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“Não é fácil assumir opções quando não há dinheiro para atender todas as necessidades”
Teresa Almeida foi reconduzida na presidência da CCDR-LVT nas eleições de 13 de Outubro

“Não é fácil assumir opções quando não há dinheiro para atender todas as necessidades”

Teresa Almeida é a primeira presidente eleita da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, entidade que abrange 52 municípios dos distritos de Santarém, Lisboa, Setúbal e Leiria. Arquitecta de formação, assume-se como técnica e não se imiscui nas decisões políticas. Acerca de questões na ordem do dia, diz não haver razões técnicas para fechar o contestado aterro de Azambuja e reconhece que o Tejo tem de ser potenciado. Sobre a não inclusão no plano de investimentos do Governo de alguns projectos estruturantes para a região, considera que se tratou de uma questão de prioridades e não de falta de peso político dos autarcas ribatejanos.

Sente-se mais nomeada ou eleita, tendo em conta que foi indicada pelo Governo e não teve concorrentes na eleição para a presidência da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT)?

Sinto-me mais legitimada, embora o processo não tenha sido ainda completamente no formato de uma eleição tradicional. Acho que é um processo distinto mas legítimo, no contexto em que houve um universo de eleitores, os autarcas, e foi muito participado. Foi muito positivo na interacção que gerou.

O facto de não ter tido concorrentes não minimiza um pouco o mérito da sua eleição?

Penso que não. Havia possibilidade de aparecerem concorrentes, como aliás aconteceu na CCDR Alentejo. O facto de ter havido um reconhecimento, por parte do Governo, de que quem já cá estava tinha condições para poder ser pelo menos candidato, não nos retira mérito, antes pelo contrário.

Ser eleita por autarcas com quem se vai relacionar de perto devido a inúmeras situações aumenta o peso da responsabilidade?

Temos talvez uma maior responsabilidade, pois este acto pode ser visto como uma manifestação de confiança.

A maior parte dos municípios ribatejanos integram territorialmente a CCDR-LVT mas recebem fundos europeus através das CCDR Alentejo (Lezíria do Tejo) ou CCDR Centro (Médio Tejo). Por isso defendem a criação de uma nova unidade territorial agregando o distrito de Santarém e os municípios do Oeste, que os autonomize da Área Metropolitana de Lisboa. O que pensa disso?

Acho que temos um desafio muito exigente. Por um lado, temos definidas cinco regiões administrativas que já existem há 50 anos; por outro lado, somos a única região do país que lida com estas geometrias variáveis e configurações diferentes há já vários anos.

É complicado lidar com essa situação?

Não se pode dizer que seja mais fácil ou mais difícil, é mais complexo. Mas temos funcionado. Muitos pareceres necessários para aprovação de candidaturas em termos de financiamento europeu exigem a intervenção de duas CCDR. A minha atitude enquanto presidente desta casa é a de ter uma atenção acrescida em relação a esses territórios, por estarem numa situação mais complexa. Sempre que existem pedidos para aprovação de fundos damos-lhes prioridade, precisamente porque se tratam de situações distintas.

Faz sentido um município depender de uma CCDR para determinadas situações, como o ordenamento do território, e depois andar a negociar os fundos da União Europeia com outra CCDR?

Isso é colocar a questão ao contrário. A questão principal é a lógica territorial e da constituição de uma zona de dimensão regional. Havendo a possibilidade de esses territórios poderem beneficiar de apoios acrescidos em termos de financiamento europeu, penso ser compreensível que o possam fazer.

Projectos estruturantes para a região, como a conclusão do IC3 ou a modernização da Linha do Norte entre o Cartaxo e o Entroncamento, há muito prometidos, ficaram fora do PNI2030. É justa a indignação de autarcas e populações?

As expectativas dos autarcas e das populações são sempre justas, na minha opinião. Depois, se há condições concretas para se poder responder, isso já passa pela gestão do Governo. Com certeza que o Governo as ponderou e tomou as decisões. Mas é em sede de revisão dos planos regionais de ordenamento do território (PROT) que podemos retomar determinada actualização de projectos estruturantes, que depois devem ter o correspondente financiamento.

Estamos a falar de dois projectos que há mais de vinte anos estão na ordem do dia. A sua não concretização é uma consequência de os autarcas da região não terem peso político em Lisboa?

Penso que não podemos ver as coisas assim.

A senhora foi autarca e governadora civil, por isso deve saber como as coisas funcionam…

Exactamente por isso é que digo que há muitas ponderações, que há pacotes financeiros que não são elásticos e que têm que ser pesados. Tenho a absoluta convicção que não é por haver mais peso ou menos peso político mas sim porque há opções que têm que ser tomadas.

A credibilidade dos políticos não sai maculada quando ficam promessas por cumprir durante tantos anos?

É uma situação muito complexa. Não é fácil assumir opções quando não há capacidade financeira para se atender a todas as debilidades e circunstâncias. O Governo com certeza fez as opções que tinha condições para assumir. Obviamente, é legítimo que haja manifestações de vontade, em termos locais e regionais, de que não sejam esquecidos determinados projectos.

