Pão de trigo barbela ressuscitado em Maçussa amassado por mãos sábias
Adolfo Henriques tem no trigo barbela o seu ingrediente de ouro e gostava de conseguir aumentar a produção do pão que faz a partir dele, porque podia ser uma forma de trazer nova gente e nova vida à aldeia do concelho de Azambuja afectada pelo despovoamento.
O trigo barbela era plantado no ‘Crescente Fértil’, onde é hoje o Egipto, quando as legiões romanas passaram por lá há milhares de anos. Como era mais resistente que o trigo espelta que os romanos produziam, estes apropriaram-se dele e plantaram-no nos lugares por onde passaram, como a Península Ibérica. Nos anos 20 e 30 do século XX foi muito popular, mas com o passar do tempo a produção caiu até entrar em extinção. Foi entretanto recuperada por João Vieira, agricultor do Cadaval, e foi através dele que o amigo Adolfo Henriques, dono da Granja dos Moinhos na Maçussa, concelho de Azambuja, teve acesso ao ingrediente e se apaixonou por ele.
Actualmente ainda produz poucos pães feitos a partir deste trigo e só são consumidos por amigos e conhecidos dos membros da Granja dos Moinhos. “A quantidade é inimiga da qualidade”, alerta Adolfo, que prefere produzir pouco e bom do que muito e mau. Mas devido à divulgação que tem sido feita no Facebook e em palestras e workshops há cada vez mais pessoas a descobrirem o trigo. Foi o caso de um padeiro inglês que veio de propósito à Maçussa e convenceu Adolfo a vender-lhe as sementes para poder plantar o trigo barbela em Inglaterra e vendê-lo na sua padaria de pães especiais.
“Está a ser uma recuperação tímida deste cereal para nichos de mercado, para pessoas muito conhecedoras de produtos destes e que pedem especificamente estes pães produzidos na nossa Granja. Aqui amassamos o pão à mão, cozemos em forno de lenha com fermento feito sempre de um dia para o outro”, conta Adolfo.
Um pão muito saudável
O pão do trigo barbela, ou trigo escravo como era conhecido antigamente, é escuro, mais rico em vitamina E e com menos glúten que o pão branco, o que leva a que quem o coma se sinta saciado com menos quantidade e que faça a digestão mais depressa. O gérmen deste trigo é também um poderoso curativo para a doença da zona. “Antigamente uma das melhores maneiras de se impedir a expansão da doença era passar os ferros pelas sementes e depois derramar o gérmen sobre a zona, é uma cura mais que adquirida” conta Adolfo.
As raízes do trigo barbela são verticais e por isso vão buscar nutrientes mais fundo na terra, ao contrário da maioria dos trigos com raízes horizontais que necessitam de adubos. Além disso, o barbela também se autoprotege: “Como as canas são mais altas, tapam o sol às ervas daninhas que começam a crescer na base e elas acabam por morrer, não chegam aos bagos do cereal no topo, por isso é um trigo que não precisa de herbicidas nem químicos para sobreviver”, conta Adolfo, que não gosta de plantar as searas na mesma terra dois anos seguidos para deixar a terra da primeira colheita recuperar antes de voltar a receber sementes. É no moinho do amigo Miguel, na serra de Montejunto, que Adolfo mói o cereal em mós de pedras, antigas, “que dão uma moagem com rigor e qualidade”.
“As pessoas preferem sobreviver de subsídios do que trabalhar no campo”
A Granja dos Moinhos foi fundada pelos bisavós de Adolfo Henriques e hoje é ele o dono. Divorciado e com os filhos a morar em Inglaterra, tem no sobrinho David o único com quem partilha a paixão pela agricultura, a moagem, os vinhos, a queijaria, as compotas e agora o pão que se produzem na Granja. David é, aos olhos do tio, um dos “casos que se contam pelas mãos” de jovens que viram as costas à vida nas cidades e se voltam para o campo. Além deles, trabalham na Granja dos Moinhos mais quatro a cinco pessoas a tempo inteiro, mas contam com mais mãos a ajudar na época alta de produção.
Adolfo lamenta a desertificação da sua terra: “Aqui na Maçussa houve um abandono assustador nestes últimos trinta anos. Foi-se toda a gente embora aos poucos e poucos e não há gosto pela agricultura. Era uma maneira de trazer mais pessoas para cá e criar emprego, mas as pessoas preferem sobreviver de subsídios do que trabalhar no campo. Porque não é só vir para o campo, é preciso ter espírito para cá viver”.