Vendedores do mercado de Abrantes contra obras polémicas do município
Comerciantes rejeitam dizer um adeus definitivo ao antigo mercado municipal de Abrantes, que a ASAE fechou há dez anos e o município quer transformar em espaço multiusos. Instalados no novo mercado, dizem-se esquecidos e atirados para um “mausoléu” sem condições nem clientes. Câmara de Abrantes reitera que não há volta a dar na decisão.
O antigo mercado municipal de Abrantes, fechado há 10 anos, está cada vez mais perto de se tornar num espaço multiusos. O concurso público internacional para o projecto de reconversão foi aprovado na última reunião de Câmara de Abrantes. Um dia depois, O MIRANTE foi ouvir os vendedores que passaram do antigo para o novo mercado municipal e a opinião é unânime: tanto se reprova o destino que vai ser dado ao antigo mercado como aquele que lhes foi entregue pelo município há cinco anos.
Dos cerca de 25 vendedores, mais de metade decidiu há 10 anos não continuar o negócio, uns pela idade avançada e falta de saúde, outros pela descrença. Os que acreditaram e estrearam o novo mercado, em 2015, achando que seria temporário, resistem com poucos clientes e nenhuma empatia pelo edifício escuro e frio que apelidam de “prisão” ou “mausoléu”.
A vendedora de hortaliças e queijos, Maria Fernanda Lourenço, 78 anos, diz que o município está a tomar uma decisão errada, à revelia da vontade dos abrantinos. “Aquela é que era a nossa praça e quero voltar para lá. Não imaginam o que é trabalhar aqui com esta idade e com este frio”, diz a vendedora que começou aos 12 anos a vender no antigo mercado, um lugar a que chama de “casa”.
Atrás da sua banca, no piso menos 1, uma entrada sem porta já lhe rendeu uma pneumonia mas muito pouco lucro. “Não vem cá ninguém. As pessoas não gostam disto. Estamos muito mal aqui”, confessa.
“Isto estava bom para ser uma prisão”
No mesmo piso, mas noutra banca, repete-se o lamento. Com caixas de frutas e legumes por vender, prontas a ser empilhadas, Domicília Dias, 70 anos, queixa-se das condições e das dinâmicas para ajudar o negócio que nunca aconteceram. “O dinheiro que gastaram para nos meterem numa cave sem casa-de-banho, onde nem sabemos se lá fora faz chuva ou sol, elevadores que a maior parte do tempo não funcionam... Isto estava bom era para ser uma prisão”, observa. A filha, Maria dos Anjos Silva, acrescenta outro reparo: as escadas são um perigo e local de queda frequente dos mais idosos.
As críticas ecoam por todo o piso, onde durante a semana já só vende uma comerciante. Os restantes já só ali estão ao sábado. “Este mercado nunca foi aceite pelas pessoas de Abrantes. Só não vou vender para a rua por respeito ao presidente da câmara”, desabafa o vendedor de peixe, Virgílio Rego, de 67 anos.
Da anterior presidente do município e actual ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, diz nem querer ouvir falar. “Derreteu-me o negócio e a vida. Proibiu-me de vender na rua e depois é aqui que nos mete”, afirma Virgílio Rego.
Depois de uma vida de negócio passada no antigo mercado, inaugurado em 1933 e fechado em 2010 pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) por falta de condições de salubridade, Conceição Mendonça também ainda não se conformou com a solução que o município arranjou. “Este conceito não serve para mercado, só os nossos autarcas é que ainda não viram isso. Só cá estamos porque precisamos de trabalhar”, conta a florista que, embora tenha um “lugar privilegiado à entrada”, tem dias em que não se estreia nas vendas. “Virmos para cá foi um retrocesso por isso temos que continuar a lutar por aquilo que queremos”, sublinha.
Além dos comerciantes, o grupo informal intitulado “Amigos do Mercado de Abrantes” acredita que ainda é possível reverter a decisão do município. “Têm que escutar a voz da cidadania. Abrantes não tem um mercado municipal que se preze. É naquele mausoléu que vai ficar?”, questiona um dos fundadores do grupo, José Rafael Nascimento, destacando que não se estão a opor a um espaço multiusos, mas a defender que a sua valência principal seja como mercado diário.
Autarquia diz que não recua na decisão
Para que dúvidas ou esperanças não persistam o presidente da Câmara de Abrantes, Manuel Valamatos (PS), afirmou na última reunião do executivo que nenhum autarca “com responsabilidade governativa pode acabar com obras feitas e ir fazê-las noutro lugar”. O que Abrantes precisa, vincou, é de um espaço multiusos para afirmar e desenvolver o concelho acrescentando que o que o actual mercado necessita é de dinâmicas para atrair clientes.
“Não entendemos que o actual mercado seja um fracasso”, observou ainda o socialista que lidera o município, em resposta ao vereador do Bloco de Esquerda, Armindo Silveira, o único a votar contra a proposta do executivo para a reconversão do antigo mercado em multiusos defendendo o regresso dos comerciantes ao edifício.
Concurso público para projecto de reconversão do antigo mercado
O lançamento do concurso público internacional para elaboração do projecto de reconversão do antigo mercado municipal de Abrantes em multiusos foi aprovado pelo executivo municipal, com um valor base fixado em 135 mil euros mais IVA. Os concorrentes que apresentem os três melhores projectos vão ainda receber um prémio monetário no montante global de 18 mil euros isentos de IVA. O primeiro prémio - a ser descontado do valor base fixado - será de 10 mil euros, o segundo de cinco mil e o terceiro de três mil euros.