Lei que proíbe abate de animais esgotou canis da região e há mais animais na rua
Há quem atire cães para dentro dos canis como se fossem electrodomésticos avariados. A lei que proíbe o abate de animais como medida de controlo da população começou a ser aplicada a 23 de Setembro de 2018 e os responsáveis dos canis da região dizem que agravou os problemas de sobrelotação dos mesmos. Tal situação pode ter a ver não com a lei em si, pois todos garantem que, já antes, só havia abate em casos extremos, mas com o aumento dos casos de abandono.
Margarete Cruz, veterinária municipal no Centro de Recolha Oficial de Animais de Santarém, diz que o número de cães e de gatos cresce todos os anos e que as cinco novas boxes (para três e quatro cães), construídas no início do ano, já estão cheias.
Num canil com capacidade para oitenta cães estão, neste momento, cerca de uma centena. “O canil está a rebentar pelas costuras”, diz a veterinária, defendendo que por vezes é melhor deixar os animais na rua, no ambiente deles e ir-lhes dando comida. Sobre o gatil, Margarete Cruz garante que a situação não é tão grave, mas que estão vinte animais num espaço destinado a 15.
A maioria dos animais recolhidos foram abandonados pelos donos ou entregues pelos donos que fingem que os encontraram na rua. Actualmente o canil só acolhe os casos mais urgentes por manifesta falta de espaço.
No canil de Santarém os cães não são abatidos. Essa política já vigorava antes da entrada em vigor da lei. A medida só é aplicada em caso de sofrimento do animal.
Qualquer animal que saia do canil para adopção é esterilizado. As adopções são feitas em parceria com a Associação Scalabitana de Protecção Animal (ASPA), que muitas vezes é a responsável pela organização das campanhas. Para a veterinária municipal a lei já devia ter sido introduzida há mais tempo, mas falta criar condições para a sua aplicação prática.
O município de Santarém teve apoio do Estado a nível da campanha de esterilização dos animais. “Estamos a falar de um valor de 15 mil euros para cada município, num total de 500 mil euros. Ainda não recebemos o dinheiro porque temos de provar que esterilizámos todos os animais. A autorização chegou há 15 dias para entregarmos a papelada. A partir de agora e até 30 de Novembro, que é a data limite para os apoios à esterilização, iremos fazer o melhor que conseguirmos”, explica Margarete Cruz.
Paredes meias com o canil municipal, e trabalhando em parceria com este, está o canil da ASPA. Segundo Pedro Teixeira Pinto, presidente da direcção daquela associação, estão ali 320 cães e 45 gatos. A quantidade de animais aumentou em relação a 2018. Na altura o total de animais não chegava aos 300.
“Assim que a nova lei entrou em vigor notou-se um aumento do número de abandonos, inclusive às portas do canil”, refere Pedro Teixeira Pinto. Os animais que chegam à ASPA passam primeiro pelo canil e, quando não há lugar para eles, passam para o espaço da associação.
“Não recebemos animais que não passem pelo canil porque a autarquia tem de saber quantos animais é que foram abandonados no concelho”, realça. E sobre o abandono lamenta o que acontece: “Por vezes quando chegamos ao canil há animais presos à rede, do lado de fora. Para algumas pessoas, os animais são descartáveis”.
Para manter o bem-estar dos animais acolhidos, alguns ficam na rua
O canil intermunicipal de Torres Novas funciona como Centro de Recolha Oficial para os municípios de Torres Novas, Alcanena, Entroncamento e Barquinha e tem, actualmente, uma população de 90 cães e 36 gatos. Uma lotação esgotada nos cães e ultrapassada em triplicado nos gatos, de acordo com o regulamento oficial de capacidade. No canil faz-se a esterilização dos animais recolhidos e promove-se a sua adopção. Em 2018 foram esterilizados 262 animais e adoptados 43 cães e 34 gatos.
Carlos Ramos, vereador da câmara de Torres Novas com o pelouro do canil intermunicipal, refere a O MIRANTE que a entrada em vigor da nova lei não alterou a política do canil de não aplicação da eutanásia como medida de controlo da sobrelotação do espaço. Tal situação leva a que nem sempre se possam admitir novos animais, uma vez que é essencial manter o bem-estar e o controlo higieno-sanitário da população residente.