O líder de uma CCDR tem poder para influenciar decisões a esse nível?

O poder que temos é o de podermos justificar as opções territoriais que defendemos. Por isso continuo a dizer que o momento que se avizinha, de revisão dos PROT, é importante para voltar a colocar em cima da mesa as áreas de investimento ou de priorização mais relevantes. Esse é o grande poder de influência que temos. Quando ficam concluídos, são documentos que influenciam.

Os problemas
e o potencial do Tejo

O Tejo é um elemento agregador desta região que continua por potenciar. O que pensa disso?

O Tejo é realmente o nosso grande elemento agregador. Há planos para serem desenvolvidos, exactamente para potenciar o Tejo em diversas vertentes. Como a salvaguarda em termos ambientais, a valorização que já está a ser feita das suas margens, num movimento relativamente homogéneo por parte de todas as autarquias, que tem sido muito relevante…

De todas as autarquias ou de algumas?

É evidente que as dinâmicas são sempre diferenciadas. Mas se formos fazer um balanço daquilo que aconteceu nos últimos anos relativamente ao tratamento das margens percebemos a valorização que teve este elemento natural.

Mas existem ainda graves problemas nas margens do Tejo, como rombos, por exemplo.

Sim e também problemas de poluição e outros. É um elemento com uma presença fortíssima e altamente relevante.

Está a par do chamado Projecto Tejo, que nasceu da iniciativa privada e que tem mobilizado outros agentes?

Sim, já tenho conhecimento. É oportuno e relevante e acompanharemos com toda a atenção.

Outro projecto que tem relação com o Tejo é o da plataforma logística de Castanheira do Ribatejo, que pouco mais tem que o nome, e a criação de um porto fluvial nessa zona.

A questão das plataformas logísticas é um dos temas que tem de ser traçado. Continuamos a ter necessidade de promover as exportações, de promover a valorização dos nossos produtos e as plataformas logísticas são indispensáveis. Temos que as relacionar com as fontes de produção, por um lado, e também com as cadeias de distribuição, nomeadamente a ferroviária. É um tema que será prioritário.

Esse projecto do porto fluvial em Castanheira do Ribatejo está em andamento?

Neste momento não conheço nenhuma dinâmica associada. Mas também não estou a dizer que não haja.

A questão do novo aeroporto de Lisboa, outro projecto com barbas, parece ter perdido gás com a pandemia e a crise que atravessa o sector aeronáutico. Na sua opinião, a solução Montijo é melhor que a solução campo de tiro de Alcochete?

São situações distintas. Neste momento a decisão do Governo é a do Montijo e é com ela que trabalhamos em termos de possibilidade real. Se, durante este período de revisão do PROT, houver novas indicações, cá estaremos para as acolher.

Autarcas ribatejanos têm defendido outras soluções aeroportuárias na região, como o aproveitamento das bases aéreas de Tancos e de Alverca. O que pensa disso?

Acho que a valorização dos nossos espaços para a actividade aeroportuária é muito significativa. Depois, temos de destrinçar o que é para o transporte de passageiros e o que é para mercadorias. Temos uma riqueza com dimensão relevante nesta área de Lisboa e Vale do Tejo que deve ser promovida e acentuada. O transporte de passageiros é uma componente mas precisamos muito de ter estas infraestruturas para outro tipo de actividades relevantes para o tecido económico.

Uma dirigente que se coloca no lugar dos outros e acorda a meio da noite a pensar no trabalho

