“O mundo está cheio de gente que desperdiçou oportunidades”
Dias depois de o ministro das Infraestruturas e da Habitação ter garantido a reabertura da Estrada Nacional 114 em Santarém e assegurado uma interveção em caso de necessidade nas barreiras junto à Linha do Norte, na sequência de uma intervenção de Duarte Marques, o deputado vem de comboio de Lisboa para dar a entrevista a O MIRANTE. O deputado é natural de Mação e conhecido por estar sempre na ribalta a falar sobre o que for preciso, mas refuta o rótulo de populista. Deputado do PSD há dois mandatos, foi varrido das listas pelo distrito de Santarém pelos seus colegas da distrital, mas ainda espera que o líder nacional lhe reconheça o trabalho e a solidariedade para com o partido. Sócio de uma empresa de publicidade que fez uma campanha contra o primeiro-ministro do seu partido, Passos Coelho, garante que não tem medo de perder o tacho porque tem muita coisa em que trabalhar.
Como é que um jovem de Mação, um concelho do interior, chega a deputado?
O novo presidente da Heinz, uma das maiores empresas do mundo, nasceu em Mação. O juiz português mais considerado e mais temido (Carlos Alexandre) é de Mação. Não vejo diferença, se bem que é mais difícil. O distrito de Santarém é feito de concelhos grandes e pequenos.
Quem é que lhe deu a mão para os altos voos da política?
O melhor exemplo que tive na política foi o meu pai, pela forma como se integrava na comunidade e ajudava toda a gente. Mas o meu salto político devo-o ao Nuno Morais Sarmento e de alguma forma ao Carlos Coelho.
Como é que ganhou a simpatia dessas figuras históricas do PSD?
Fui presidente da associação de estudantes da minha faculdade. Era um aluno que me destacava nos estudos, e como dirigente, e as pessoas vão dando nas vistas e confirmando expectativas. Mas o salto dei-o durante os fogos de Mação de 2003. Era estudante mas estava a ajudar o meu presidente de câmara a lidar com entidades. Na altura, Nuno Morais Sarmento foi ao concelho visitar a catástrofe e passado uns dias recebi uma chamada para ir falar com ele, porque tinha gostado da minha atitude e da minha proactividade.
É o exemplo de que na política não basta ter jeito.
Na vida é preciso ter sorte e saber aproveitar as oportunidades. O mundo está cheio de gente que desperdiçou oportunidades.
E quem é que lhe ensinou as técnicas para poder dominar o partido?
Se dominasse o partido e tivesse essa capacidade, se calhar não estava na situação em que estou hoje (risos). Isso não se aprende. Toda a gente sabe que não tenho jeito para a gestão interna dos militantes, das quotas, dos estatutos, dessa coisa da máquina. Fui presidente da JSD durante dois anos e tínhamos uma oposição que representava quarenta por cento. Disse ao meu secretário-geral que tínhamos de trabalhar tanto até eles se fartarem de andar atrás de nós. Chegámos ao último congresso, em Fátima, e tinha o meu adversário a elogiar-nos e a dizer que tratámos sempre todos por igual.
Foi literalmente varrido das listas às legislativas pelo distrito de Santarém.
Não é certo. O processo de escolha de deputados para o PSD ainda não terminou. O PSD ainda vai ter um conselho nacional.
Quer dizer que anda a mover influências.
Tem havido é muita gente a ligar-me muito surpreendida com esta posição. Tenho a consciência tranquila do trabalho que fiz e como fiz. Esse é um assunto que se resolve internamente, nos órgãos próprios do PSD. Se eu ficar fora das listas não é grave. Grave é o estado do Hospital de Santarém, as linhas do caminho-de-ferro, as listas de espera na saúde.
Se ficar fora vai fazer o quê?
Tenho várias coisas para fazer. Recebi imensos convites que sempre recusei por estar na política porque nunca quis fazer as duas coisas. Sou o exemplo de um deputado trabalhador, leal ao partido, ao país e aos eleitores. Portanto, vamos ver o que o líder do partido vai fazer.
