O fogo ajuda a alimentar o despovoamento
Alguns habitantes de Casas da Ribeira, no concelho de Mação, desencantados com a sua sorte, já estão arrependidos de terem trocado a cidade pela aldeia.
Helena veio atrás da “paixão assolapada” do marido por Mação e Luísa decidiu passar a reforma na terra natal. Depois do fogo, as habitantes das Casas da Ribeira pensam em fazer o caminho inverso do que consumaram há anos.
Ao final da tarde do dia 26 de Julho, o fumo ainda era denso - quase parecia nevoeiro cerrado - na zona das Casas da Ribeira, onde uma casa de primeira habitação ardeu. “Era da Maria de Jesus”, conta Helena Mota, apontando para a casa, de onde ao princípio da noite ainda saia fumo.
Pela aldeia, alguns ainda tentavam ao início da noite apagar pequenas chamas que teimavam em aparecer, ouvindo-se ainda o crepitar do fogo em casas que estavam abandonadas e que arderam.
“Hoje foi medonho. Hoje foi medonho”, repete Helena, natural de Campo Maior, mas que veio para Casas da Ribeira há cerca de 20 anos, com o marido, que tinha as suas origens em Mação e uma “paixão assolapada” pela terra. Na pequena aldeia, viram as chamas na terça-feira, passaram a noite no lar e hoje acabaram por ver o fogo a cercar a localidade.
A maioria decidiu ficar e Casas da Ribeira acabou por contar com um “apoio extraordinário dos bombeiros” no combate às chamas, que atingiram a aldeia por volta das 17h00 de dessa quarta-feira, disse Helena Mota.
Luísa Pereira, de 65 anos, ainda pensou que os bombeiros segurassem as chamas “junto à capela” da povoação, mas acabaram por passar por cima dos carros dos bombeiros. Ouviu a sua irmã a gritar: “Foge, foge”. Só teve tempo de pôr a “rega automática” no quintal e correu com a mangueira por cima da cabeça, sublinha. “Isto agora só com lixívia”, nota, a olhar para a roupa e braços sujos do incêndio.
Luísa perdeu todas as árvores que tinha e sublinha que “tinha de tudo” e de “toda a qualidade”, desde pessegueiros, mirtilos, medronheiros e diferentes variedades de uva. “Foi-se tudo”, lamentou, considerando que agora “já não vale a pena” voltar a replantar.
Luísa gosta de morar nas Casas da Ribeira - Helena “não” -, mas o fogo “vai tirando o ânimo”. O marido de Luísa, conta Helena, já lhe disse, nesses dias, quando foram mandados para o lar, que estava a pensar seriamente voltar para Queluz, onde o casal morou e trabalhou. “Já pensei nisso”, admite Luísa.
Helena é mais assertiva quando pensa em sair das Casas da Ribeira. O desencanto pela terra não é só do fogo, mas também de problemas na aldeia e de o abandono da localidade que foi assistindo ao longo do tempo.
“Comprámos um palheiro aqui, renovámos o palheiro e empatámos aqui as nossas economias. Se eu soubesse o que sei hoje”, protesta Helena Mota, que diz que quando veio, há 20 anos, “ainda havia juventude”. Hoje, são 20 e poucas pessoas as que vivem na aldeia - conta-as pelo nome.
“Cada vez há mais casas fechadas. As que morrem, morrem e os filhos estão para lá e não vêm, só nas férias ou um ou outro fim-de-semana. Temos aqui estas pessoas e são todos velhos. Todos velhos”, conta a reformada que trabalhou em Lisboa.
Onde hoje se vêem eucaliptos e pinheiros, dantes eram terras de cultivo de milho, trigo e cevada, diz Helena, que, enquanto caminha por uma das pequenas ruas das Casas da Ribeira, pergunta: “Porque é que vim para aqui?”.