“É um perigo viver em Aveiras de Cima”, diz o presidente da junta António Torrão
A proximidade de Aveiras de Cima às instalações da Companhia Logística de Combustíveis representa um risco que o presidente da junta não esquece e denuncia nesta entrevista. António Torrão diz que a greve dos motoristas deu projecção nacional à terra e considera que o modelo de desenvolvimento do concelho deve passar por mais investimento municipal. A qualidade do ar que se respira na terra é outra das suas preocupações.
O presidente da Junta de Aveiras de Cima, António Torrão (CDU), teve a sua freguesia no epicentro do turbilhão mediático que envolveu as greves dos motoristas de matérias perigosas, em Abril e Agosto, e admite que não serão muitos autarcas que vêem a sua freguesia ganhar tal projecção.
Mas, para o autarca, mais do que as greves e as suas consequências, o que o preocupa é o risco latente de se viver paredes meias com enormes depósitos cheios de combustível. Uma espécie de barril de pólvora em tamanho XL. “A população não tem noção do perigo que é viver aqui. Talvez 10 por cento tenha, mas a maioria não”, diz o autarca, referindo-se ao facto de a Companhia Logística de Combustíveis (CLC) estar instalada às portas da malha urbana. Reconhece que a empresa “trouxe desenvolvimento, criou postos de trabalho e ajudou a fixar mais pessoas, mas é elevado o risco que lhe está associado”, afirma.
No caso de catástrofe, refere o autarca, “um raio de 60 quilómetros vai pelos ares” e falta saber se os meios estão devidamente preparados e se têm os equipamentos necessários para enfrentar uma situação daquelas. Há cerca de dois anos realizou-se um simulacro envolvendo várias empresas, entre elas a CLC, Protecção Civil, corporações de bombeiros, população e autarcas, para se perceber como agir em situação de catástrofe. É preciso fazer mais, na perspectiva de Torrão.
E falando no presente e não em possíveis catástrofes, a situação não melhora. O autarca continua a querer saber se o ar que se respira em Aveiras de Cima cumpre ou não parâmetros de qualidade. É que os resultados de um estudo realizado há precisamente um ano concluíram que a qualidade do ar era de nível mediano, sendo o poluente mais preocupante o PM2.5 (aglomerado de partículas finas, tóxicas e poluentes de vários compostos químicos). O que não lhe tirou as dúvidas. “Não se fazem medições do ar em Agosto, quando as fábricas estão a meio gás. Quiseram passar uma esponja para limpar o assunto, mas não me convencem”, vinca. António Torrão vai continuar a insistir junto da Câmara de Azambuja para que seja instalado um aparelho de monitorização na freguesia e realizadas várias medições ao longo do ano.
Desenvolvimento do concelho passa por investir em Aveiras de Cima
António Torrão diz que é preciso perceber que o desenvolvimento do concelho de Azambuja passa por investir em Aveiras de Cima pela sua centralidade, dimensão e potencial. O presidente da junta de freguesia, que está a cumprir o segundo mandato, sempre com maioria absoluta e eleito pela CDU, está satisfeito com a compra do antigo cinema de Aveiras, que esteve durante décadas ao abandono e que o município se compromete agora a transformar num centro cultural com dois auditórios, um deles com 300 lugares.
“O concelho não se pode desanexar da cultura, precisamos de crescer em massa crítica. E não podemos ignorar que Aveiras é a freguesia mais central num concelho que tem localidades muito distantes umas das outras”, afirma. Frisa ainda que o desenvolvimento só é possível se mais investimentos passarem por Aveiras, o que já considera ser notório no Plano Director Municipal (PDM), actualmente em revisão.
Quanto às transferências de competências do poder central para as autarquias locais, Torrão apelida-as de “aberração”. E explica porquê: “Quando se transfere seja que competência for sem um orçamento ou um quadro técnico que a acompanhe não se pode chamar outra coisa. Somos o parente pobre da política nacional. Dão-nos umas migalhas para andarmos entretidos”.
