Hospital de Santarém sai do coma com novo tratamento de dinâmica
Nova administradora Ana Infante já trabalha na criação de condições para captar médicos e aumentar capacidade.
Quando assumiu a presidência do conselho de administração, como é que encontrou o hospital?
A situação não é muito diferente dos problemas dos outros hospitais do Serviço Nacional de Saúde, com estruturas físicas desadequadas às necessidades, falta de recursos humanos e um orçamento desequilibrado. Também temos um hospital muito dependente dos prestadores de serviços (médicos contratados à hora). Este hospital tinha um problema acrescido, que era não ter fundos disponíveis que lhe permitissem ter o visto do Tribunal de Contas para projectos cruciais, como era o caso das obras do bloco operatório.
Sem reforço do orçamento e dos meios humanos, os problemas são quase impossíveis de resolver?
O hospital não tem autonomia financeira, mas tem projectos e tem um contrato de programa que tem de cumprir. Portanto tem que se adequar em função das necessidades. O recurso a prestadores externos de serviços, sobretudo médicos, é sempre viável e é sempre uma alternativa.
A questão dos médicos é das mais complicadas deste hospital, que não consegue fixar especialistas.
Esse é outro problema transversal ao país. Os médicos neste momento não querem só um emprego, querem diferenciar-se, querem recorrer a outras formas de investigação e o hospital tem que conseguir adequar-se, para lhes dar essas valências. A comunidade também tem um papel importante. Temos que os conseguir cativar para criarem raízes em Santarém, quer no hospital, quer na sociedade.
Mas há investigação no hospital?
Há de forma reduzida, porque há outros hospitais, os centrais, que têm outro tipo de meios. Já fazemos muitos ensaios clínicos e muita investigação clínica, mas estamos a tentar criar um gabinete de formação e investigação clinica que sistematize toda a informação que anda dispersa e proporcione meios para os médicos se efectivarem.
Deve ser frustrante ter médicos a fazer o internato (especialidade) no hospital e depois vê-los ir para outras unidades…
Neste momento temos 45 internos da formação geral e mais 11 da especialidade. A direcção clínica e o director do internato estão a fazer um grande esforço para conseguirem cativar esses profissionais, aproveitando o facto de já estarem traquejados nas rotinas, já conhecem as equipas e o hospital. Temos que os cativar e acarinhar e ofereceres-lhes mais qualquer coisa do que fazerem urgências e consultas.
Esta nova administração conseguiu em pouco tempo desbloquear a suspensão das obras do bloco operatório. Ou seja, a situação podia ter sido resolvida há mais tempo?
Não posso falar pelo passado. Vamos ter o bloco a funcionar este ano. O que nós conseguimos foi eleger isto como uma das prioridades estratégicas. Isto era um constrangimento que estava a prejudicar muito o hospital. Mexemo-nos e conseguimos16 milhões de euros como reforço e mais sete milhões de euros de um reforço a nível nacional. Isso permitiu-nos ter uma janela de oportunidade e ter fundos disponíveis para obter o visto do Tribunal de Contas.
Como é que vão fazer com futuros concursos?
Da mesma forma. Já tivemos um neste ano de 2019 visado pelo tribunal, conseguindo uma janela de oportunidade de termos fundos disponíveis.
Mas isso obriga a que se retenham pagamentos.
Para quem tinha dívidas a fornecedores por pagar há dois anos, reter o dinheiro durante uma semana não é problemático. Com os reforços orçamentais já conseguimos reduzir os prazos de pagamentos e os fornecedores estão contentíssimos, principalmente a indústria farmacêutica, que é sempre a que tem prazos mais dilatados.
Porque é que o Estado não equilibra as contas dos hospitais?
Não posso responder a isso. O Hospital de Santarém tem uma dívida acumulada ao longo dos anos. Tem um orçamento de 63 milhões anuais, mas precisávamos de mais 20 milhões.