Já aprendeu que apostar no cavalo errado tem consequências?
Nunca me arrependo, é muito raro. Eu já apostei em vários cavalos que perderam. Acredito que o atual líder do partido saiba quem eu sou, o que já fiz, o que é que eu já trabalhei.
Se ficar mesmo de fora vai desligar-se?
Tenho consciência que estes oito anos foram muito mais importantes que este episódio triste, que só é triste, mais nada. Gostei muito do trabalho que fiz e acho que as pessoas reconhecem isso. A vida é o que é. Posso fazer política sem ser na Assembleia da República. Nunca deixarei de ter o bicho da política.
Esta limpeza feita pela distrital prejudica mais o Duarte Marques ou o partido?
O partido é muito mais importante que o Duarte Marques e o país é muito mais importante que o PSD.
O que acha da lista que já foi divulgada?
A única coisa que foi divulgada oficialmente é a cabeça de lista. É uma excelente escolha, uma notável autarca. A Isaura Morais é um nome que recebe o carinho de todos nós.
Dentro dos partidos não se pode ter às vezes uma opinião muito activa.
A credibilidade que tenho dentro do partido e junto dos ex-líderes é precisamente por marrar de frente. Eu não marro nas costas. Quando discordo digo no local próprio.
Com isso ganha anticorpos?
Ganho mais respeito do que anticorpos. Não sou carneiro, as pessoas respeitam isso. Sou leal e frontal, defendo os meus amigos até à última quando têm razão, dou a cara, quando muitos são cobardes e ficam de fora. Tenho as mãos limpas.
NÃO SOU PARECIDO COM O MIGUEL RELVAS
O rótulo de político populista assenta-lhe bem?
Gosto de ser anti-sistema e não gosto de ser politicamente correcto. Agora se o título for de proximidade e autenticidade, sim. Eu acho que o que me caracteriza mais é ser muito autêntico. Acho que melhor que isso é impossível.
Às vezes parece ter algumas parecenças com o estilo de Miguel Relvas. É um político que é a sua referência?
Não. Tenho respeito pelo Miguel, que foi muito importante para este distrito, mas o estilo não tem nada a ver.
O estilo de estar em todo o lado e comentar tudo.
Se diz de interesse em resolver problemas das pessoas, isso sim. Agora, obviamente, basta ver o meu percurso na assembleia e ver o do Miguel para perceber que são estilos muito diferentes.
Não é político com quem tenha grandes interacções?
Não. Já tive boas interacções com o Miguel, hoje em dia não tenho uma proximidade como tive no passado.
Afastaram-se?
As pessoas têm percursos de vida que às vezes as aproximam e outras vezes separam. O Miguel foi muito importante para o distrito de Santarém, e isso ninguém pode deixar de reconhecer.
CONSULTOR QUE NãO É CONSULTOR
No seu currículo aparece como consultor. Isso, normalmente, é aquilo que os políticos metem quando não têm uma profissão.
Antes de entrar para a assembleia estava a criar em conjunto com uns amigos uma empresa de consultoria em assuntos europeus e em fundos comunitários. Depois isso nunca se chegou a efectivar e na altura a profissão que estava para desempenhar era essa.
Então agora não tem profissão?
Desde que sou deputado abdiquei de trabalhar em privado, apesar de muitos convites para isso. Faço consultadoria de borla para quem precisa e ajudo quem precisa.
Ajuda-os a perceber como funciona o sistema?
Não. Muitas vezes costumo dizer que na Assembleia, junto do Governo, nós representamos os cidadãos e os interesses do distrito. Os interesses do distrito são as empresas do distrito e os cidadãos.
Então mas presta consultoria em quê?
Estava a brincar. Agora faço outras coisas, mas não tem nada a ver com assuntos profissionais. Dedico-me a outras causas. Por exemplo: sou voluntário na associação Helpo não recebo dinheiro, não tenho qualquer proveito.
Autarcas sem jeito, o aperto a Berardo e a vida privada
A região está bem defendida pelos políticos?