A Junta de Aveiras de Cima tem um orçamento de 260 mil euros, com metade a ser absorvida com despesas com pessoal. Nesta matéria, considera o autarca, “a câmara municipal podia ter ido mais longe - até ao milhão de euros para as seis juntas - agora que está de boa saúde financeira”. Mas não levanta grande poeira, já que foi batalha dura chegar-se a este acordo que trouxe às juntas mais 200 mil euros (num total de 700 mil) comparativamente ao orçamento anterior.
António Torrão vinca ainda que esta é uma freguesia que apoia as suas associações. “De três em três meses transferimos uma verba a quatro colectividades”, que se traduz num apoio anual de 1.200 euros a cada. O autarca, que esteve durante seis anos como director da banda Filarmónica de Aveiras de Cima e que é o actual presidente do conselho fiscal do Aveiras Sport Club, diz que é preciso incentivar as pessoas a viver em comunidade e realça: “Com o crescimento populacional e melhorias salariais sentiu-se a crise no associativismo. Mas dizer bom dia e conviver faz falta a qualquer pessoa, não podemos viver fechados em casa”.
Maiorias absolutas e politiquice
Na parte mais política da entrevista, António Torrão lamenta que muitos autarcas “não entendam o conceito de política local” e ponham “demasiado peso” nos partidos pelos quais foram eleitos. “Estamos ao serviço da comunidade e não de uma cor partidária”, frisa. Para o autarca, “uma maioria absoluta numa junta de freguesia é benéfica”, porque deixa os eleitos “mais à vontade para governar”, mas salvaguarda que “não se deve fechar portas a ideias” vindas de outras forças políticas.
Foi eleito duas vezes consecutivas com maioria absoluta. Candidatou-se pela primeira vez há 24 anos nas listas da CDU encabeçadas por Justino Oliveira. E nas vezes seguintes, sempre a servir no cargo de secretário, até o seu antecessor deixar a gestão autárquica. Foi secretário no executivo no tempo em que se faziam actas à mão e se dependia do presidente de junta para tudo. “Hoje os serviços administrativos são autónomos. Venho à junta diariamente, mas não estão à minha espera para resolver os problemas às pessoas”, refere.
Um construtor civil que foi agricultor
António Torrão nasceu a 14 de Novembro de 1959, na porta número 1 no Bairro da Fonte, em Aveiras de Cima. Filho de pai agricultor, nascido na terra do vinho e da vinha, foi aos 11 anos trabalhar para o campo. É do tempo em que naquela localidade as pessoas se juntavam nas tabernas para ver televisão, porque não as havia em casa.
Recorda que no 25 de Abril de 1974 “estava a cavar e a amanhar as cepas numa vinha”, quando um homem foi lá dizer que havia uma revolução. Ouviram o recado e continuaram a trabalhar. E a beber. “Naquela altura bebia-se muito para aguentar o esforço árduo do trabalho”, diz. Cumpriu serviço militar obrigatório em Mafra. “Fazia parte da equipa de atletismo, por isso vivi 18 meses a correr”, conta.
Tentou aprender música na Filarmónica de Aveiras de Cima, mas jeito para a música nunca teve. “Enfiei o livro na caixa do correio e desisti. Mais tarde fui director de banda, mas não aprendi a tocar nenhum instrumento”, conta. Compra quase tudo o que come e veste em Aveiras de Cima, vai a cafés e almoça nos restaurantes locais. Costuma dizer que dá “consultas aos fins-de-semana nos supermercados”, onde é muito abordado.
“Não evito lugares porque sei que vou encontrar pessoas que vão reclamar disto ou daquilo. Os autarcas locais devem privilegiar a proximidade com as pessoas”, aponta. É casado há 37 anos e tem três filhos. Trabalha desde os 15 anos no sector da construção civil. Profissão que agora divide a meio tempo com a junta de freguesia.