“Esta é a única noite do ano que passo acompanhado”
Iniciativa Mais Natal alimentou e abrigou dezenas de pessoas. A solidão e as carências económicas estão na base dos problemas das famílias que receberam o apoio no Natal em Santarém.
A Casa Chã, no Campo Infante da Câmara em Santarém, abriu as portas para receber dezenas de pessoas na noite de consoada e no dia de Natal. Famílias com carências económicas e pessoas que estão sozinhas no mundo, reuniram-se num só espaço para terem um Natal mais acolhedor. Graças à boa vontade de um grupo de cerca de vinte voluntários que recolheram alimentos, roupas e brinquedos.
“Esta é a única noite do ano que passo acompanhado. Vivo sozinho, tenho um irmão mas não nos relacionamos. Tenho um cão que é o meu companheiro”, diz João Ramos. Aos 67 anos admite a sua culpa. “Entreguei-me ao álcool e muito do que passo é culpa minha”. Mas ao levantar os olhos tristes do prato de sopa, que devora, diz “sou um ser humano, às vezes parece que não, mas sou”. A solidão foi também o que levou Maria Fernanda, de 61 anos, a participar nesta iniciativa. “O meu filho está fora, ficaria sozinha a passar esta noite. E seria uma noite como são todas as outras, porque estou sempre sozinha. A solidão é uma coisa horrível”.
“Viemos porque temos fome. Muita fome!”
António Oliveira e a mulher, Luísa Oliveira, não pensaram duas vezes quando os convidaram para a ceia de Natal. O filho, Jaime Oliveira, está desempregado e vive com os pais. Os três dividem um espaço que os abriga, na Quinta das Cortes, em Santarém. Sem água, sem electricidade e onde a chuva é uma constante. “Há 2 semanas que dormimos em camas todas molhadas, porque choveu lá dentro”.
A vida “não tem sido fácil, ainda assim “temos que agradecer, porque ainda há pessoas que nos ajudam”, refere com humildade, António Oliveira. “Viemos porque temos fome. Muita fome mesmo”, desabafa Luísa Oliveira. “Nunca saímos de casa e umas vezes comemos melhor outras pior”.
As rugas e o olhar de Célia Arroteia, de 50 anos, demonstram uma vida de problemas. O marido é alcoólico, o filho está preso. “Aqui tenho o carinho e o conforto que tanto preciso e que não encontro em casa”, refere. Todos os dias faz apenas uma pequena refeição. Não tem dinheiro para mais. “Tenho o dinheiro contado para as despesas da casa. O que como é a Santa Casa da Misericórdia que me dá”, se assim não fosse “passava fome”.
Tânia Fernandes é o rosto desta iniciativa e, com um brilho nos olhos, mostrava o orgulho na equipa e em toda a sociedade de Santarém, que ajudou a reunir os bens para que nada faltasse. Tudo foi confeccionado no próprio espaço, pelos voluntários. A azáfama na cozinha começou a sentir-se pelas 18 horas, no dia 24 de Dezembro. Entre tachos e panelas, couves e o bacalhau, a amizade e entreajuda foi quem mais reinou. “O Natal sem esta iniciativa já não é a mesma coisa”, refere a O MIRANTE Tânia Fernandes. “Trago as minhas filhas, que são uma grande ajuda e não tenho palavras para agradecer a toda esta equipa que me acompanha desde o início e a outros que se juntaram ano após ano”, destaca.