
“Tomar perdeu o fulgor por inoperância do poder político”
O presidente da Junta de Freguesia de Serra e Junceira, concelho de Tomar, foi inspector da Polícia Judiciária durante 34 anos. Investigou o acidente em que morreu Francisco Sá Carneiro e ajudou a prender mais de metade dos evadidos da prisão de Alcoentre, em 1978. Mais difícil está conseguir levar água e saneamento básico a toda a freguesia. Aos 65 anos, Américo Pereira tem muitas histórias para contar e partilhou algumas com O MIRANTE.
Na União de Freguesias de Serra e Junceira, concelho de Tomar, há lugares onde ainda não existe água potável nem saneamento básico. Há cerca de uma dúzia de lugares onde os arruamentos ainda são em terra batida. Segundo o presidente da junta, esta é a maior freguesia do concelho e a mais carenciada. Américo Pereira considera que nos anos 90 do século passado a Câmara de Tomar poderia ter feito mais por estas freguesias que foram agregadas em 2013.
“Nos anos 90 houve muitas candidaturas a fundos comunitários que resolveriam o problema da falta de saneamento e das redes de distribuição de água mas nada foi feito, sobretudo na freguesia da Serra. Agora é mais difícil porque não existem fundos comunitários para estas áreas. Como é que estamos há 20 anos no século XXI e ainda existem pessoas sem acesso a água potável e saneamento?”, questiona.
O autarca, eleito por uma lista independente, explica que recentemente, com o apoio do município, resolveram a situação no Carvalhal que já tem água pública e as ruas foram pavimentadas. Actualmente estão a pavimentar o Vale da Laje depois de ter sido instalada a rede de distribuição de água há cerca de um ano. Esta intervenção foi possível graças a uma candidatura ao Programa Operacional de Sustentabilidade e Eficiência no Uso dos Recursos (POSEUR).
Américo Pereira é autarca desde 2009 altura em que se candidatou a presidente da Junta da Junceira. Em 2013 e 2017 voltou a ganhar, já com as freguesias agregadas. O autarca admite que era muito mais fácil governar apenas a freguesia da Junceira que tinha 13,2 km2. Agora são 47 km2 e uma imensa área florestal. O receio dos fogos no Verão é uma realidade todos os anos e a limpeza de terrenos não é tão fácil como os governantes fazem crer. As duas freguesias têm cerca de dois mil habitantes. A população da Serra é mais idosa enquanto na Junceira se têm fixado muitos casais jovens devido à proximidade da A23 e ao centro de Tomar.
Américo Pereira é conhecido por ser dos autarcas mais interventivos e críticos nas assembleias municipais. “Tento melhorar a vida às pessoas, sendo na minha área territorial ou não. A assembleia municipal perde-se em coisas sem importância e deixa de avaliar e discutir o que é importante para o concelho. É uma situação que já acontece há vários anos e que leva ao desinteresse cada vez maior dos cidadãos”, critica.
“Nenhuma cidade se desenvolve sem criação de emprego”
O autarca considera que o concelho de Tomar tem evoluído de forma contrária aos restantes municípios da região Centro. “Tomar não evoluiu nada nos últimos 40 anos. Era uma cidade de referência na zona centro, era uma região militar, tinha fábricas, cerâmicas e o Grupo Mendes Godinho, que era um mundo. Nessa altura Tomar tinha fulgor e fervilhava de actividade. O concelho perdeu toda essa chama por inoperância do poder político da altura”, acusa.
Américo Pereira considera que o Plano Director Municipal (PDM) tem condicionado o desenvolvimento do concelho com o sucessivo adiamento da sua revisão. “Nenhuma região nem nenhuma cidade se desenvolve sem emprego. A fixação de pessoas só acontece se houver emprego. Se no PDM não temos área nenhuma onde uma grande empresa se possa instalar não é possível haver desenvolvimento do concelho”, sublinha.
“O Instituto Politécnico de Tomar e a Softinsa são as entidades que dão dinâmica à cidade mas é preciso muito mais empresas para Tomar poder ser um município forte, como têm sido Torres Novas e Ourém que se têm destacado na zona do Médio Tejo nos últimos anos”, conclui Américo Pereira.
Investigou a morte de Sá Carneiro e rejeita tese de atentado
Américo Pereira foi inspector da Polícia Judiciária (PJ) durante 34 anos. Estava de piquete nas instalações da Rua Gomes Freire, em Lisboa, quando teve conhecimento, através da televisão, que uma aeronave tinha caído em Camarate. Os seus colegas foram imediatamente para o local enquanto ele foi buscar o médico legista antes de seguir para a zona do acidente. O ex-inspector não tem dúvidas que não houve nenhum atentado ao avião Cessna que transportava, entre outros, o então primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro e o ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa.
“O grande responsável pelo que aconteceu foi o piloto, que não teve os cuidados e cautelas que deveria ter enquanto responsável pela aeronave. A avioneta começou a levantar voo muito para lá da margem de segurança. Depois, o avião embateu em fios de alta tensão e despenhou-se. Foi um lamentável acidente”, recorda o ex-PJ que participou nas investigações.
Américo Pereira esteve 15 anos na área dos assaltos à mão armada. O seu primeiro grande caso foi a captura dos evadidos da prisão de Alcoentre, em 1978. A sua equipa conseguiu apanhar mais de metade dos que fugiram. Também se recorda da fuga dos ‘Cavacos’ de Pinheiro da Cruz em que estes mataram alguns guardas ao evadirem-se da prisão da zona de Grândola.
“Durante esse caso estive cinco dias sem ir à cama para tentarmos apanhá-los. Havia alturas em que não via os meus filhos durante duas semanas porque mal ia a casa. Envolvemo-nos sempre muito nos casos e a família foi algumas vezes sacrificada”, confessa. Durante uma detenção no antigo bairro da Musgueira ficou ferido depois do familiar do homem que iam capturar lhe ter dado com um ferro de engomar roupa que estava quente.
Mais tarde passou para a investigação dos chamados crimes do colarinho branco. Deu uma colaboração pontual no célebre caso D. Branca. Também trabalhou na área das falsificações e nos últimos dois anos de serviço esteve na parte burocrática, que foi o que menos gostou por se considerar um homem de acção que não tem feitio para estar parado.
Um regresso às origens
Américo Pereira nasceu e cresceu em Olalhas, concelho de Tomar. É o mais novo e o único rapaz de quatro filhos. É casado, tem dois filhos e três netos. Terminou o actual 12º ano e estava no curso de Secretaria e Relações Públicas quando soube que tinham aberto vagas para a PJ e decidiu inscrever-se. Esteve lá 34 anos. Em 2009, dois anos antes de se reformar decide candidatar-se à Junta de Freguesia de Junceira e regressar à terra natal. Desde a juventude que tem consigo o ‘bichinho’ da política.
“Achei que Tomar precisava de mudança. Estava tudo muito estagnado e por isso avancei. Não me arrependo. Todos os dias tento fazer um bocadinho mais pela minha freguesia e pelos meus fregueses”, explica a O MIRANTE. Nos tempos livres gosta de estar com a família e dedicar-se à vinha e ao olival que possui. Diz que enquanto lá está descomprime do stress do dia-a-dia.

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