Nem com uma gestão apertadíssima se consegue resolver o défice…
Temos que cumprir um contrato que nos obriga a ter determinado número de consultas, ou cirurgias para não sermos penalizados. Portanto isso é uma parte que nos diz respeito. Outra parte é termos alternativas de receita e de fazermos bem as nossas cobranças.
O envelhecimento da população está a criar problemas ao serviço de urgências?
Neste distrito a população é um bocadinho mais envelhecida, está mais isolada e é uma população rural. A urgência este ano organizou-se muito bem e criámos a consulta aberta, onde os doentes menos prioritários, triados com verde e azul, são atendidos num espaço próprio fora do ambiente hostil da urgência e são sujeitos a um conjunto de exames básicos que estão definidos, regressando a casa já medicados. Este serviço funciona das 17h00 às 22h00 mas pretendemos alargar o horário se tivermos mais profissionais.
Ultimamente não se tem falado de caos nas urgências de Santarém, como em outros anos. O que mudou?
Agilizámos as altas e a performance. E abrimos espaços com camas que estavam fechados. Houve um trabalho conjunto de grande acompanhamento e no fundo criámos uma bolsa de camas como existe para os planos de contingência. Também estamos a reestruturar alguns serviços.
Até já conseguiu desbloquear a instalação do gabinete médico-legal, pendente há seis anos para se fazer um protocolo.
Percebemos que era uma necessidade para Santarém. Reunimos com o Instituto Nacional de Medicina Legal, dissemos o que era preciso e vamos avançar com as obras em breve.
E a situação dos elevadores avariados, quando está resolvida?
O hospital tem 12 elevadores. No átrio principal temos quatro, dos quais dois estão encerrados porque entrou uma nova firma de manutenção que achou que as portas não ofereciam condições de segurança. Temos que pensar que os elevadores têm 40 anos e mais tarde ou mais cedo teremos que fazer um concurso para adquirir novas portas. É um investimento na ordem dos 200 mil euros. Mas entretanto pedimos uma inspecção ao Instituto de Soldadura e Qualidade, que disse que com uma afinação das portas os elevadores podem ainda funcionar mais algum tempo.
O hospital tem umas urgências recentes, vai ter um novo bloco operatório, o que é que falta fazer?
Falta a instalação de uma ressonância magnética. É um projecto para este ano, orçado em dois milhões de euros e estamos a concorrer a financiamento europeu. Este é um equipamento há muito ambicionado pelos profissionais do hospital. Estamos a fazer as ressonâncias no exterior, que custam cerca de 250 mil euros por ano. São cerca de quatro mil ressonâncias em Leiria, mais cerca de 50 ressonâncias pediátricas em Lisboa. Além dos custos de transporte dos doentes, na ordem dos 50 mil euros, ou mais.
Há mais contratos com outras entidades para prestação de cuidados?
Temos um contrato com a Clínica dos Arcos para a interrupção voluntária da gravidez, porque os nossos médicos são objectores de consciência. Pagamos à clínica para as utentes não serem prejudicadas.
E é possível o hospital voltar a ter a recolha de sangue?
O serviço foi fechado por instrução do Instituto Português de Sangue. Fizeram isso em outros hospitais. O que foi pena porque havia um enorme grupo de dadores, por isso é que vem cá uma unidade móvel. As pessoas doavam muito sangue porque era para o hospital e agora recuperar isso demora o seu tempo. Já houve um contacto do instituto, mas temos de perceber o que é que eles querem.
A falta de médicos na unidade coronária foi outro problema que enfrentou. Parece que estavam à sua espera para que as situações fossem resolvidas.
Não comento! Mas passámos pela vicissitude de ficarmos sem dois médicos, que estavam a tempo inteiro, e os que tinham idade para deixarem de fazer urgências deixaram de as fazer. Não se conseguia fazer o acompanhamento 24 horas por dia e esses doentes não podem estar sem vigilância permanente. Definimos uma estratégia de sensibilização de profissionais e conseguimos contratar três médicos do privado. A cardiologia tem um novo director com projecto próprio e penso que este serviço vai dar que falar nos próximos tempos.
Em vez de ver os médicos a saírem do público, também pode aliciar os do privado.