Fátima é a freguesia de Ourém com maior número de cães abandonados
As condições do actual canil municipal de Ourém, junto ao quartel da GNR, são precárias e por isso a câmara passou a integrar, em Fevereiro do ano passado, o Centro de Recolha Oficial Intermunicipal de Proença-a-Nova (distrito de Castelo Branco), para onde envia os animais abandonados, a cada 15 dias. Com aquela decisão o município consegue dar cumprimento à lei que determina a proibição de eutanasiar animais por motivos de sobrelotação das instalações.
O presidente da Câmara de Ourém, Luís Albuquerque (PSD/CDS), explicou a
O MIRANTE que o município já aprovou o projecto para avançar com a construção de um novo canil municipal, cujas instalações vão ser junto ao estaleiro municipal. Faltam alguns procedimentos para lançar o concurso público que permitirá avançar com a obra.
O autarca diz que são recolhidos cerca de 400 cães por ano e que a maioria dos abandonos acontece na freguesia de Fátima. “Não sei porque é que existe um número tão elevado de abandonos em Fátima, mas é um problema complicado que temos para resolver”.
Luís Albuquerque considera que a lei trouxe dificuldades a todos os municípios pois o número de animais abandonados é extremamente elevado. “A solução de aderir ao canil de Proença-a-Nova é tecnicamente a mais adequada e mais económica uma vez que permite uma utilização imediata e grandes economias de escala pelo número de municípios aderentes”, sublinha, acrescentando que o município adquiriu um veículo para capturar e transportar animais vivos e cadáveres. “Quando o canil municipal de Ourém estiver a funcionar vai alojar entre 15 a 20 animais num período máximo de 21 dias, até serem deslocados para o Centro de Recolha Intermunicipal”.
Não há canil que aguente
Em Tomar, o canil intermunicipal serve os municípios de Tomar e Ferreira do Zêzere. Construído há cerca de 12 anos, sofreu obras para duplicar a sua capacidade em 2018. Situado na zona industrial do município, o novo canil veio substituir a estrutura antiga, com mais de 30 anos, que funcionava em condições precárias junto à zona do Flecheiro, à entrada da cidade.
As obras de ampliação resultaram de um investimento camarário a rondar os 100 mil euros e dotaram o espaço com capacidade para 180 cães e 30 a 40 gatos, uma lotação que está, de momento, esgotada de acordo com o vereador com o pelouro do canil, Hugo Cristóvão, para quem, segundo ele a entrada em vigor da nova lei veio complicar ainda mais uma situação já difícil. No entanto refere que, já antes, as eutanásias só aconteciam em circunstâncias muito concretas, como por doença ou a pedido das autoridades judiciais.
Para o autarca, é fundamental continuar a apelar ao civismo das pessoas para que não abandonem os seus animais. “Se cada um assumir a sua responsabilidade é mais fácil para todos, caso contrário não há canil que aguente”, rematou o vereador indicando que chegaram a ter casos de animais que foram atirados para dentro da vedação do canil a meio da noite.
Tal como em Santarém, o canil de Tomar partilha o espaço e funciona em parceria com a Associação Protectora dos Animais do Ribatejo Norte (APAT) grande dinamizadora das campanhas de adopção.
Vila Franca de Xira investe em obras
O canil municipal de Vila Franca de Xira é um dos 136 Centros de Recolha Oficial (CRO) do país e está a sofrer obras profundas de ampliação e reabilitação, no valor de 67.600 euros, que vão decorrer até Outubro. As obras visam dotar o espaço de boxes mais amplas e confortáveis para os animais, melhores condições sanitárias e novas condições de conforto para os trabalhadores municipais.
Vila Franca de Xira já promovia uma política de não abate de animais antes da entrada em vigor do diploma que vem tornar ilegal essa prática, situação que tem como consequência o facto do CRO ter há muito a sua lotação esgotada, com 127 cães e 10 gatos. As vagas para novos animais vão sendo conseguidas através de campanhas de adopção e do controlo dos animais errantes.