A arquitecta Maria Teresa Mourão de Almeida fez-se cedo à vida, casando aos 21 anos, um ano depois da revolução do 25 de Abril. Enquanto estudante de arquitectura começou a dar aulas de desenho três anos antes de terminar a licenciatura. Leccionou em escolas de Alverca e do Laranjeiro e estudava à noite. Era uma época em que tudo acontecia rapidamente.
Quando se formou, em 1977, não havia emprego para arquitectos e Teresa Almeida e o marido, também arquitecto, viram nos Gabinetes de Apoio Técnico (GAT) que estavam a ser criados uma oportunidade. Já com uma filha mudaram de uma vida citadina, mais intelectual, para mergulharem no Alentejo profundo. Foram trabalhar para o GAT de Castro Verde, que dava apoio a cinco municípios, onde esteve três anos muito felizes. Mais uma vez a rapidez da mudança dominou a sua vida. Foi um tempo de aprendizagem rápida num serviço novo constituído por jovens recém-licenciados e retornados das ex-colónias que tinham muita experiência.
Fez muitos desenhos, muitos projectos, alguns que ainda gosta de revisitar pelo gosto que teve em criá-los. Entre eles está o projecto de habitação de uma cooperativa e a creche de Odemira. Foi para arquitectura pelas vivências do contexto familiar. O pai era engenheiro civil na Câmara de Lisboa e, curiosamente, trabalhava no prédio em frente ao seu gabinete na CCDR de Lisboa e Vale do Tejo. O pai esteve muito presente também nas opções dela de enveredar pelo sector público. Nunca trabalhou no privado.
Depois da experiência no GAT foi para Setúbal, de onde pensava já não sair. Trabalhou em projectos que considerou desafiantes na área da habitação social e consolidou a sua tendência para a área do planeamento. Foi a autora do Plano Director Municipal de Setúbal, que concluiu em quatro anos, tendo sido publicado em 1994. O PDM está a ser revisto.
Confessando-se uma grande admiradora dos funcionários públicos, Teresa Almeida foi vereadora pelo PS na Câmara de Setúbal, função que adorava porque o trabalho de um autarca nunca está concluído. Hoje confessa que já não voltava para a vida política autárquica. Candidatou-se à presidência em 2009 mas não ganhou e fechou um episódio na sua vida. Foi ainda governadora civil do distrito de Setúbal.
Teresa Almeida já tinha sido presidente da CCDR-LVT durante dois anos, entre 2010 e 2012. Como dirigente pública geriu também o Departamento do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa. Foi ainda gestora do Programa Operacional Mar 2020, que tem como objectivo implementar em Portugal as medidas de apoio no âmbito do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas.
É natural de Vale de Cambra, distrito de Aveiro, de onde saiu muito nova. Apenas fez a primeira classe no norte. Depois estudou sempre em Lisboa. Considera-se uma pessoa que calcula muito bem as missões que lhe são confiadas e diz lidar bem com as pressões. É organizada e costuma acordar a meio da noite, aproveitando a insónia para reflectir sobre o trabalho e ponderar decisões. Confessa que é habitual fazer o exercício de se colocar no lugar do outro, porque se entender os problemas que estão do outro lado há mais condições para os resolver. Casada há 45 anos tem duas netas de 15 e 10 anos de idade e um neto com sete meses. É neles que concentra as suas atenções nos tempos livres.

Não há razões técnicas para fechar o aterro de Azambuja

A renovação da licença do aterro de Azambuja é contestada por autarcas e população. É um processo que a CCDR tem acompanhado e em que tem poder de decisão. O que pensa fazer?

O que a CCDR pensa fazer, e tem feito, é a verificação do cumprimento das condições de licenciamento. Temos acompanhado até com deslocações mais frequentes do que as que decorreriam em situações que não tivessem este tipo de contestação. E o que temos concluído é que têm sido cumpridas as condições de licenciamento. Percebemos alguma contestação gerada pelos odores mas não temos, neste momento, nenhuma posição técnica para retirar o licenciamento àquela entidade.

A renovação do licenciamento implica a expansão da área do aterro. Os autarcas de Azambuja já disseram claramente que são contra essa possibilidade e querem o aterro fechado. Vai ficar numa posição ingrata.

Tenho que verificar se a entidade que labora cumpre ou não cumpre o contrato. Não posso ter opinião. Tenho é que adequar a nossa decisão às condições que verificarmos. Outra coisa é a vontade política dos autarcas, que é legítima. Pode ter é a consequente indemnização. Pela minha parte, perceberei, se houver essa decisão. E cá estaremos para encontrar alternativas, se for o caso.

Ou seja, se as entidades fiscalizadoras chegarem à conclusão que o aterro está a funcionar dentro dos parâmetros, por muito que cheire mal e que haja contestação, a licença será renovada.

Há sempre os limites da legislação e da legalidade e a renovação da licença está implícita desde que as regras estejam a ser cumpridas. É sobre isso que temos de nos pronunciar. Os próprios municípios muitas vezes também não se sentem confortáveis com determinados licenciamentos que têm que fazer. Já fui autarca e também sei que, por vezes, a minha vontade pessoal não coincidia com a proposta que levava a reunião de câmara. Mas se as regras estivessem a ser cumpridas não havia grande volta a dar.

A importância da transparência na aplicação de fundos comunitários

Um decreto-lei de 2014 que obriga à publicitação em jornais locais e regionais de projectos com financiamento europeu nunca foi cumprido. Não é importante haver transparência sobre como são utilizados os fundos comunitários no nosso país?

Sim, penso que nós fazemos uma publicação nas nossas páginas…

Mas não segundo o que define esse decreto-lei.

Há com certeza constrangimentos financeiros para essas circunstâncias. Há questões que são menos fáceis de cumprir naquilo que é a estrita interpretação do que está escrito. Mas nós consideramos que estamos a cumprir. E concordo que a transparência é importante e ajuda ao exercício das nossas funções.

Sobre a utilização de fundos comunitários, como está a execução do Portugal 2020 no território que coordena?

Estou relativamente satisfeita com o ponto em que estamos neste momento. Temos uma percentagem de 40,5% de execução. Tínhamos 103% de compromisso no fim de Outubro e não pode haver execução sem compromisso. Ainda temos mais algum tempo em 2020 e pode haver algumas aprovações de candidaturas que reforcem o conforto de já termos a nossa verba destinada.

“Não é fácil assumir opções quando não há dinheiro para atender todas as necessidades”

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