Nunca vi o sector privado como concorrencial, vejo sempre como complementar. Mesmo em relação aos que pretendem fazer mais um hospital em Santarém. O Serviço Nacional de Saúde tem de se adaptar constantemente à conjuntura.
Está a conseguir mudar a imagem do hospital?
Este ano vai ser um ano difícil, porque há eleições e a saúde vai ser uma das armas de arremesso político. Se falarmos individualmente com as pessoas que vêm ao hospital, dizem que foram bem atendidas. Temos reclamações, mas temos muitos elogios e não estava a habituada a tantos elogios.
Mas o hospital acumulou nos últimos anos uma imagem muito negativa. Consegue reverter essa situação?
Sou exigente comigo e tenho que ser sempre exigente com os profissionais e motivá-los para um objectivo comum, que é tratar mais e melhor as pessoas. O utente não descodifica o saber médico, mas descodifica o tempo de espera e a comida que chegou fria, ou os lençóis que não foram mudados. Temos profissionais muito competentes e às vezes por um pormenor afecta-se tudo o que se faz de bom. Temos que tentar minimizar o que se faz mal e potenciar o que se faz bem.
O que vai fazer depois de ter os problemas pendentes resolvidos?
A estrutura do hospital está envelhecida e temos que fazer obras em vários serviços, mas para isso também temos que ter financiamento. Tem que se pintar o hospital, por exemplo.
Futuro passa por parcerias e procura de fontes de financiamento
Estão a procurar alternativas de financiamento externo, de prestação de serviços a outras entidades?
Estamos a estudar possibilidades, como já fazem outros hospitais. E que podem passar por vendermos serviços a outros hospitais.
Com as obras do bloco operatório, Santarém está a usar o serviço do Hospital de Torres Novas. Está a pensar estabelecer sinergias com o Centro Hospitalar do Médio Tejo?
Sinergias a nível de protocolos em determinadas áreas, mas não em relação ao bloco quando o nosso estiver pronto. Porque os nossos doentes têm que ser operados a 40 quilómetros, além de isso ter custos para o Hospital de Santarém e para os doentes e os profissionais que têm de se deslocar. Os doentes não podiam ficar à espera durante dois ou três anos.
Já houve contactos para parcerias com o Centro Hospitalar do Médio Tejo?
Temos vindo a conversar. Por exemplo, eles têm utilizado muito a nossa TAC, porque o deles está avariado. Mas ainda não há nada de concreto para avançar com o Centro Hospitalar do Médio Tejo. Há muitos projectos que estamos a pensar implementar e há um que já está a dar frutos com o Centro Hospitalar do Oeste, em que nós fazemos todos os exames de anatomia patológica daquela zona e eles cedem-nos um médico da especialidade.
E com os centros de saúde?
Tínhamos consultas de hipocoagulação em que os doentes vinham ao hospital para fazer o controlo do INR (tempo necessário para o sangue coagular), muitos deles acamados. Agora vão aos centros de saúde ou vão os profissionais a casa. Também temos a referenciação da psiquiatria. Os Centros de Saúde do Cartaxo, Coruche, Rio Maior e Santarém, referenciam os doentes para o hospital e o nosso serviço faz a triagem e encaminha-os. Temos a referenciação das grávidas para as consultas pré natal, que pretendemos alargar a mais concelhos. Temos uma equipa de cuidados paliativos a funcionar em conjunto com a equipa do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) da Lezíria.
Estão previstas a curto prazo mais iniciativas com os centros de saúde?
Pretendemos fazer um protocolo com o ACES da Lezíria na área da oncologia, no sentido de os doentes que fazem tratamentos de quimioterapia poderem fazer a lavagem e desinfeção dos infusores nos centros de saúde, evitando deslocarem-se ao hospital. Até porque a capacidade do nosso serviço de oncologia está no limite e precisará de obras a curto prazo. Na cirurgia vascular, os doentes vêm três vezes por semana fazer pensos ao hospital e podemos trabalhar para que isso possa ser feito nos centros de saúde.