Trabalhar 55 anos e ter vontade de mais não é um feito é um exemplo
Aníbal Fernando Petinga é motorista do Tribunal de Santarém e só vai aposentar-se porque precisa dar apoio à esposa
Aos 70 anos, o senhor Aníbal, como é tratado carinhosamente no trabalho, tem todos os dias o poder judicial nas mãos. É ele que conduz a viatura do Tribunal da Comarca de Santarém, onde se desloca o juiz presidente, que gere todos os tribunais do distrito. Além disso, faz tudo o que for preciso fazer com um ânimo de quem gostava de trabalhar mais uns anos, mas sente que é hora de estar ao lado da companheira que já está na reforma.
Aníbal Fernando Petinga pode não ser o trabalhador mais antigo do país, mas o motorista do Tribunal da Comarca de Santarém já atingiu um feito de 55 anos de descontos, porque não se via numa vida sem nada para fazer. Aos 69 anos, o natural e habitante de Santarém, que já foi comerciante em Almeirim, ainda vai fazer mais um ano de serviço e depois vai pedir a aposentação passar com a esposa, que entretanto também se reformou. E só se aposenta para não a deixar sozinha e já tem planeado dar uns passeios com ela, que não tiveram tempo, até agora, de dar com calma.
O motorista é quem transporta o juiz presidente da comarca e outros juízes, quando é necessário deslocarem-se a outros tribunais, e faz os transportes necessários entre os vários tribunais do distrito e a comarca em Santarém. Mas até chegar aqui percorreu um longo caminho e várias profissões. Começou como marçano (aprendiz de caixeiro) aos 14 anos, quando o pai percebeu que andava a passear os livros e o mandou trabalhar. Foi para uma espécie de grande superfície da altura, que se chamava Armazéns Minipreço, que ficava ao fundo da Rua Capelo Ivens, no centro histórico de Santarém.
“Trabalhávamos que nem uns galegos”, recorda Aníbal Petinga que havia uns anos mais tarde de saber o que era sofrer quando foi para a guerra e andou 30 meses em Angola, no mato de Cabinda, a ouvir tiros e a disparar. Poucas vezes saiu das zonas de mato. Sofreu paludismo duas vezes. Desde essa altura nunca mais foi o mesmo e nos últimos quinze anos tem sido acompanhado por um especialista da Associação dos Deficientes das Forças Aramadas que ajudam a lidar com a ansiedade e a vontade de se isolar.
Ao pé da Guerra do Ultramar, trabalhar de sol a sol e às vezes até às três da manhã a fazer montras e a arrumar o armazém, era uma brincadeira. Depois da tropa foi trabalhar para a loja de um colega dos Armazéns Minipreço, que se tinha estabelecido por conta própria, até que havia de ficar com o negócio em Almeirim. Mas Aníbal que sabia mais de vender roupas do que de gestão, depressa chegou à conclusão que tinha de vender a loja e foi para caixeiro-viajante, percorrendo o país a vender roupas de senhora. Um percurso que durou vinte anos.
Cansado de viagens concorreu para os antigos Serviços Municipalizados de Santarém, onde esteve seis anos como operador de centrais elevatórias de água. Há 19 anos viu um anúncio no Diário da República a pedir um motorista para o tribunal. Concorreu e entrou logo. Quando sair, dentro de meses, só sabe que vai levar do tribunal boas recordações e amigos. Sem filhos e com a mãe ainda viva, com 92 anos, Aníbal Petinga pode não ter uma extraordinária história de vida, de aventuras, mas na sua pacatez é um exemplo para a juventude, com a qual sente tristeza por ver que vive “despreocupada com tudo”.