Porque quem cuida deve ser cuidado”, no âmbito da iniciativa “Diálogos Inclusivos na Deficiência”, organizado pela Rede Social do Centro Distrital de Segurança Social, que decorreu no dia 7 de Dezembro, no Centro Nacional de Exposições, em Santarém.
Luzia Souto foi uma das mãe cuidadoras que partilhou as dificuldades de quem tem que deixar de trabalhar e dedicar a sua vida a um filho totalmente dependente. No momento mais difícil da sua vida encontrou apoio na Casa Pia, que a ensinou a comunicar novamente com a filha. Nessa altura, foi a própria mãe quem precisou de apoio e encontrou-o na instituição. “Os cuidadores familiares também precisam de muito apoio, porque somos muito sobrecarregados, e nem sempre se encontra esse apoio. Senti-me sozinha muitas vezes e sem forças para continuar mas depois olho para a minha filha e vejo o quanto ela precisa de mim e vou à luta”, afirmou.
Carla Covaneiro é mãe de Mara, uma menina de 12 anos portadora de uma doença genética rara que a obrigou a fazer um transplante de medula óssea aos sete meses. Conseguiu vencer o transplante mas depois surgiu a epilepsia. Mara é invisual e tem um atraso cognitivo no desenvolvimento. “A Mara tem crises todos os dias, mesmo tomando os medicamentos, e cada vez que isso acontece nós sentimo-nos incapazes e impotentes para ajudá-la”, relata Carla Covaneiro confessando não dispensar a companhia da filha mesmo quando fazem viagens de avião. “Não podemos desistir e temos que ser resilientes apesar de ser muito complicado”.
Fátima Cortesão recordou que quando ia a caminho da maternidade, há 31 anos, para dar à luz o seu segundo filho, Paulo, não estava à espera que o menino nascesse com Síndrome de Down. “Ser mãe de um menino com Down é como levar um murro no estômago, ainda por cima na década de 80 quando não se falava nada sobre essa doença. Fui procurar toda a informação sobre o Síndrome de Down”, confessa. Fátima afirma que ter um filho nessa condição é ter que ir à luta todos os dias e não descansar. “É procurar coisas mais simples para desenvolver a área cognitiva do meu filho. É também uma aprendizagem em família”, diz.
Paulo tem 31 anos e uma vida normal. Aprendeu a andar, estudou, lê com facilidade, discute futebol com o pai “como ninguém”, joga à bola, utiliza a internet e já venceu campeonatos de dança de salão para pessoas com Down. “Sinto-me cansada mas tenho orgulho no meu Paulo, por tudo o que conquistou”, garante.
“Conseguimos fazer coisas que algumas pessoas ditas normais não conseguem”
O seminário teve também um painel que contou com a presença de pessoas portadoras de deficiência que frequentam as várias Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) do distrito. Andreia Guarda, do Centro de Reabilitação e Integração de Coruche (CRIC), conta que nasceu sem qualquer tipo de deficiência mas que um sopro no coração aos três meses de idade a deixou em coma durante cerca de duas semanas. Quando acordou ficou paralisada de um lado do corpo o que lhe dificulta a locomoção, a fala e o movimento do braço esquerdo. No entanto, nada a impede de levar uma vida normal.
“Somos pessoas como as outras. Não têm que ter medo de nós porque não fazemos mal a ninguém, como é habitual acontecer-nos. Todos temos limitações, mesmo as chamadas pessoas normais. Todos trabalhamos para o mesmo objectivo, sermos cada dia melhores e em conjunto conseguimos fazê-lo melhor. Hoje somos nós a precisar, amanhã podem ser vocês a estar numa situação parecida”, alerta.
A mesma opinião tem Rocio Custódio, que frequenta a APPACDM (Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão com Deficiência Mental) do Vale de Santarém. “Existem pessoas que acham que por sermos diferentes não conseguimos fazer nada mas eu consigo fazer o mesmo que os outros, como dançar e aprender música, que adoro. Podemos ter problemas cognitivos mas deve-se olhar para essas pessoas, para nós, porque, apesar de tudo, conseguimos fazer muitas coisas que outras pessoas normais não conseguem”, disse.
Limitação física não impede monitora de trabalhar
Alexandra Valentim tem distrofia muscular, o que lhe limita a locomoção, mas continua a trabalhar há já 26 anos na APPACDM do Vale de Santarém, onde é monitora do Centro de Actividades Ocupacionais da instituição. Trabalhava no ensino regular mas não se sentia satisfeita e queria ajudar pessoas com deficiência. Confessa que os seus “meninos” são a sua segunda família. “Passo mais tempo com eles do que com o meu filho e acabo por viver a vida deles, chorar e rir com eles. Tem que se ter muita paciência e amá-los muito. No final do dia tudo vale a pena”, afirma.