“Se não fossem os vídeos que publiquei a poluição no Tejo continuaria”
Arlindo Marques continua atento e lamenta que ainda não haja culpados pelos casos de poluição no rio.
Tornou-se conhecido a nível nacional e internacional devido às denúncias que fez contra a poluição no rio Tejo, que lhe valeram, inclusivamente, processos em tribunal. Arlindo Consolado Marques garante que não o vão calar e sempre que detectar poluição vai denunciá-la. Tem uma série de figuras públicas, entre elas o juiz Carlos Alexandre, como testemunhas abonatórias no processo que trava em tribunal contra uma indústria de celulose.
Um guarda prisional tornou-se figura pública devido à exposição mediática associada às denúncias de poluição no Tejo. O que mudou na sua vida nestes últimos dois anos?
Às vezes tenho que controlar as minhas escalas de trabalho, porque tenho muitas solicitações. Há uma pessoa a fazer um filme sobre a minha vida e de vez em quando ando em filmagens. No sábado fui ao Porto dar o meu testemunho sobre o que tenho feito em prol do rio Tejo, a pedido de uma associação ambientalista. Há cerca de 15 dias estive em Espanha, onde fui receber um prémio de uma associação ambientalista devido à minha luta contra a poluição no Tejo.
Como é que a família reagiu a esse mediatismo?
Pela vontade da minha companheira não andava metido nisto, porque dá muitas dores de cabeça e acabou-se o sossego que tínhamos. Comecei a fazer vídeos para denunciar a poluição, que me revolta muito, mas nunca pensei que tomasse as proporções que tomou. Nunca pensei que algum dia tivesse a adjunta do ministro do Ambiente a telefonar-me para perguntar como está a poluição no Tejo na zona onde vivo, como já aconteceu.
Convive bem com tanta exposição ou preferia passar mais despercebido?
Sou um bocado tímido e ter que andar a falar em directo na televisão ou com governantes não é fácil. Mas não me importo, até porque agora já está um bocadinho mais calmo e é por uma boa causa. É isso que me move. Se não fossem os vídeos que publiquei, a poluição continuaria e os peixes agora estariam todos mortos. Ficava triste e com raiva por ver os peixes mortos e a espuma no Tejo e ninguém fazer nada. Foi por isso que comecei a denunciar o que se estava a passar.
É solicitada a sua colaboração por associações ambientalistas de outros pontos do país?
Gostam que dê o meu testemunho enquanto cidadão. Tudo o que fiz foi por amor ao rio Tejo, porque cresci com ele. Isso também trouxe dissabores, que são os processos em tribunal que estão a decorrer.
Tem uma série de figuras públicas, entre elas o juiz Carlos Alexandre, como testemunhas abonatórias. É uma honra ter aliados desses no combate que está a travar?
Claro que sim. A semana passada estive com o juiz Carlos Alexandre e ele disse-me que está comigo e dá a cara por mim, porque sabe que tenho razão. Não lhe pedi nada, foi ele que quis ser minha testemunha.
O que espera da justiça nesse processo?
Acredito na justiça porque não fiz mal nenhum. O que fiz foi o que qualquer cidadão deveria fazer, que é denunciar um crime ambiental. O problema é que incomodei os ‘grandes’.
Sofreu pressões e ameaças ao longo destes últimos tempos?
As ameaças foram os tribunais. A situação mais complicada foi quando bateram no meu carro, porque poderia ter sido grave, eu poderia ter ficado com mazelas físicas.
O seu activismo ambiental está ligado a alguma militância partidária?
Não tenho partidos políticos porque não concordo com os políticos. Já fui aliciado por um pequeno partido mas não aceitei. Dou-me bem com todos os políticos porque preciso deles para me ajudarem a divulgar a minha causa. São eles que conseguem chegar à Assembleia da República e falar na poluição do Tejo.
Foi distinguido pela Câmara de Mação, na área da cidadania. O que sentiu com essa distinção?
É o reconhecimento pela luta que tenho tido em prol do rio Tejo, que é de todos.
