Vítimas da legionella continuam sem ajudas do Estado e descrentes na justiça
Associação de apoio inaugurou novas instalações no Forte da Casa. No último sábado foi inaugurada a nova sede da associação de apoio às vítimas do surto de legionella ocorrido no concelho de Vila Franca de Xira em 2014. Ocasião serviu para colocar várias preocupações em cima da mesa.
A maioria das vítimas do surto de legionella ocorrido no concelho de Vila Franca de Xira em Novembro de 2014 continua sem quaisquer apoios específicos do Estado e, em alguns casos, a sobreviver com bastantes dificuldades. O alerta foi deixado por Joaquim Ramos, presidente da Associação de Apoio às Vítimas do Surto (AVL), no sábado, 3 de Fevereiro, durante a cerimónia de inauguração das novas instalações da associação, no Forte da Casa, onde estiveram muitos dos doentes que sobreviveram ao surto.
O MIRANTE falou com várias vítimas do surto que estiveram presentes na inauguração e confirmou o desalento e revolta que praticamente toda a gente sente com a morosidade da justiça. Carla Caeiro, 45 anos, é da Póvoa de Santa Iria e esteve um mês e meio sem trabalhar por causa do surto. Passou três semanas no Hospital Pulido Valente. “Com uma criança pequenina e o marido desempregado pode imaginar o problema que foi”, recorda.
Tal como a maioria das vítimas, Carla foi ao médico duas vezes com os sintomas e foi sempre erradamente diagnosticada com gripe. “À terceira vez que fui ao hospital, já mesmo mal, fiquei lá”, conta. Carla é uma das vítimas em que o Ministério Público não estabeleceu um nexo de causalidade. Requereu a abertura da instrução. “Sentimos uma revolta grande porque não dá para perceber como é que num grupo tão grande, de tanta gente afectada, não se fez nada. Hoje em dia continuamos sem apoios nenhuns. Tive a sorte de ter direito a advogado pela Segurança Social, por ter o marido no desemprego, mas há pessoas que não têm e não conseguem fazer frente a todas as despesas deste processo”, lamenta.
Igualmente grave foi a situação de Aníbal Serra, que vive na Rua da República no Forte da Casa. Esteve em coma quatro dias e passou 17 dias internado em Santa Maria. “Ainda hoje tenho sequelas do surto e custos com exames e medicamentos. A minha médica agora diz-me que tenho de tomar estes comprimidos para o resto da vida”, lamenta, enquanto mostra a receita.
Aníbal é crítico da licença ambiental da fábrica da ADP – entretanto renovada pela Agência Portuguesa do Ambiente em 2015 e válida por cinco anos – e critica a justiça de ser “cega” e lenta para umas coisas, “mas muito rápida para outras”. Considera que no surto houve “vários culpados” e ainda não perdeu a esperança de que se venha a fazer justiça.
Associação quer ajudar pessoas abandonadas pela justiça
A Associação de Apoio às Vítimas do Surto foi constituída com o propósito de ajudar as pessoas que foram abandonadas pela justiça. Os culpados ainda não foram encontrados e temos muitas vítimas para quem o Ministério Público ainda não encontrou um nexo de causalidade. Temos pessoas a passar por grandes dificuldades financeiras e de saúde, sem dinheiro para os medicamentos e desempregadas desde essa altura”, alertou o presidente da associação durante o discurso.
Joaquim Ramos lamenta também que muitas vítimas não tenham requerido a abertura da instrução “por falta de dinheiro” e confessou ser “triste” viver num país “que trata estas pessoas desta maneira”. A nova sede da associação fica situada numa loja cedida pela Câmara de Vila Franca de Xira no bairro da Soda Póvoa, no Forte da Casa, uma das localidades mais afectadas pelo surto.
Alberto Mesquita, presidente do município, voltou a frisar que a câmara “tudo fez”, desde a primeira hora, para estar ao lado das vítimas. Garantia dada também pelo presidente da junta da União de Freguesias da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, Jorge Ribeiro.
“Há duas questões que neste momento nos preocupam: a primeira que o processo seja terminado o mais depressa possível; e a outra que seja encontrada uma solução para todas as outras vítimas para quem não foi estabelecido um nexo de causalidade”, defendeu Mesquita, à margem da cerimónia.
No discurso que leu depois de descerrar a placa, o autarca lembrou o “valor simbólico” da cerimónia e lamentou as “dificuldades jurídicas” que o processo tem e que tornam tudo “mais penoso” para as vítimas. “A condição social em que estão hoje muitas das vítimas é uma preocupação. A maioria passou a necessitar de tomar uma medicação específica todos os dias. O processo é complexo, tem muitos pedidos de instrução e por isso será longo e árduo. Todos os lesados devem ser devidamente indemnizados pelo que sofreram e ainda sofrem. Só assim se poderá falar de justiça”, disse Alberto Mesquita.