“Se as empresas investissem em Alpiarça os jovens não teriam que sair da sua terra”
Hugo Teodoro é comandante dos Bombeiros Municipais de Alpiarça desde 2013. O pai era bombeiro e foi com naturalidade que seguiu os seus passos. Tem vários familiares na corporação que lidera e o filho, de oito anos, também já demonstra vontade de seguir o mesmo caminho. Considera que faz falta as empresas apostarem e investirem em Alpiarça porque isso, diz, faria com que os jovens não tivessem de sair da sua terra. Uma entrevista na semana em que o concelho assinala o 104º aniversário, a 2 de Abril.
Quais são as principais dificuldades com que se debate a corporação de Alpiarça?
Faltam sobretudo mais meios humanos nas corporações e os bombeiros não estão a ser tão bem vistos na opinião pública como deveriam ser, o que afasta as pessoas, sobretudo os mais novos, dos quartéis de bombeiros.
Pode especificar?
Sobretudo desde os grandes incêndios do ano passado passou-se uma imagem negativa, que os bombeiros não chegam a todo o lado e que há falta de bombeiros. Essa imagem negativa é prejudicial para conseguir recrutar mais jovens.
A que se devem as dificuldades na recruta de bombeiros?
Os jovens hoje têm muitas actividades desportivas e musicais e ficam sem tempo livre. Ou simplesmente não têm interesse em ingressar nos bombeiros porque é uma actividade que exige disponibilidade e sangue frio e nem todos os jovens estão preparados para situações mais complicadas. Além disso, não são recompensados monetariamente como deveriam ser e é uma profissão de risco e que não tem legislação adequada em vigor. Tudo isto leva a um afastamento dos jovens.
A que se refere concretamente quando fala que não existe legislação adequada?
Não existe legislação concreta redigida. Está há muitos anos para sair um estatuto para os bombeiros voluntários e municipais que nunca avançou. Estamos há cerca de dez anos à espera e esta falta de legislação faz com que, por vezes, os bombeiros não saibam como funcionar. Isso faz com que as pessoas desmotivem. Não é vista como uma profissão de futuro onde se pode progredir a todos os níveis.
Cada vez se exige mais bombeiros e comandantes com habilitações superiores. Até que ponto é que deixa de contar a experiência?
Não é o facto de uma pessoa ser licenciada que vai resolver o problema que tem em mãos. A experiência conta muito. A formação dada aos bombeiros é que talvez devesse ser mais adequada, porque como costumamos dizer não são os canudos que vão apagar fogos nem vão resolver acidentes. Uma boa formação, mais abrangente, e uma boa organização resolveria mais e melhor as situações.
Os bombeiros municipais estão mais bem preparados que os bombeiros voluntários?
Em Alpiarça somos bombeiros municipais mas temos um corpo de bombeiros misto, ou seja, temos profissionais, que pertencem ao quadro do município e que estão a trabalhar a tempo inteiro, e temos voluntários também. Todos fazemos um trabalho igual, não há diferenças entre bombeiros municipais e voluntários.
Os municipais dão mais despesas aos municípios que os bombeiros voluntários?
Os bombeiros voluntários também recebem financiamento por parte dos municípios onde estão inseridos. As autarquias que têm corpo de bombeiros municipais têm mais despesa porque têm que pagar os ordenados. E os investimentos que têm que ser feitos também ficam por conta dos municípios. Por essa razão existe mais despesa do que nos voluntários.
Os Bombeiros Municipais de Alpiarça celebraram em Março o seu 69º aniversário. Que presente daria à sua corporação?
Daria um bocadinho de melhor condições aos bombeiros. Faz falta mais pessoal e oferecia um carro de combate a incêndios florestais. Felizmente, ofereceram-nos um tanque de combate a incêndios que era uma necessidade que tínhamos. E precisávamos de mais uma ambulância de socorro.
O que é que faz falta a Alpiarça?
As empresas instalarem-se cá e os empresários apostarem e investirem mais neste concelho. Isso traria mais empregos e talvez fizesse com que os jovens não saíssem de cá. E a população que teve que sair de cá para procurar emprego noutras cidades talvez pudesse regressar à sua terra.
Que balanço faz destes anos enquanto comandante dos Bombeiros Municipais de Alpiarça?
Tento sempre fazer o melhor em prol da minha corporação. Ponho-me sempre no lugar deles. Fui sempre bombeiro e não é por ser comandante que vou deixar de ser bombeiro e apoiar os meus bombeiros. Não me considero acima de ninguém mas sim mais um que está pronto para ajudar.
