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“Não temos uma cultura de prevenção e julgamos que os problemas só acontecem aos outros”
Mário Silvestre é comandante operacional do CDOS de Santarém desde 2013

“Não temos uma cultura de prevenção e julgamos que os problemas só acontecem aos outros”

Todos somos protecção civil, enfatiza Mário Silvestre, comandante operacional do Comando Distrital de Operações de Socorro de Santarém, numa conversa com O MIRANTE a propósito do Dia Internacional da Protecção Civil, assinalado a 1 de Março. Para o responsável a força maior da protecção civil é a resiliência da sua população. Mas melhor do que agir numa catástrofe é preveni-la e para tal é necessária uma urgente mudança de mentalidades.

Defende o papel das autarquias na construção de comunidades mais seguras e resilientes?

O lema da protecção civil é ‘Todos somos protecção civil’. Isto significa que é uma responsabilidade que começa em cada um de nós, começa no cidadão. Entidades como os municípios e as freguesias são as que estão mais próximas das populações, dos seus munícipes e fregueses. Sou um defensor acérrimo do seu papel interventivo.

O presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANPC) afirma que a protecção civil tem que ser cada vez mais preventiva e menos reactiva. Como se consegue isto?

Consegue-se com informação, formação e sensibilização, mas sobretudo com uma modificação comportamental. Somos um país de brandos costumes e normalmente achamos que o problema acontece sempre aos outros. Isso faz com que não tenhamos uma cultura preventiva. Ao contrário de outros países temos uma cultura de segurança ainda muito ténue. É preciso sensibilizar, mas mais importante é consciencializar. Obrigar a uma mudança de mentalidades. Uma mudança cultural que não será para amanhã. É um problema geracional.

As comunidades estão receptivas aos apelos da ANPC?

As comunidades estão receptivas, o problema é quando passamos ao pragmatismo das acções. Chegar a cada cidadão, fazer mudar consciências é a parte mais complexa. Basta vermos os acidentes que continuamos a ter, as mortes na estrada ou a falta de cuidado nas praias. Se a protecção civil dá um aviso para eventos meteorológicos extremos, agitação marítima, por exemplo, o que é que as pessoas fazem? Vão ver o mar. Funcionamos quase em contraciclo.

Será melhor não avisar?

Eventualmente teremos que chegar a um consenso e dizer “amanhã não há ondas, o mar está flat”, para ninguém lá ir. Estou a ser completamente irónico, mas este é um problema cultural. Quando dizemos as coisas, e falo por experiência própria, normalmente as pessoas têm uma tendência muito grande em concordar, o problema está no passar à prática. O problema é o cidadão. Somos todos nós. A comunicação social também tem a sua quota-parte de culpa. Adora alimentar este tipo de situações. Veja-se o caso do coronavírus. Em Portugal morrem três mil pessoas por ano com a gripe comum, mas andamos todos preocupados com o Covid-19.

Quais as ocorrências mais frequentes na região?

Emergências pré-hospitalares e tudo o que são doenças súbitas e traumas. Vivemos numa região com muitos acidentes de viação. Somos o distrito que mais quilómetros tem de auto-estrada e isso reflecte-se no número de acidentes. Além disso somos um distrito que tem de tudo. Na parte norte temos os incêndios florestais e na parte sul as cheias e inundações rápidas.

Quantos efectivos engloba a protecção civil na região?

O número depende daquilo que defendermos como conceito de protecção civil. A protecção civil é feita pelos seus agentes de protecção civil de forma directa e, mais uma vez, chega até ao cidadão. Portanto se considerarmos essa questão de uma forma mais lata diria que terá tantos elementos quanto a população residente no distrito de Santarém, somando ainda a população flutuante e todos os que cá trabalham e não são de cá. Gostaria muito que fosse assim.

E em termos de comando distrital propriamente dito?

Se contabilizarmos o Comando Distrital de Operações de Socorro, mais a força especial de protecção civil, isto é, o contingente destacado da ANPC em Santarém, somos cerca de 60 elementos.

