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Desbragado Serafim das Neves


Estou como tu e já nada me espanta. Nem que os famosos bonecos Egas e Becas sejam homossexuais, como contas, nem que me apareça uma qualquer Mitu ou Mitó ou o que quer que seja, a acusar-me de lhe ter dado um beijo não consentido quando andávamos na pré-primária.
Concordo contigo quando dizes que estamos salvaguardados por não sermos famosos nem termos dinheiro e só me resta agradecer ao destino por me ter feito pelintra e à Santa Casa por nunca me ter dado qualquer prémio maior de os de 90 cêntimos do totoloto.
Só não agradeço aos porteiros de discotecas famosas por não me terem deixado entrar para ir meter-me com miúdas giras porque eu desisti de ir a discotecas quando verifiquei que quem estava à porta a escolher os clientes era geralmente o tipo mais burro da turma.
Ainda sobre esta questão das acusações de assédio com mais de vinte, trinta anos e quarenta anos tenho estado muito atento aos jornais que se dedicam a estas causas para ver quando é que aparece uma qualquer senhora a queixar-se de o marido a ter obrigado a ter sexo contra a sua vontade ao longo dos quarenta ou cinquenta anos de casamento. É que se se abre essa caixa de Pandora, digamos assim, vai ser um ver se te avias.
Há também uma onda de puritanismo a varrer estes tempos. Ela ataca tudo o que cheire a pecado e perversão e eu nem sei o que faça aos livros e filmes que tenho cá por casa. Pornografia na internet ainda vá que não vá mas fotos, quadros, livros e eu sei lá o que mais é de tapar que faz mal à vista.
Um dia destes, por causa dos planos de reflorestação das áreas ardidas, pus-me a reler “Quando os Lobos Uivam” do Aquilino Ribeiro, que é sobre o movimento contra a florestação dos baldios. A páginas tantas dei com aquele episódio da pastora Leocádia e da sua iniciação sexual nas serranias, pela mão, salvo seja, do Tio Louvadeus, que nem sequer era tio dela.
“Puxou-a e nem lhe deu tempo de esquivar-se. Tombou entre as giestas, sobre um sargaço, meio embrulhada na capucha. Foi tão rápido que mal se apercebeu do desacato. Mentira que nenhum até à data lhe fora ao poleiro. Mas, deixá-lo! Dali já não lhe vinha mal”.
Escondi o livro na prateleira mais baixa, por detrás dos dicionários. Aquele e outros do mesmo calibre. Sei lá se ainda vem alguém cá a casa confiscar-me o material. O Aquilino Ribeiro escreveu aquilo em 1958. O dono disto tudo era Salazar. Haveria de ficar feliz se fosse vivo e se soubesse que fez escola, pelo menos em relação à censura.
Não foi por acaso que o tal advogado de Santarém que tentou acabar com
O MIRANTE juntou ao processo poemas eróticos escritos pelo director-geral para provar que ele é um grande malandro. Tentou cavalgar a onda mas felizmente caiu dela abaixo, que cavalarias divinas em nome da decência e da moral não são para qualquer amador.
A Diocese de Santarém também quer que os padres lhe mandem música e letra das canções a interpretar em capelas e igrejas. E os nomes dos músicos também, para não levar nas orelhas dos católicos radicais de Lisboa que foram ao Festival dos Bons Sons na aldeia de Cem Soldos a pensar que iam ver santas em cima de azinheiras e saiu-lhe um guitarrista a solar à maluca em frente a um altar, com o povo em delírio a bater palmas e a abanar o capacete como se o sol estivesse a dançar.
Fico-me por aqui que ainda tenho que ir resguardar uns quadros, uns filmes e uns CD’s antes que alguém repare que se trata de material subversivo.
Saudações literárias
Manuel Serra d’Aire

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