Sim, ao contrário do resto do país, não querendo ser injusto. Devo dizer que às vezes tive que ligar aos deputados dos outros partidos pelo distrito e alinhámos em muita coisa.
Há muitos presidentes de câmara no distrito que primam pela falta de jeito.
Há alguns que valha-me Deus. Termino este mandato com alguma mágoa de não conseguirmos ter criado força suficiente para resolver o problema do IC3 ou da passagem na Chamusca.
Os autarcas também não se mexem?
Não sei se é os autarcas, se é o autarca. Já tentei várias vezes ajudar. O próprio Rui Rio já veio cá falar sobre isso. Se fosse autarca já tinha fechado aquela estrada durante uma semana.
Já teve algum desaguisado com algum autarca?
Nunca tive um desaguisado, mas havia uma autarca que ficava incomodada quando eu intervinha, interferia em assuntos do seu concelho. Era a presidente da Câmara de Abrantes. Devo dizer que desde que ela saiu que a relação com o novo presidente é muito mais cordial e saudável, porque percebe que o interesse é Abrantes e não é ele.
E agora que ela está no governo, tem falado com ela?
Não tenho falado muito com ela, mas espero que esteja a resolver os problemas que tantas vezes não sei se conheceu ou procurou resolver quando era presidente.
Ultimamente ficou conhecido por ter sido duro com o Joe Berardo na comissão de inquérito.
Obriguei-o a dizer muitas coisas que em processo judicial vão ser muito importantes. Se o escrutínio aos ministros fosse feito com as armas que temos na comissão de inquérito, que é a possibilidade pergunta-resposta… É muito fácil ao Governo ir à assembleia dar respostas tolas sobre assuntos que nem sequer lhe perguntam.
Estava mesmo com vontade de apertar com o Berardo.
Ele foi um dos que mais disse a verdade. A postura, para mim, não foi importante. A quem devemos exigir não é a ele, ele era o privado, temos de exigir a quem usou o dinheiro dos contribuintes, que obrigou a por dinheiro em agendas políticas e pessoais.
Há um tempo foi notícia porque meteu a licença de parentalidade.
Foi para dar a oportunidade ao presidente da distrital do PSD (João Moura) de ser deputado durante um mês, também faz parte.
Foi só por isso?
Não, estou a brincar. Percebi que para a ligação com a minha filha isso era importante. Aliás, a minha mulher fez-me perceber isso.
Não o vemos aparecer publicamente com a esposa ou a criança.
Quando elas quiserem aparecer aparecem. Quando a bebé puder dizer que quer aparecer, aparece. E a mãe é uma pessoa reservada, e tem a sua vida pessoal e privada.
Nunca a levou a uma acção política?
Ela é militante do PSD. Tem é mais que fazer, tem outras coisas, outros interesses. Tanto a mãe como a filha são lindíssimas e tinha o maior prazer em as mostrar. As pessoas têm de ter um lado pessoal, que é reservado.
O Tejo e a figura de parvo com o açude de Abrantes
Não devia haver uma agenda para o ambiente ou para o Tejo em particular
Temos demasiadas agendas e poucas soluções. O PS tem por hábito ter agendas, quando se tem uma agenda é porque não se tem uma reforma. Quando o PAN apareceu, o André Silva diz isso muitas vezes, fui dos poucos que reconheceu a importância de haver um partido assim. O partido mais ambientalista em Portugal, se olharmos para a história, acaba por ser o PSD, porque “Os verdes” são uma fraude, um braço do PCP, que faz de conta que está preocupado com o ambiente.
Há anos que não se faz grande coisa pelo Tejo.
Foi o Governo do meu partido que mandou encerrar a Fabriolio a primeira vez em Outubro de 2015. Tal como a primeira investigação às empresas de Vila Velha de Rodão foi ainda nesse tempo.
Não fica chocado com a situação do açude de Abrantes?