No que toca aos gatos, por exemplo, Vila Franca de Xira tem nas ruas o programa “Capturar, Esterilizar, Devolver”, desenvolvido desde 2016 em parceria com a Associação Animais de Rua, que já permitiu intervir em 40 colónias de gatos e assegurar a esterilização de 400 animais. Esta associação veio recentemente defender a aplicação de uma medida semelhante para os cães (ver caixa).
Animais abandonados podem transmitir doenças e provocar acidentes
O bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, Jorge Cid, acusou no final do mês de Agosto as autoridades de não estarem a cumprir a lei que obriga a recolher os animais abandonados, por haver centros de recolha sobrelotados. “A lei obriga a que os animais errantes sejam recolhidos pelas entidades competentes - câmaras Municipais, PSP e GNR mas não há sítio para os pôr”, sublinhou.
De acordo com o bastonário, durante o período transitório de dois anos, entre 2016 e 2018, não houve preocupação das entidades em controlar o abandono de animais. “Durante dois anos pouco se fez. Quando a medida entrou em vigor já estavam os canis sobrelotados e, portanto, já se sabia que este problema não ia ter resolução”, disse, sublinhando que considera a lei benéfica.
Jorge Cid reconheceu também a necessidade da criação de um grupo de trabalho capaz de controlar a situação e de construir mais centros de recolha, uma vez que os animais errantes constituem um perigo para as populações, bem como para outros animais, nomeadamente de origem pecuária, aos quais podem transmitir doenças.
O bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários aconselha as pessoas a evitarem zonas periféricas das cidades e dos meios rurais, onde se formam matilhas, por forma a não correr o risco de serem atacadas.
Almeirim e Alpiarça recebem apoios
Cerca de metade das autarquias ainda não instalou serviços próprios para cuidar e esterilizar cães e gatos, havendo 136 Centros de Recolha Oficial (CRO) que servem mais de 150 municípios (dos 308 existentes), de acordo com a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV). Em 2018, o Governo abriu um concurso que permitiu apoiar 17 candidaturas de autarquias ou agrupamentos de municípios na construção de CRO, com o financiamento de 975.318,91 euros, através de um programa de concessão de incentivos financeiros. De acordo com a DGAV, em 2019, foram seleccionados 20 projectos no valor de 1.128.615,70 euros, tendo já sido assinados 18 contratos para a construção de CRO. Entre as entidades apoiadas estão também as autarquias de Almeirim e Alpiarça.
Números a nível nacional
46% - Eutanásias/abates, baixaram de 11.819 para 6.425 entre 2017 e 2018; 36.558 - Animais errantes (cães e gatos) recolhidos nos centros oficiais municipais em 2018 (dados da DGAV); 42,7% - Menos de metade dos animais recolhidos foram adoptados; 6.425 - Animais abatidos, no ano passado, por estarem doentes ou em sofrimento, mas também por excesso de população; 136 - Centros Oficiais de Recolha no país.
Capturar, esterilizar, vacinar e devolver à rua
A associação Animais de Rua defende que além dos gatos, também os cães devem entrar no programa de captura, esterilização e devolução (CED) aos locais de origem, considerando que essa é uma das soluções para o problema das matilhas selvagens.
Sem números oficiais disponíveis, Ana Duarte Pereira, daquela associação, refere que não é possível afirmar se houve ou não um aumento de matilhas de cães selvagens nos últimos anos, embora agora se ouça falar mais desse problema.
Apesar de ser muito mais difícil e moroso capturar cães errantes do que gatos, explicou, isso já se faz. Depois da captura, tal como acontece com os gatos, os cães deveriam ser vacinados e esterilizados e, posteriormente, devolvidos aos locais de origem, com a designação de um cuidador que ficaria responsável, entre outros cuidados, pela sua alimentação.
A associação Animais de Rua actua a nível nacional, contando com cinco núcleos, um deles na região, em Vila Franca de Xira, onde recentemente foi aprovado um projecto de criação de um novo regulamento municipal de higiene e limpeza pública que permite que os felinos abandonados possam ser tratados por cidadãos em articulação com a câmara.