Como se podem evitar incêndios tão graves como os que aconteceram o ano passado?
Passa por sensibilizar as pessoas e sobretudo os proprietários dos terrenos que precisam estar limpos junto às habitações. Os algerozes e os telhados devem estar limpos. Todos os seus bens devem estar protegidos porque com as alterações climáticas que têm acontecido não sabemos se situações como as que ocorreram o ano passado não voltam a acontecer.
As pessoas cumpriam as regras antes dos incêndios de 2017?
Pelo que vi as pessoas não cumpriam as regras. Vi muitas habitações com muito mato junto das casas. Pouca segurança à sua volta e pouca limpeza. As pessoas julgavam ser impossível acontecer o que aconteceu no ano passado.
Porque é que a região da Lezíria do Tejo foi poupada a grandes incêndios?
Os terrenos são mais planos, tem mais e melhores acessos. Há áreas em que pode acontecer o que aconteceu no centro do país e talvez não tenha acontecido por sermos um distrito bem orientado a nível da Protecção Civil. Temos muitos corpos de bombeiros e o nosso trabalho é bem planeado a nível distrital.
A nova lei de limpeza de terrenos é suficiente para evitar incêndios graves?
Se a lei for posta em prática talvez vá trazer mais segurança nas zonas habitacionais. Agora fora do meio urbano vai sempre haver incêndios, podem é não ser tão graves. O problema é que tem havido muita confusão sobre as novas regras. Além disso, é a população mais idosa que vive nas zonas mais perigosas e não têm meios nem recursos para fazerem a respectiva limpeza. O problema é que não se vai conseguir limpar tudo.
“Os bombeiros nunca são suficientes para as necessidades”
A corporação de Alpiarça conta actualmente com 35 elementos, sendo que 22 são profissionais e 13 são voluntários. Estão abertos concursos para integrar mais três profissionais. A intenção é abrir mais concursos para integrar mais profissionais no corpo de bombeiros. “Os bombeiros nunca são suficientes para as necessidades das populações”, realça. Hugo Teodoro espera que no futuro exista uma organização bem definida para que os bombeiros saibam bem qual o seu trabalho e o que têm que fazer. “Neste momento existe muita desinformação. Há muitas entidades metidas no socorro e nos incêndios florestais. A estrutura deveria estar um bocadinho mais organizada”, conclui.
Um comandante que nasceu numa família de bombeiros
Hugo Teodoro nasceu a 18 de Novembro de 1977 em Alpiarça. É bombeiro desde os 13 anos mas desde criança que frequenta o quartel da vila, pois o seu pai também era bombeiro e Hugo gostava de acompanhar o pai. Sempre que podia ia para os bombeiros e chegou a faltar à escola para alimentar a paixão pelos soldados da paz. “Sempre que a sirene tocava tinha vontade de correr para os bombeiros apesar de ser muito pequeno. Comecei a ficar com o gosto talvez por ver o meu pai. Depois foi-se tornando mais sério. É um sentimento difícil de explicar... É o gostar de sermos úteis e percebermos que podemos salvar ou ajudar alguém que precisa de nós”, explica a O MIRANTE numa entrevista que decorreu no quartel dos Bombeiros Municipais de Alpiarça.
Foi comandante interino em 2009 e é comandante da corporação de Alpiarça desde 2013. Confessa que nunca foi um cargo que ambicionasse. “Gosto mais de estar no terreno mas, felizmente, hoje exige-se muito a um comandante no teatro de operações por isso acabo por fazer aquilo que realmente gosto. É um cargo exigente mas recompensador”, refere.
A família de Hugo Teodoro está toda ligada aos bombeiros. Além do seu pai, também tinha um primo bombeiro. Actualmente, o seu cunhado (marido da sua irmã) e o seu sobrinho, de 19 anos, também pertencem à corporação de Alpiarça. E o seu filho, de oito anos, também já gosta dos bombeiros. “É um bichinho que existe na família. O meu filho já gosta de vir para o quartel e fica todo entusiasmado com os carros e as sirenes”, conta. Em 27 anos de actividade nos bombeiros, Hugo Teodoro teve muitos serviços que o marcaram mas, admite, os mais complicados são os que envolvem crianças. “Uma vez tivemos que salvar uma criança que ficou debaixo de um manipulador de terras, ao pé da Gouxa. Felizmente, o menino acabou por ficar bem mas foi um salvamento muito complicado”, recorda.