Nunca critiquei a opção de se fazer um açude, o problema é aquele açude. Tive várias divergências em Abrantes por causa disso. O do Pego foi mal feito, e este foi mesmo muito mal feito. No de Abrantes não foi assegurada a questão ambiental nem a manutenção. Este açude foi feito por uma empresa privada que tinha um contrato de manutenção durante cinco anos e a partir daí a Câmara de Abrantes nunca mais fez nada. Portanto o problema é a falta de empenho da Câmara de Abrantes, sobretudo por nos ter feito de parvos durante muitos anos.
Fizeram-nos de parvos porquê?
Porque andaram a dizer que a responsabilidade não era da câmara e que aquilo funcionava muito bem. Quando fomos ao local percebemos que não era verdade que o açude estava em baixo por causa das obras na ponte. Estava era avariado.
Ou seja, aquilo é um açude desnecessário.
Foi uma decisão política fazer um espaço aquático agradável e eu isso percebo. O que não aceito é terem feito um açude mal feito, não o manterem, não o acompanharem, não tratarem dele. Depois percebi que aquilo era uma fraude política.
Sócio de uma empresa de publicidade que reserva a vida privada
É sócio de uma empresa de publicidade. Não se imaginaria o Duarte Marques nessas funções.
É porque não me conhece bem. Eu gosto imenso de criatividade e publicidade.
Como é que se mete nisto?
Um dos meus amigos vendeu uma empresa grande e montou uma pequenina e disse-me que gostava de ter três ou quatro sócios. Tenho cinco por cento. Infelizmente não lhe arranjo um único cliente e só lhe afasto clientes por estar na política.
Não tem interferência nas campanhas?
Esta empresa já teve uma campanha contra o Passos Coelho. Não tem ligações políticas nenhumas, é completamente livre, tem clientes giros, eu nunca ganhei um tostão naquela empresa.
O Passos Coelho é que não ficou muito contente.
Não faz mal. Também tivemos várias com o Sócrates e o Costa. A empresa não concorre a nada que é público por minha causa.
“Entristece-me a relação dos politécnicos”
O anterior presidente do Politécnico de Santarém ligava-lhe importância?
Era o único presidente que eu não falava regularmente e nunca percebi porquê. O do Politécnico de Tomar falava comigo todas as semanas. Entristece-me os politécnicos de Santarém e Tomar não terem uma relação activa, próxima. Que desse a entender que são quase só um e que trabalhavam em parceria. Podíamos ser uma massa crítica a duplicar e somos uma massa crítica que em vez de duplicar diminui.
Tem noção que o Politécnico de Santarém perdeu importância?
Perdeu imenso! Tenho alguma fé nesta nova direção. Mas sim, perdeu imensa dinâmica e imensa capacidade.
Para além das polémicas internas.
Tive um ministro a dizer-me que não vinha ao Politécnico de Santarém porque havia processos a decorrer e podiam acabar mal. Como foi o caso da residência de Rio Maior.
Ou seja, o Politécnico de Santarém tem uma má imagem.
Vamos ver se já a ultrapassou. Via os politécnicos do distrito a darem-se melhor com os politécnicos de outras zonas do país do que entre eles. Quando via os politécnicos de afastados da Nersant, num espaço territorial tão curto, via que isso não era compreensível. Tentei ajudar nisso. Acho que se deve exigir sempre mais aos politécnicos.
A visibilidade ajuda a ter importância
Não são todos que escrevem para grandes jornais ou que aparecem nas televisões a fazer comentários. Como é que tem essa projecção?
Há sempre uma leitura que se faz de que foi o partido que escolheu. Mas não foi. Nem no caso da SIC, nem no Expresso. Nos dois casos foram eles que me convidaram pelo que eu dizia e pela forma até mais independente como falava sobre certos temas. Faço isso à borla. Quando estamos na política e em serviço público devemos desempenhar assim essas funções.
A visibilidade dá-lhe importância?
Não tenha dúvida que quando é para resolver problemas dá importância. É muito difícil para um deputado na oposição conseguir resolver problemas, porque o Governo não nos ouve. Quando estamos no poder a nossa capacidade de influência depende da nossa visibilidade.
Tem de ser falado para ser respeitado?
Admito que para um ministro levar uma crítica minha pesa mais do que de outra pessoa, tal como um elogio meu.