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Cheira mal em Alcanena como nos tempos antigos
Joaquim, Vítor e Alfredo dizem que os maus cheiros desaparecem nos dias de festa

Cheira mal em Alcanena como nos tempos antigos

Alcanena voltou aos piores tempos de antigamente quando a população era vítima da actividade industrial dos curtumes que é a imagem de marca do concelho e dá emprego a muita gente. A poluição voltou em força e está a pôr em perigo a saúde pública. Aparentemente, as autoridades deixam andar e não há contestação, embora não faltem associações ambientalistas.

Quando o repórter de O MIRANTE chegou a Alcanena não sentiu o mau cheiro que tem sido notícia nos últimos tempos mas depressa foi esclarecido por José Ferreira, que diz em passo apressado: “Se tivesse vindo às oito da manhã não conseguia andar na rua”. José trabalha como vendedor de gás, mas já teve uma empresa que vendia candeeiros. Conta que chegava a vender candeeiros a pessoas do norte do país, que lhe ligavam para perguntar se os moradores de Alcanena ainda estavam vivos. “Eu vendia candeeiros todos sujos por causa da poluição. E quem era de fora estranhava. Isto foi há trinta anos”, refere, para explicar que continua tudo igual.
Para José Ferreira o problema dos maus cheiros é fácil de explicar. “Nenhuma entidade quer gastar dinheiro no tratamento dos resíduos. É mais fácil mandá-los como estão pelo esgoto”, conclui. Os piores dias para se respirar o ar em Alcanena são os mais ventosos, garantem Joaquim, Vítor e Alfredo, sentados num banco do jardim principal da vila. Vítor dá o exemplo do seu filho para explicar a gravidade da situação que se vive em Alcanena, nestes tempos em que o ambiente é motivo de conversa fiada na Assembleia da República, a casa da democracia: “Tenho um filho que todos os dias fica com os estores das janelas pretos, limpa-os e na manhã seguinte estão iguais”.
Joaquim, Vítor e Alfredo, questionados sobre qual seria a solução para o problema, consideram que “a câmara tem que se impor sobre as indústrias. Não o pode fazer só quando há eventos sociais”, porque, realçam, nas alturas de festas e actividades autárquicas os maus cheiros desaparecem. Para os três parceiros de convívio esta situação tem vindo a afastar a população. “Quem é que quer morar num sítio destes? Se vier aqui às cinco da tarde vai ver uma procissão de carros a saírem da vila”, concluem.
Ser carteira numa terra contaminada é um martírio. Mara Coelho trabalha em Alcanena há muitos anos e não se lembra de uma altura em que os maus cheiros tenham acalmado. “Todos os dias se sentem. Uns dias mais do que outros, mas sentem-se sempre”. Mara desloca-se de mota todo o dia, o que torna a situação insuportável. “Já imaginou o que é levar com vento malcheiroso e poluído o dia todo”, questiona.
O MIRANTE entrou numa das farmácias da vila e falou ao balcão com uma das técnicas: “o atendimento a pessoas com alergias e irritações é constante”. E dá exemplo de uma situação que aconteceu nessa manhã (quinta-feira, dia 10). “Atendi um senhor que se queixava de ter a boca a saber a cortiça. Revelava um sintoma alérgico causado pela inalação do ar poluído que circulava esta manhã”. Para a saúde do seu negócio esta realidade poderia ser a melhor, mas para a farmacêutica a saúde das pessoas está em primeiro lugar. “Podemos vender mais umas gotas e uns sprays à custa disto mas não nos sentimos bem a fazê-lo”, admite, concluindo que já ligou muitas vezes para o Serviço de Protecção da Natureza e Ambiente (SEPNA) da GNR, mas sabe que está a chover no molhado.

Mara Coelho é carteira em Alcanena

Trabalhador da ETAR diz que o mal está na origem

Numa passagem pela ETAR de Alcanena O MIRANTE encontrou um trabalhador da estação de tratamento, que acordou responder a algumas perguntas sem ser identificado. Faz uma crítica à população por não se mexer e atribui as culpas do problema às fábricas de curtumes. “O problema está na origem, nas indústrias. Há coisas que as fábricas deviam fazer antes de lançarem os resíduos nos colectores”, afirma, sugerindo que deviam ser estipuladas regras que as indústrias deviam cumprir. “Pelo menos que os resíduos venham minimamente tratados”, conclui.
Numa explicação mais detalhada conta que a origem dos maus cheiros vem da descarna que se faz às peles. “O cabelo das peles é arrancado ficando os restos de carne que, entretanto, são retirados. Esses restos deviam ir para contentores e ser despejados nos aterros. Mas é mais fácil derretê-los com vapor e ácido e mandá-los pelo cano abaixo”, conclui. Num desabafo termina a dizer que sabe que um dia vai pagar caro o trabalho duro que faz na ETAR e que a única solução que encontra para o problema reside na fiscalização das indústrias.

Para José Ferreira continua tudo como há 30 anos

Dificuldades da GNR em apanhar prevaricadores

O posto da GNR de Alcanena recebeu até ao momento duas queixas. Mas ressalva que algumas queixas são feitas através da Linha SOS Ambiente e Território, um serviço disponível 24 horas por dia, através da linha azul 808 200 520, e dos sítios de Internet da Guarda Nacional Republicana e da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT). O comando territorial da GNR de Santarém confirmou o registo de 17 queixas via SOS Ambiente.
As queixas recebidas são encaminhadas para equipas no terreno que têm tido dificuldade em apanhar em flagrante os prevaricadores. O comando territorial justifica as dificuldades realçando que há muitas formas de contornar a situação.

Na guerra entre a Austra e a Câmara de Alcanena quem sofre é a população

Maus cheiros já levaram morador ao hospital


A irritação nos olhos foi tão forte que Jorge Castro teve que ir de urgência para o hospital. Jorge vive em Oeiras, mas tem casa na parte velha da vila de Alcanena, onde regressa com frequência. No fim-de-semana de 28 e 29 de Setembro os maus cheiros foram tão intensos, sobretudo nessa zona mais elevada da localidade, que se viu obrigado a enrolar uma toalha turca molhada na face. Mesmo assim a irritação não passou e resolveu recorrer ao hospital. “Nesta guerra entre a Austra e a câmara é a população quem mais sofre, e essa não é ouvida”, lamenta.
Jorge Castro apresentou queixa por escrito na câmara municipal e comunicou a situação à Protecção Civil. Dirigiu-se também ao SEPNA da GRN de Torres Novas, onde desvalorizaram a situação. Segundo conta a O MIRANTE, disseram-lhe que a situação é recorrente e que nada podem fazer, sendo a sua participação apenas mais uma.
A família materna de Jorge, reformado bancário, com 74 anos, é de Alcanena e, em tempos, teve indústrias no ramo dos curtumes. Jorge diz que ainda tem por lá um “casco” de uma fábrica que não consegue vender porque ninguém ali quer investir. Em Alcanena vive o irmão mais velho que já se habituou aos maus cheiros. “A sua disfunção olfactiva ajuda-o a suportar aquele inferno”, refere Jorge.

Cheira mal em Alcanena como nos tempos antigos

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