Serranos, Campinos e Bairrões - Personagens que Povoam os Textos - Pastores da Lezíria
Não é com propriedade que se chamam pastores aos homens que, na vastidão das lezírias do Tejo, vigiam as manadas de cavalos ou de touros. O seu nome vulgar é moirais, pronúncia popular da palavra maioriais.
Personagens que Povoam os Textos – Pastores da Lezíria1
Não é com propriedade que se chamam pastores aos homens que, na vastidão das lezírias do Tejo, vigiam as manadas de cavalos ou de touros, durante todo o santo ano, excepto naqueles meses em que as águas, espraiando-se pelo campo, fazem da planície um verdadeiro mar, com ondulações perigosas e uma corrente que tudo arrasta, derruba e destrói na sua passagem.
O seu nome vulgar é moirais, pronúncia popular da palavra maioriais. É um dos maiores títulos de honra que se pode conferir a um desses rapazolas que estão para entrar nas sortes, e passam por nós galopando nos seus belos alazões, com a ponta do barrete a vasculhar-lhes o ombro, de botas ou sapatos enlameados, em que mal se vê luzir a larga fivela da espora, e com a vara ou com o cajado seguro debaixo da nádega direita.
Se deles queremos saber qualquer coisa, não os tratemos por senhor, timidamente, respeitosamente, cortesmente, porque nos olharão desconfiados e o galope do seu cavalo não será sopesado, e lá vão lezíria fora, sem nos darem a confiança de um cumprimento; mas se qualquer de nós parar à beira da estrada ou da cortada, e lhes dirigir, em voz possante, um:
-Eh! Moiral!
Imediatamente o cavalo estacará a uma forte pressão do freio ou do bridão, enquanto a mão direita do interrogado faz deslizar o barrete da cabeça até ao ombro, em atitude obsequiosa:
-Eh! Lá, patrão, quer alma coisa?
E então podemos fazer-lhe as perguntas que entendermos, porque temos ali homem para nos responder a tudo, pois sabe quantas vacas, quantos bois, bezerros, éguas, cavalos e poldros pastam na lezíria, conhece os donos de todo o
gado e os nomes dos lavradores que fazem as diferentes folhas do vastíssimo campo, sendo capaz de ir, de noite, em pleno escuro, ou densa cerração, seja para onde for, que não é menos aguçado o seu instinto que o do cavalo que monta, que é o seu amigo, o seu companheiro, quase uma pessoa de sua família.
1 Escrito em 1938 por Francisco Serra Frazão em Santarém.