Viver num parque de campismo por necessidade ou para fugir à dispendiosa renda de casa
Uma octogenária portuguesa que luta pela vida e um abastado alemão em busca de si mesmo. Há quem viva numa caravana por necessidade. Há quem o faça por gostar de correr mundo e de meditar sobre a vida. O MIRANTE foi ao Parque de Campismo Municipal de Vila Franca de Xira e falou com duas pessoas que são duas figuras que ali vivem há meses.
Otília Polónio, de 86 anos, apresenta-se como ex-bailarina e diz que actualmente é vendedora de artesanato. Vive numa caravana estacionada no Parque de Campismo Municipal de Vila Franca de Xira há quatro meses. Antes viveu no Parque de Campismo de Monsanto.
O Parque de Vila Franca de Xira, com uma área de três hectares, está preparado para albergar até 150 pessoas, 35 caravanas e/ou autocaravanas e 40 tendas. Para além de uma sala para actividades de grupo, o parque tem dois campos de ténis, um campo de padel, um polidesportivo descoberto, uma piscina coberta de 50 metros e um ginásio de musculação e cardiofitness mas não é por isso que ela o escolheu. A mudança foi ditada por motivos económicos, ali paga menos pela estadia.
“A minha vida não foi sempre assim. Já vivi em casas, apartamentos e até no carro. Agora gosto de viver assim e é desta forma que pretendo continuar a viver. O parque onde eu estava encareceu e tive que procurar um mais barato”, explica.
Gehard Brenner, um alemão de 65 anos, também vive no Parque de Campismo de Vila Franca de Xira numa autocaravana. Conta que depois de se reformar, se cansou de ter uma vida monótona e há três anos decidiu viajar pelo mundo.
Diz que esteve na Turquia, Tunísia, Itália, Grécia e Marrocos. Em Dezembro do ano passado, quando saiu de Marrocos e viajava por Portugal com intenção de ficar uns tempos em Espanha, parqueou a autocaravana no Parque de Campismo de Vila Franca de Xira e decidiu ficar porque gostou do espaço verde que tem à frente do veículo e de não estar apertado no meio de outros campistas.
O alemão tem casa em Estugarda onde passa algum tempo e diz que chegou a viver na Flórida, nos Estados Unidos da América, numa casa com jardim mas diz que nada se compara a viver em liberdade e com poucas coisas. “Se tens uma grande casa, tens um grande trabalho. Aprendi a ser minimalista. Tenho três garagens cheias de coisas da minha vida passada e não preciso de nada daquilo. Nós só precisamos de alguma coisa para comer e para dormir. Tudo o resto que vamos adquirindo é apenas espectáculo para ti e para os outros”, afirma.
Cada pessoa conta a sua história de vida e os capítulos que entende revelar, de acordo com o interlocutor. Para
O MIRANTE, Otília falou sabendo que o que dissesse iria ser lido por muita gente. Gehard Brenner não tinha essa preocupação. Serão poucos os que o conhecem a quem acontecerá lerem um jornal em português mesmo estando na internet e tendo uma edição de milhares de exemplares em papel.
“Vendo artesanato a amigos e a clientes fixos”, diz com vivacidade, acrescentando que os artigos que vende são da loja de uma amiga. Todos os dias sai da sua casa/caravana e desce até à estação para apanhar o comboio para Lisboa. Em Lisboa vai de autocarro para a zona da Torre de Belém para vender a mercadoria que leva. Ao fim do dia regressa a casa. “Parar é morrer”, diz sem um queixume.
Bailarina com raízes em Coruche
Quando era muito mais jovem Otília Polónio foi bailarina. “Entre 1959 e 1969, fiz dança moderna no Ballet Espanhol. Estive em Espanha, França, Inglaterra, no Médio Oriente, Tunísia, Argélia, onde vivi três anos, Marrocos, Trípoli e Bengasi, na Líbia e Egipto”. Da vida pessoal não conta muito. Revela que os pais eram de Coruche e que ela é a mais nova de onze irmãos. Diz que tem uma filha de 63 anos e um neto com 35 mas que a relação é praticamente inexistente.
A dança apareceu-lhe a partir das vendas. Mãe solteira, vendia produtos de higiene e de beleza às coristas do Parque Mayer, em Lisboa e um dia foi convidada e integrar o grupo de dança. Aprendeu a dançar e decidiu seguir com o Ballet Espanhol para fora do país, deixando a filha entregue a uma “comadre” a quem enviava dinheiro para a educação da criança.
Sobre a família, o alemão campista, Gehard Brenner, apenas se refere de passagem ao pai e através dele a irmãos e fá-lo para justificar a sua opção por se ter reformado cedo. “O meu pai trabalhou a vida inteira para a casa, para a família, para os filhos e para juntar dinheiro para quando fosse velho e morreu aos 56 anos. Nunca viajou, nunca saiu da Alemanha e nunca teve férias”, declara.
“Vivo para me encontrar”
Tal como Otília Apolónio, vive sozinho e diz que está bem assim. Com ele tem agora um cão a que deu o nome Max, que diz ter ido buscar ao canil municipal. Apesar de falar criticamente do facto de os alemães estarem sempre a trabalhar, confessa que também não se sente bem sem fazer nada.
“A minha opção de viver e viajar sozinho está relacionada com a procura do meu eu. Vivo para me encontrar e para estar comigo próprio. Leio, pinto, passeio o Max e aprecio a paisagem mas custa-me estar inactivo. Quando estive em Marrocos ajudei a construir uma casa ao lado do local onde estava acampado só para ter alguma coisa para fazer”, diz.
Otília Polónio diz que o que mais quer é ter saúde mas o querer raramente faz acontecer. Confidencia que há um ano lhe foi diagnosticado um cancro numa mama e que teve que ser operada. “Os médicos disseram-me que iriam apenas tirar metade da mama mas eu opus-me porque toda a gente que tira metade, vai lá outra vez. Disseram que ficava mutilada. Quero lá saber de ficar mutilada. Tiraram-ma toda. Daqui a algum tempo vou fazer exames. Entretanto estou a fazer quimioterapia via oral. Toma os comprimidos à noite porque me deixam com mal-estar e cansada. Passo sempre à frente das coisas que me acontecem”, diz, com energia na voz.
Gehard Brenner pretende ficar em Vila Franca de Xira até Outubro. Depois volta à Alemanha e regressa a Portugal na Primavera. Por enquanto não tem problemas de saúde que o apoquentem.
Em Portugal não há pressas
Diz que uma das coisas de que mais gosta em Portugal é não há pressas mas logo a seguir afirma que isso o enerva em certas situações. Como qualquer ser humano quer “sol na eira e chuva no nabal”, como diz o antigo ditado português. Conta o episódio do senhor que “tem uma loja antiga” que lhe arranjou a mota e não lhe levou nada.
“Eu quis pagar e ele não levou nada por arranjar a mota. Em pequenas coisas, aqui continuam a ajudar-te. Na Alemanha não é assim, pelo menos nas cidades. E esse senhor não falava mais nenhuma língua além do português e entendeu-se comigo que não falo português. Se estás na Alemanha e não falas alemão, mandam-te embora. Se queres ajuda, tens de pagar por isso”, sublinha.
Quem sabe isso muito bem é Otília Apolónio. Apesar de apenas ter a instrução primária desenrasca-se em várias línguas que foi aprendendo por onde andou e que hoje lhe servem para falar com pessoas como o alemão campista que vive no mesmo parque e principalmente com os turistas a quem tenta vender artesanato.