Emoção no Tramagal na última consulta do pediatra Vilela Brazão
Médico deu consultas na vila durante 22 anos sem receber nada em troca. Dinheiro das consultas reverteu sempre para a Associação Humanitária de Dadores de Sangue do Tramagal que o homenageou no último dia de trabalho.
Foi de lágrimas nos olhos e sem esconder a emoção que o pediatra João Vilela Brazão foi surpreendido pela direcção e associados da Associação Humanitária de Dadores de Sangue do Tramagal e também pelos seus utentes, que o quiseram homenagear e despedir-se no último dia de consultas nessa vila do concelho de Abrantes. Após 22 anos a atender crianças de forma benemérita, o pediatra João Vilela Brazão deu a sua última consulta na manhã de sábado, 24 de Março. Após as consultas foi chamado ao átrio de entrada da sede da associação, onde o esperavam dezenas de antigos e actuais pacientes que o aplaudiram no momento da despedida.
Surpreendido e emocionado, agradeceu a todos pela sua presença. “Fiz aquilo que gosto e gostaria de ter mais vida para continuar por mais tempo a fazer aquilo que gosto e a dar a minha assistência a quem precisa mas a idade também não perdoa. Orgulho-me muito de ver jovens, cujas mães foram minha pacientes e agora vêm com os seus filhos. Essa parte é que é valiosa. Eu dar aos outros não é tão importante porque faço o que gosto”, afirmou no seu discurso improvisado.
O médico, de 80 anos, aproveitou o momento para recordar as memórias de infância que o levaram a querer ajudar os outros sem pedir nada em troca. “Fui criado num ambiente rural. Vi muita gente que vivia sem condições. Meninos da minha idade que andavam descalços e passavam fome. Vi muito sofrimento. Eu era um privilegiado e fiquei sempre com a ideia que tinha que fazer algo para ajudar quem precisava. Depois de me ter formado jurei que a todas as pessoas naturais de Benavila e Tramagal nunca iria cobrar nada e iria ter a porta da minha casa sempre aberta”, contou.
Foi médico no Hospital da Estefânia, em Lisboa. Aposentou-se há 12 anos mas ainda mantém actividade no seu consultório particular. “Enquanto a minha função cognitiva funcionar continuarei a trabalhar no meu consultório. Quando perceber que já não estou na posse plena das minhas faculdades saio”, sublinha. Vilela Brazão confessa que um dos segredos da sua saúde é caminhar quase seis quilómetros todos os dias.
UM MÉDICO QUE VAI DEIXAR SAUDADES
Lina Mendonça é a única funcionária da Associação Humanitária de Dadores de Sangue do Tramagal (AHDST) e a pessoa que mais privava com o médico sempre que ele vinha dar consultas todos os meses à sede da associação. No momento da despedida não conseguiu conter a emoção. “O Dr. Vilela é um excelente ser humano, que nos vai ficar no coração. Vai ser muito difícil encontrar alguém como este senhor. Vamos sentir muito a sua falta”, confessou com as lágrimas a correrem-lhe pelo rosto.
Também a presidente da associação, Graça Alfaia, estava bastante emocionada durante a homenagem feita ao médico cujo valor de cada consulta [25 euros] reverteu sempre para a AHDST. “Quisemos mostrar o quanto os tramagalenses estão reconhecidos pelo seu trabalho benemérito que fez durante 22 anos. É uma homenagem singela mas queremos que o doutor saiba que fica nos nossos corações e que nunca vamos esquecê-lo”, disse, momentos antes de descerrar a placa que assinala a ligação afectiva de Vilela Brazão a essa freguesia.
Na sala de espera estava uma família que recorre às consultas do pediatra desde sempre. Joana e Leonor sempre foram utentes do médico. O pai, Artur Marques, conta a O MIRANTE que sempre tiveram as melhores referências sobre o pediatra e que depois de o conhecerem confirmaram que é um excelente ser humano. “Cheguei a estar em Lisboa em trabalho e liguei para o telemóvel do doutor para lhe falar de uns problemas de saúde de uma das minhas filhas. Ele saiu de Cascais e foi ao meu encontro ao seu consultório no Campo Pequeno, em Lisboa, só para me atender. É uma pessoa excepcional e vamos sentir muito a sua falta”, disse Artur Marques.
Também o presidente da Junta de Freguesia de Tramagal, Vítor Hugo Cardoso, referiu que o pediatra prestou um serviço “inesquecível” à comunidade do Tramagal. “Se alguém lhe batesse à porta com uma criança doente, mesmo de noite, o doutor Vilela Brazão não dizia que não”, sublinhou. No final, o autarca ofereceu uma medalha da freguesia ao pediatra.
Associação luta contra falta de dadores de sangue
A Associação Humanitária de Dadores de Sangue de Tramagal (AHDST) foi criada em Junho de 1990 por António Contente, depois de este ter precisado de sangue para um familiar seu. A associação é presidida por Graça Alfaia desde 2010 depois de António Contente a ter desafiado a substituí-lo. Enfermeira no Hospital de Abrantes, Graça Alfaia nasceu em Nisa mas vive no Tramagal desde criança. A sua irmã, Lina Mendonça, é a única funcionária da associação e o seu braço direito. “É ela que está todos os dias na sede da associação e trata de tudo”, explica a O MIRANTE.
Além de consultas médicas, o edifício da AHDST tem um laboratório de análises clínica, cabeleireira e o posto dos CTT. “Fizemos um protocolo com os correios e é também uma forma de dinamizar a nossa associação porque temos mais pessoas a virem cá todos os dias”, sublinha Graça Alfaia.
Actualmente, a associação tem cerca de 1200 sócios. No entanto, o número de dadores habituais na freguesia são muito poucos, pouco mais de uma dezena. A associação desenvolve muitas actividades de sensibilização junto das escolas do concelho para alertar as crianças para a importância e necessidade de dar sangue quando forem adultos. O grupo da Bemposta trabalha em conjunto com a AHDST e, segundo Graça Alfaia, este é muito dinâmico e tem ajudado bastante nas recolhas de sangue.
A associação debate-se com o problema da falta de dadores o que tem originado a que haja menos recolhas de sangue durante o ano. “Temos seis locais de recolha de sangue mas já tivemos mais. O Instituto Português do Sangue define um número mínimo de dadores de sangue para se realizarem dádivas e não temos conseguido atingir esse número de inscritos”, lamenta a presidente da direcção.
Apesar das dificuldades, Graça Alfaia faz um balanço positivo da actividade da associação reforçando o esforço de manterem actividades regulares que ajudam a manter as contas da colectividade em ordem.