Opinião | 14-11-2024 07:00

A ciência cidadã, a D. Isaura, a D. Emília e o cheiro das palavras

A ciência cidadã, a D. Isaura, a D. Emília e o cheiro das palavras

Uma crónica sobre conversas ao telefone depois das viagens, o lançamento de um livro que vai fazer história e um projecto de ciência cidadã que na próxima semana poderá ler nas páginas de O MIRANTE

Esta crónica tem as marcas de uma conversa ao telefone com Isaura Baptista Bastos e uma longa manhã de volta de meia centena de livros que viajaram comigo e que preciso de arrumar de forma a não os perder de vista conforme o interesse do momento: os que ainda não li, os que comecei a ler e deixei a meio, os que li quase até ao final e deixei em suspenso, e os que tenho que ler nem que a vaca tussa, mesmo que tenha consciência que o meu tempo é finito, e se me fecho em casa a ler fico o mais infeliz dos seres humanos.
A D. Isaura tem 85 anos e é uma orgulhosa companheira de vida, e de uma vida, do jornalista e escritor Baptista Bastos que faleceu em Maio de 2017. De vez em quando falamos ao telefone e pomos a conversa em dia. Não conheço ninguém que tenha tanta alegria de viver e esteja dependente de uma cadeira de rodas, e de um andarilho, por causa de uma queda que lhe causou diversas fracturas. Cada vez que conversamos encho duas folhas de notas. Não sei para que vão servir mas é o hábito que faz o monge. Estamos sempre ligados embora só falemos de tempos a tempos. Eu porque continuo leitor e admirador do autor de "Bicicletas em Setembro" e Isaura porque vai lendo O MIRANTE como se fosse o jornal da sua terra ( e é de certo modo porque a casa em Constância ainda existe, e eu nunca vou esquecer o passeio pela Chamusca a procurarmos uma casa que eles queriam comprar por razões que agora não interessa explicar).
Esta coisa de escrever deve-se muito ao facto de as palavras terem cheiro, de haver palavras que não pronuncio por serem feias, de viajar muito, na maioria das vezes de forma imaginária. Sim, porque eu estou agarrada a uma cadeira de rodas, mas estou sempre a sonhar, embora não realize a grande maioria dos meus sonhos. Nem quero realizar. Depois como é que continuava a sonhar? O meu marido foi o jornalista que mais escreveu sobre Lisboa, mas as crónicas e as entrevistas que publicou, nomeadamente no jornal O Ponto, jamais serão esquecidas. Tenho saudades dele, dos livros que recebia em casa, de o ouvir ler um livro de um novo autor e dizer que gostava mais do original.
Estou a misturar palavras minhas com frases de Isaura Baptista Bastos para que a crónica avance e os leitores não me chamem chato, habituados que estão a que eu seja pão pão queijo queijo. O problema é que preciso sair para a rua e dar uma volta de moto, e apanhar sol na careca e vento no rosto. Isto de ficar horas e horas seguidas agarrado aos livros dá mau resultado. Ficamos mais inteligentes mas mais curvados, mais velhos, gozamos menos os prazeres físicos das caminhadas, dos passeios à beira mar, das visitas à beira Tejo e, acima de tudo, das viagens sem destino que só possíveis quando nada nos obriga a ficarmos agarrados a um computador ou a um posto de trabalho.


No passado domingo fui participar numa iniciativa de um projecto de ciência cidadã com mais meia-dúzia de almas. Foi na Azinhaga por onde passa o Almonda que está infestado de jacintos, não tem fauna piscícola mas tem água suficiente para um barco descer até ao Tejo. Falo do assunto porque no regresso à Chamusca meti pela estrada do campo até ao Barracão do Duque e evitei passar na Golegã. A Feira para mim já era. Assim que terminar volto lá para comer um peixe assado na Adega do costume.


Domingo, dia 17 de Novembro, vou apresentar o livro de Emília Infante Pedroso que, finalmente, está nas bancas. Não acredito que o livro se torne um best seller, mas acredito que vai ter muitos leitores, e alguns vão gostar de ler a história de vida de uma menina de bem, que aos vinte e poucos anos foi internada à força, depois de ter fugido com um hippie e ter sido presa em Espanha por ordem da família. Emília Infante Pedroso descende de uma das famílias mais conhecidas da vila, e a sua autobiografia vai ficar a marcar para sempre o meio chamusquense, que nunca teve ninguém com o seu estatuto a escrever sobre a terra e algumas aventuras e desventuras. JAE.

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