Incêndios de 2017 marcaram pela negativa

Qual a operação mais difícil em que já esteve envolvido?

Os grandes incêndios de 2017 foram, provavelmente, as operações mais complexas em que me vi envolvido. Pelo impacto mediático e pelo número de mortes que causaram.

E qual a que mais teme vir a estar?

Não tenho fobia a qualquer tipologia de ocorrência. Há algumas que são mais complexas do ponto de vista da sua gestão, mas não há nada que me tire o sono relativamente àquilo que é a complexidade que uma operação dessas possa vir a ter.

O distrito está preparado para uma grande catástrofe como o terramoto de 1909?

A preparação tem sempre a ver com o impacto que o evento possa ter. Não podemos comparar, neste momento, um sismo com a mesma magnitude e a mesma intensidade, porque provavelmente não terá os mesmos impactos. Tudo mudou, as variáveis e as incógnitas são muitas. Será certamente uma operação complexa. O fundamental é ter confiança no trabalho dos agentes de protecção civil. Falo do grande número de corpos de bombeiros que temos disponível por todo o distrito e que têm provado ao longo do tempo que possuem uma capacidade técnica e um profissionalismo a toda a prova.

O que tem feito a protecção civil?

Brevemente faremos um exercício no Cartaxo sobre busca e resgate em estruturas colapsadas, no fundo a pensar numa situação de sismo. Quando falamos neste tipo de catástrofe, dizem-nos as estatísticas que o primeiro braço, a primeira mão que salva é a mão amiga, é o vizinho, o amigo, o familiar, é quem está próximo. Mais uma vez voltamos àquilo que é a força maior da protecção civil, a resiliência da sua população.

Qual o papel do Exército na protecção civil?

O Exército é um agente de protecção civil e a coordenação é feita da mesma forma que com qualquer outro agente de protecção civil. Os corpos de bombeiros serão sempre a primeira linha, os primeiros a responder, os ‘first responders’ como dizem os anglo-saxónicos. Os bombeiros fazem todo o ciclo, desde a resposta primária à resposta secundária, até à recuperação. As Forças Armadas entrarão sempre numa resposta secundária, nunca são primeira intervenção. Após avaliação e análise verifica-se se há condições para o envolvimento dos mesmos e de acordo com as suas valências serão accionados e entrarão dentro do sistema de comando e controlo como todos os outros agentes de protecção civil.

Sendo o presidente da câmara, por inerência, o responsável da protecção civil do seu concelho, de que forma é que as medidas de descentralização de competências do Governo para os municípios podem alterar esta dinâmica?

O município, na pessoa do seu presidente, tem um papel crítico numa situação de emergência. Não só na fase de resposta propriamente dita, mas em tudo aquilo que é anterior à resposta, a prevenção, a mitigação, a preparação do seu município e dos seus munícipes. A descentralização não vem aumentar responsabilidades, elas já existem desde que a lei lhes confere o poder enquanto entidades máximas da protecção civil. Um serviço de protecção civil bem organizado num município fará sempre a diferença.

Assinalaram o Dia da Protecção Civil de alguma forma especial?

Para além das comemorações do Dia do Município de Tomar, que incluiu a cerimónia do aniversário do corpo de bombeiros, há uma exposição montada no TorreShopping, em Torres Novas, e diversos eventos que vão decorrer ao longo de todo o mês de Março em Ferreira do Zêzere, Tomar, Torres Novas, Sardoal e outros municípios.

Uma vida dedicada à protecção dos outros

Mário Silvestre, comandante operacional do Comando Distrital de Operações de Socorro de Santarém, desde 2013, liderou durante sete anos os Bombeiros Municipais do Cartaxo. Foi oficial do Exército e integrou os quadros do Ministério da Justiça desempenhando funções de director financeiro no extinto Estabelecimento Prisional de Santarém. É licenciado em Gestão de Empresas e pós-graduado em Higiene e Segurança no Trabalho.

“Não temos uma cultura de prevenção e julgamos que os problemas só acontecem aos outros”

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