Nos últimos tempos deixou de se ouvir falar de poluição no Tejo e, consequentemente, o Arlindo Marques perdeu tempo de antena. Há menos poluição no Tejo?
Se me calo é porque a coisa melhorou. Melhorou bastante mas continuamos todos atentos. Se a poluição continuasse eu continuaria também a denunciar. Ninguém me vai calar na defesa pelo rio Tejo.
Julgamento marcado para Junho
Empresa Celtejo tentou chegar a acordo com o activista. Arlindo Marques a proposta da Celtejo descabida e vexatória e afirmou que se cedesse até teria vergonha de sair à rua.
O julgamento da acção movida pela Celtejo contra Arlindo Consolado Marques foi agendado para os dias 18 e 25 de Junho. A decisão foi tomada na tarde de quinta-feira, 7 de Março, no Tribunal de Santarém, onde decorreu uma audiência prévia à porta fechada.
Após a audiência, que demorou menos de uma hora, Arlindo Marques confirmou a O MIRANTE que a empresa tentou chegar a um acordo em que a condição para retirar a queixa passaria por pedir que “desse o dito por não dito” e impedir que falasse ou publicasse mais qualquer imagem sobre o assunto. O activista diz que nunca o calarão e que lutará até ao fim. Considerou a proposta da Celtejo descabida e vexatória e afirmou que se cedesse até teria vergonha de sair à rua.
“O tribunal é que vai decidir e estou preparado para ser condenado em primeira instância, mas vou levar isto até às últimas consequências”, afirmou categoricamente.
O ambientalista conta com o apoio de muitos populares que manifestaram interesse em estar presentes no Tribunal de Santarém. “Disse-lhes que hoje não valia a pena virem, mas a 18 e 25 de Junho conto com a presença de todos”, refere Arlindo.
Um guarda prisional que ficou conhecido como guardião do Tejo
Arlindo Consolado Marques nasceu a 10 de Outubro de 1965 em Ortiga, concelho de Mação. Da casa onde nasceu vê-se o rio Tejo, uma das suas grandes paixões e que nos últimos dois anos o tornaram uma pessoa conhecida a nível nacional e até no estrangeiro devido à sua luta contra a poluição no maior rio português. Foi no Tejo que aprendeu a nadar e a pescar e foi nesse rio que se viu atrapalhado por duas vezes. A primeira, quando o tentou atravessar para ir ao encontro de umas moças que estavam na outra margem: “O rio levava muita água e vi-me aflito para chegar ao outro lado”. A outra aconteceu para ajudar um amigo. Tudo acabou bem e esses sustos não o fizeram ganhar medo.
O seu pai trabalhava na CP (Comboios de Portugal) e por isso tinha um passe com 4000 quilómetros grátis para andar de comboio. Arlindo costumava apanhar o comboio às seis da manhã e ia para o Cais do Sodré, em Lisboa, apanhar minhoca do mar. Regressava com os amigos no mesmo dia e ainda iam à pesca da fataça em Ortiga. Tem um caiaque e dois pequenos barcos, onde costuma percorrer o Tejo.
É guarda no Estabelecimento Prisional de Torres Novas e vive no Entroncamento, mas vai todos os dias à sua terra natal, onde tem uma horta e animais. “É aqui que me sinto bem e sou feliz. Isto é o meu antidepressivo natural”, confessa a
O MIRANTE durante a entrevista que decorreu junto ao Tejo em Ortiga.
O defensor do Tejo diz que nunca notou poluição até 2014 e nessa altura começou a denunciar as situações através de pequenos filmes feitos com telemóvel e colocados nas redes sociais. Hoje tem 25 mil subscritores no seu canal do Youtube e igual número de seguidores no Facebook. Nos tempos livres aproveita para limpar os caminhos e criar trilhos junto ao Tejo, com a sua motossera. “Ninguém me pede para o fazer, faço-o por carolice e porque gosto. Há quem vá para o ginásio, eu venho para aqui limpar a vegetação”, diz.
Este ano já comeu lampreia do Tejo e garante não ter medo de o fazer. Também já não tem medo de tomar banho no rio. Na juventude bebia água do rio e diz que agora também o faria, sem receio.