Peregrinos de Santiago dão nova vida a desertificada aldeia de Vialonga
No último ano passaram pelo albergue de Alpriate 1.145 pessoas. Associação de Peregrinos Via Lusitana foi a responsável pela criação de um albergue em Alpriate, às portas de Lisboa, que é a primeira paragem na longa caminhada entre Lisboa e Santiago de Compostela. Vila Franca de Xira foi o primeiro concelho a sul do Porto a marcar os caminhos de Santiago.
Todos os anos centenas de peregrinos que rumam a Santiago de Compostela (Espanha), vindos de todo o mundo, param para dormir e recompor forças em Alpriate, uma pequena aldeia da freguesia de Vialonga que sofre com a desertificação às portas de Lisboa, permitindo dessa forma manter movimento de pessoas e dinamismo económico.
Com pouco mais de centena e meia de moradores, Alpriate é ponto de passagem, entre Março e Outubro, dos caminhos de Santiago. Foram 1.145 caminheiros no último ano que ali pararam, oito deles portugueses e a maioria (220) italianos. O albergue é gerido pela associação de peregrinos Via Lusitana, que tem um núcleo no concelho de Vila Franca de Xira.
Para quem inicia a peregrinação em Lisboa, Alpriate é a primeira paragem para recompor forças, na longa jornada de mais de 500 quilómetros até Santiago que se cumprem em 30 dias. A Via Lusitana, que gere o albergue, nasceu em 2010 pela mão das primeiras pessoas ligadas ao levantamento do caminho de Santiago, entre Lisboa e Porto, em 2003. José Luís Sanches e Natércia Romãozinho são dois dos rostos da associação que apoia os peregrinos.
O albergue de Alpriate nasceu em 2016 e, com o apoio da Câmara de Vila Franca de Xira e da Junta de Vialonga, foi recebendo pequenas obras de melhoria. Nele os peregrinos encontram cozinha, duches e camas para dormir. No dia em que O MIRANTE visitou o espaço estavam de passagem dois italianos, dois holandeses e dois australianos. “Damos uma hospitalidade simples a quem nos visita, um local para repousar antes de seguir caminho. Muita gente chega aqui já com 22 quilómetros nas pernas. Entre Lisboa e Vila Franca de Xira não havia nenhum local onde os peregrinos pudessem ficar e a Azambuja já era longe, por isso lembrámo-nos de Alpriate que é uma aldeia muito simpática”, conta José Luís Sanches.
Uma lufada de ar fresco para a aldeia
Na região há albergues do caminho de Santiago em Alpriate, Azambuja e Santarém, os dois últimos geridos pelas respectivas Misericórdias. Em Alpriate são os voluntários da associação que gerem o albergue, que tem uma lotação máxima de 10 pessoas por noite.
Fernando Nunes mora em Alpriate há 64 anos e diz que este projecto foi o melhor que podia ter acontecido à aldeia. “Os novos foram-se todos embora e só ficaram os velhos, por isso os peregrinos vêm trazer animação aqui e estão sempre a tentar falar connosco, não consigamos preceber”, conta Fernando com um sorriso. O vizinho, Raúl, foi emigrante em França e por isso ainda consegue dialogar com os franceses que passam na aldeia. “E já começo a dar uns toques de inglês também”, confessa.
O presidente da Via Lusitana confirma que a aldeia se envolve muito com os peregrinos. “Temos gente que passa aqui e está sempre a querer saber quantos estão a chegar ou a partir. É um motivo de conversa na aldeia”, conta.
E no futuro tudo aponta para que sejam cada vez mais os estrangeiros a passar por Alpriate. No primeiro ano o albergue foi visitado por 800 pessoas, o ano passado por 1.145 e este ano os dirigentes esperam chegar às 1.200. A Via Lusitana é a única associação portuguesa que tem direito a emitir uma credencial do peregrino, autorizada pela Catedral de Santiago, onde os peregrinos podem carimbar os locais de passagem e no final da jornada pedir um diploma em Santiago a certificar que fizeram a peregrinação. Todos os caminhos estão assinalados e por isso não é preciso mapas. Os caminhos na região estão bem mantidos e não há registo de queixas, explicam os dirigentes.
Vila Franca de Xira na linha da frente
Vila Franca de Xira é considerada um exemplo nacional no que diz respeito à aposta nos caminhos de Santiago, tendo inclusive sido o primeiro município a sul do Porto, em 2012, a marcar todo o seu caminho na íntegra de forma oficial. “Ainda este ano voltaram a pintar tudo e a sinalização é muito boa. Estamos muito satisfeitos”, elogiam os dirigentes.
Mas afinal, o que leva alguém a meter uma mochila às costas e fazer mais de 500 quilómetros a pé? José Sanches tenta explicar: “Nós somos uma associação laica, por isso há espaço para todos, os que peregrinam pela fé e os que o fazem por mera superação pessoal. É acima de tudo uma viagem pessoal, de introspecção e de partilha com os outros. É dificil explicar. Só vivendo a experiência para se perceber”, conta.
No café de Maria José deixam-se mensagens
Maria José tem o café Grillus há 26 anos em Alpriate e por ser um dos estabelecimentos que fica mais perto do albergue está com frequência cheio de peregrinos que ali vão fazer as suas refeições. Tem um livro de viagem onde todos podem assinar a sua passagem e nas paredes vários objectos oferecidos pelos caminheiros. No seu livro de visitas tem mensagens de gente de todo o mundo.
“Isto influencia muito a vida da aldeia e para quem tem negócios é vantajoso. Acho que eles ficam com uma boa ideia da nossa aldeia, somos pessoas muito acolhedoras e ajudamos no que podemos. Foi uma mais-valia ter vindo o albergue”, conta a O MIRANTE. Por causa da língua Maria José confessa que apesar de ter aprendido inglês na escola agora teve de “aprender a desenrascar-se” e já oferece menus em várias línguas.