Arrependido trama padre de Abrantes que responde por burla ao Estado
Dirigente do Interparoquial de Abrantes e cúmplice que o denunciou criaram esquema com utentes falsos. O presidente do Centro Social Interparoquial de Abrantes, cónego José da Graça, e um terapeuta que foi entretanto autarca, Pedro Moreira, enganaram entidades estatais para obter mais dinheiro para a instituição através de um projecto de tratamento de dependências.
O cónego e presidente do Centro Social Interparoquial de Abrantes, José da Graça, vai começar a responder em tribunal por ter inventado um esquema com registos falsos para obter mais subsídios do Estado. O caso, em que a instituição também é arguida, chegou à justiça porque o cúmplice do pároco que dirige a instituição há décadas, denunciou as alegadas irregularidades no registo de utentes do Projecto Homem, de tratamento de alcoólicos e toxicodependentes, à Inspecção-Geral das Actividades em Saúde. O Ministério Público acusa o cónego e o arrependido Pedro Moreira, que foi terapeuta na instituição, de terem lesado o Estado em quase duzentos mil euros.
Pedro Moreira despediu-se em Julho de 2012, ao fim de 15 anos de serviço, e passados cinco meses alertou a inspecção “para fraudes, ilegalidades e irregularidades”, o que deu origem a uma investigação, na qual se apurou que a instituição recebeu verbas indevidamente ao serem manipulados os registos de utentes, alguns deles que nunca frequentaram sequer a instituição. Segundo o Ministério Público refere na acusação, o Centro recebeu, entre 2011 e Julho de 2012 “sem a ele ter direito, do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social e do Ministério da Saúde o montante global de 199.215,86 euros”.
O projecto recebia dinheiro, através de acordos de cooperação, dos centros distritais de Segurança Social de Santarém, Portalegre e Castelo Branco, que solicitaram a devolução das verbas pagas a mais, o que o Centro Social cumpriu. Os dois arguidos, segundo defende o Ministério Público, acordaram enviar sempre as listagens para as entidades financiadoras com todas as vagas ocupadas, mesmo sem estarem, de modo à instituição “receber os valores máximos de comparticipação”.
Havia duas estratégias. Uma era identificar alcoólicos que estavam na instituição como sendo erradamente toxicodependentes para que o tempo de comparticipação fosse de doze meses em vez dos seis meses por tratamento do alcoolismo. A outra era colocar nomes nas listas enviadas às entidades dos ministérios da Saúde e da Segurança Social de utentes falsos, alguns que nem sequer tinham conhecimento da existência do Projecto Homem. Refere a acusação que os arguidos chegaram a colocar nomes de presos, outros que nunca tinham frequentado a instituição e outros que já tinham abandonado o projecto.
A acusação diz que depois de Pedro Moreira ter cessado funções, o Interparoquial manteve os mesmos procedimentos até ao primeiro trimestre de 2013, por instruções dadas por José da Graça. O projecto, que envolvia a Comunidade Terapêutica João Guilherme (Abrantes) e os Apartamentos de Reinserção Social de Abrantes, de Ponte de Sor e de Castelo Branco, tinha protocolado com o Ministério da Saúde 52 camas, cada uma delas com um financiamento de 720 euros, correspondentes a 80 por cento do custo por utente, sendo que o restante seria pago pelo próprio ou por familiares.
O pároco negou os factos no âmbito da investigação, dizendo que se tratava de uma vingança de Pedro Moreira, que foi presidente da Junta de Alferrarede (Abrantes), e atirando a culpa das listagens com utentes fantasma para ele e para uma funcionária. O cónego disse à Polícia Judiciária de Leiria, que teve na acusação um elogio da procuradora Cristina Santos que considerou a investigação bem elaborada, que se limitava a assinar as listagens sem conferir.
Moldura penal vai até 16 anos de prisão
Os arguidos José da Graça e Pedro Moreira estão acusados do crime de burla tributária na forma continuada, que, por se tratar de valor elevado, é punido com prisão de dois a oito anos. Estão ainda indiciados de burla qualificada, crime punido com prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias, e de falsificação, na forma continuada, punível com prisão até três anos ou com pena de multa. O centro social é também responsável pela prática das mesmas infracções penais dos arguidos.