uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
No lar engana-se a solidão e há muitos amigos que fazem sorrir
Eva Maria, Maria Almeida e Visitação Baleiras são utentes da Casa de São Pedro em Alverca

No lar engana-se a solidão e há muitos amigos que fazem sorrir

Centenárias que vivem numa instituição em Alverca do Ribatejo contaram a O MIRANTE os segredos para a longevidade e como enfrentaram a realidade de sair de casa para um ambiente estranho.

São mulheres do princípio do século passado. Nasceram entre 1914 e 1919, três exemplos de força e perseverança em vidas que nem sempre foram fáceis. Não querem viver agarradas à solidão, nem ser um fardo para a família, por isso as três centenárias escolheram mudar-se para a Casa São Pedro, em Alverca do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira. Ali vivem 111 idosos e há mais 88 que a frequentam durante o dia. Ali não há lugar para a solidão e há “muitos amigos que fazem sorrir”. A opinião é de Eva Maria, que completou 100 anos, no passado dia 12 de Outubro.
Eva Maria, “assim só” é o seu nome, chegou atrasada à festa de aniversário que o lar lhe preparou, mas “foi por um bom motivo”. Nesse dia vestiu uma camisola azul da cor do seu olhar e saiu para almoçar fora com a família e uma amiga que veio de propósito do Porto. Não gosta de festejar o aniversário, porque foi nesse dia que perdeu o seu marido, já lá vão cinco anos. Este ano, por serem os 100, “há motivos para festejar”, brinca entre um sorriso e outro. “Hoje sou feliz, muito feliz”, diz sem que o sorriso se afaste do rosto.
Leitora assídua de O MIRANTE, de outros jornais e revistas cor-de-rosa, Eva Maria já não tem “paciência para ler livros com muitas páginas”, mas o gosto de folhear e passar os olhos pelas letras mantém-se. Gosta de fazer ginástica e passear pelo jardim que faz parte da casa que escolheu para viver há um ano. “Um ano? Parece que foi ontem que vim para cá”, atira surpreendida, depois de a filha, Rosário Marques, a lembrar. Desvia o olhar e diz que “o tempo passa depressa”, mas “dantes não”.
A quatro meses de comemorar o centenário, Maria de Jesus Almeida também participou na festa. Não dançou ao som do grupo de cavaquinhos da ARPIA, porque o “coração já não aguenta e começa a bater com muita força”. Distraída foi marcando o ritmo da música, com a bengala que lhe serve de amparo.
“Fui eu que quis vir para aqui durante o dia, para não estar sozinha. Mas à noite regresso à minha casa, onde os filhos me visitam todos os dias”, diz com a calma na voz e um sorriso escondido, a avó Maria, como carinhosamente é apelidada pelos técnicos do lar. A ideia de ter de deixar a sua casa e viver no lar atormenta-a. “Isso não, isso já não quero. Ia-me custar muito largar a minha casa”.
Já Visitação Baleiras vive contrariada com a sua situação. “Que remédio tenho senão estar aqui”, diz. Com 104 anos, lúcida e resmungona, é a mais velha do lar. Não gosta de estar rodeada de muita gente, mas como era dia de festa fez um esforço e ficou mais tempo na sala comum. Sentada na cadeira que já não a larga, pela falta de mobilidade, bateu palmas aos músicos e deixou escapar um ou outro sorriso.
“Não faço nada aqui”, diz baixando o olhar, enquanto acomoda no colo a mala que traz sempre consigo. Questionada pela reportagem de O MIRANTE sobre os pertences que guarda na mala, responde firmemente: “Já está a querer saber de mais”. E nada mais adiantou. “Não me faça perguntas que eu não me lembro e leve-me daqui. Quero ir para o quarto”, termina deixando vir ao de cima o ar rezingão.

O segredo para viver mais
Com 30 anos e três filhos nos braços, Maria de Jesus ficou viúva e passou a trabalhar 15 horas por dia. “Com muito trabalho, pouco descanso e fome. Foi assim que venci a vida e cheguei a esta idade”, diz a O MIRANTE. Homens, nunca mais teve nenhum depois do marido falecer e em jeito de brincadeira acrescenta que “talvez isso também faça parte do segredo” para a longevidade.
Eva Maria discorda, dizendo que o que a faz viver há tanto tempo é nunca ter trabalhado, ser “a calma em pessoa” e “amiga de toda a gente”. A recém centenária diz que a vida “foi sendo boa”, à excepção do tempo em que viveu com o pai e “uma madrasta muito má”, depois de ter perdido a mãe aos 12 anos.
Hoje, no lar, partilha o quarto com mais uma senhora que “não fala e mal se mexe”. Isso incomoda-a, mas permite-lhe sentir-se à vontade para “chorar à noite”, quando mais “ninguém vê”. “Não quero ser um fardo demasiado pesado para a família, mas às vezes sinto-me sozinha. Estou bem aqui, mas à noite lembro-me de como já foi a vida e choro”, remata.

Um lar é uma nova casa

Quando a velhice ataca é preciso mudar hábitos, cuidados e dar-lhe atenção redobrada. Luciana Nelas, presidente da direcção da Casa de S. Pedro de Alverca, é da opinião que a família não deve ter receio de procurar apoio para o idoso e que “quanto mais cedo o fizer melhor”.
“É errado quando nos procuram só quando já não são capazes de cuidar das pessoas. O idoso devia ter acompanhamento domiciliário e frequentar o centro de dia, anos antes de um dia ter de trocar a sua casa pelo lar”, adverte.
A presidente da associação, fundada em 1981, entende que é a um lar que as pessoas devem recorrer quando já não são capazes de cuidar de si, ou não dispõem de família com capacidade e disponibilidade para o fazer. “Também não tem de custar aos filhos entregarem os pais a um lar. É como quando os pais vão deixar os filhos ao infantário porque têm de ir trabalhar”. Para Luciana Nelas, a situação é semelhante e não pode ser recriminatória.

No lar engana-se a solidão e há muitos amigos que fazem sorrir

Mais Notícias

    A carregar...

    Capas

    Assine O MIRANTE e receba o Jornal em casa
    Clique para fazer o pedido

    Destaques