Conhecer e trabalhar com os ases da Fórmula 1 não é para todos
Jovem engenheiro natural de Santos, Santarém, trabalha para a Mercedes desde 2011. Ainda não tinha concluído o curso superior e já estava em Inglaterra a trabalhar para a marca que tem dominado nos últimos anos a competição automobilística mais relevante do mundo. Miguel Guedes adora o que faz, encara com normalidade a sua condição de emigrante e considera um privilégio poder lidar em contexto laboral com figuras como o campeão mundial Lewis Hamilton.
Privar de perto com o campeão do mundo de Fórmula 1 Lewis Hamilton ou com uma lenda das pistas que recentemente ascendeu ao panteão dos ídolos do desporto de todos os tempos, como Niki Lauda, não é para todos. Por isso é natural que Miguel Guedes, um jovem engenheiro de 32 anos, natural de Santos, Santarém, se considere um sortudo pelo trabalho que faz e pelas possibilidades que tem em viver de perto o mundo da Fórmula 1.
Miguel Guedes é licenciado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores pelo Instituto Superior Técnico. Trabalha em Northampton, Inglaterra, desde 2011 como engenheiro de integração de sistemas na Mercedes AMG High Performance Powertrains, onde são desenvolvidos os motores de Fórmula 1 da Mercedes. Foi contratado pela poderosa marca alemã quando ainda estava na parte final do curso universitário,
A ligação mais próxima à indústria automóvel começou precisamente no Técnico, em Lisboa. Miguel fez parte da equipa que construiu o primeiro protótipo de carro eléctrico aí feito (o FST04e) e dos primeiros a nível europeu. O trabalho foi desenvolvido no âmbito do Fórmula Student, uma competição entre várias universidades que consiste em projectar, construir e competir com um pequeno carro. “No fundo é um desafio de engenharia para arranjar boas soluções técnicas a um custo razoável”, conta Miguel Guedes.
A equipa do Técnico participou em várias competições, uma delas em Inglaterra em 2010. Miguel era responsável pela parte de electrónica do protótipo. Nessa viagem falou com alguns representantes da Mercedes e eles sugeriram que se candidatasse a um estágio. Enviou o currículo sem grande esperança e acabou por ser contactado para ir a uma entrevista. Acabou por ser contratado, em 2011, ano em que concluiu a formação académica.
Casado com uma psicóloga que também trabalha em Inglaterra, Miguel encara com naturalidade a vida de emigrante, até porque no nosso país não teria oportunidade de trabalhar naquilo que faz. Adora a profissão e diz que desde pequeno alimentava a ideia de trabalhar no ramo automóvel. “Sempre achei que iria acabar a trabalhar no estrangeiro, num fabricante automóvel. Acho que devemos ir à procura do que gostamos de fazer, como foi o meu caso”, diz.
Adaptação foi fácil mas falta o sol
A mudança de Portugal para Inglaterra não foi particularmente difícil em termos de adaptação, mas Miguel reconhece diferenças acentuadas tanto no clima como na alimentação. “Não há tanto peixe, come-se mais carne, sobretudo vaca. Mas, felizmente, há muitos restaurantes com gastronomia de outros países onde se come bem”, conta. As saudades da família e amigos são combatidas com os contactos regulares através da Internet e nas férias que passa no nosso país, habitualmente uma vez por ano.
A vida em Inglaterra não se resume ao circuito casa-trabalho-casa. Também há espaço para o lazer e para viajar, não só pelo Reino Unido como também pelo mundo. Aliás, Miguel não descarta a possibilidade de vir a trabalhar noutro país, como Itália, que lhe parece ser dos mais interessantes por ter uma cultura semelhante à nossa, como bom clima, boas praias, bom vinho e boa cozinha. Ou não fosse ele um apreciador das coisas boas da vida.
O trabalho de Miguel Guedes é todo feito na fábrica, mas já teve a oportunidade de privar de perto com vedetas do mundo da Fórmula 1 de hoje e de outros tempos, como Lewis Hamilton, Nico Rosberg e Niki Lauda (falecido recentemente). De Lewis Hamilton, diz ser “uma pessoa bastante acessível, que já foi bastante mais arrogante”.
Viver a experiência de se sentar ao volante de um Fórmula 1 é que está fora de questão. “São vários milhões que estão ali investidos, não é qualquer pessoa que tem capacidade para conduzir um carro daqueles”, diz com um sorriso. Mas quando a equipa ganha sente que essa vitória é também um bocadinho sua e de todos os que nos bastidores contribuem para os êxitos.
O Brexit e a xenofobia discreta
O Brexit é visto com alguma apreensão e Miguel Guedes reconhece que não ficou feliz com o resultado do referendo em que o povo do Reino Unido decidiu sair da União Europeia, por sentir que foi um voto contra a imigração. Diz que há alguma xenofobia discreta ou dissimulada mas até agora não se sentiu discriminado por ser um estrangeiro a trabalhar em Inglaterra - “mas tenho sorte pelo meio em que trabalho, que pela sua natureza tem gente de vários países”, ressalva. Entretanto, para se precaver das eventuais consequências negativas do Brexit, Miguel candidatou-se também à cidadania britânica e a empresa está a apoiá-lo nesse processo.
Falta investimento para fixar ‘cérebros’
Voltar a Portugal para trabalhar está fora dos horizontes. E Miguel Guedes confessa até algum desencanto com o nosso país, embora reconheça que também há aspectos onde Portugal leva vantagem, como a capacidade de improviso, o célebre desenrascanço. Quanto a Santarém, acha que a cidade tem evoluído mas lamenta que não haja mais investimento empresarial que possa ajudar a fixar no nosso país muitos dos ‘cérebros’ que estão a ir para o estrangeiro.