Serranos, Campinos e Bairrões - Maneiras de Dizer na Borda d´Água
O alforge, que em toda a parte se conhece, variando apenas na matéria de que é tecido, ou nas cores da lã ou dos trapos empregados no seu fabrico, é para o ribatejano o que é a pasta para o advogado
Maneiras de Dizer na Borda d´Água1
Alforge
O alforge, que em toda a parte se conhece, variando apenas na matéria de que é tecido, ou nas cores da lã ou dos trapos empregados no seu fabrico, é para o ribatejano o que é a pasta para o advogado, para o cobrador ou para qualquer fiel farrapo que se lembra de andar de rua em rua a finjir que trabalha muito.
Se vai a pé, o alforge vai ao ombro, ou dependurado no cajado que leva às costas; se vai a cavalo, não dispensa o alforge, onde leva os mantimentos para a viagem; e se vai na carreta, lá vai a seu lado o alforge, melhor ou pior fornecido de coisas necessárias a conservá-lo.
O próprio cavador de enxada não pode dispensar o alforge; e a expressão "ir de alforge", ou "andar de alforge" dá a conhecer que o serviço em que anda é muito longe de casa e só regressa aos sábados.
–Esta semana tivestes sorte, repaz, que andas de pano; mas eu há um ror de semanas q´ando de alforge...
Aposento
Desde a choupana do padre ao palácio do potentado, o aposento é a parte da casa, onde a gente recolhe, a fim de restaurar as forças num justo e merecido descanso, depois de um dia de pica-boi.
No Ribatejo o aposento é barracão, o telheiro, ou o espaçoso estábulo onde o gado pernoita, ou onde passa o dia se é gado de estabulação constante.
Palheiro se chama a estes barracões, nalguns sitios; porque onde o gado pernoita, aí se guarda a palha com que o havemos de nutrir; e mesmo que nenhuma palha ali se guarde, ainda que se trate de simples estábulo para pouca permanência, não deixa mesmo assim de se chamar palheiro.
No Ribatejo é aposento, mesmo que apenas sirva para guardar o pasto para o gado que muito de longe em longe ali se acoite.
Calcule-se a elasticiadade do termo "aposento" que vai das lezírias do Tejo até ao palácio do mais poderoso rei...
1 Escrito por Francisco Serra Frazão em 1938.