Antigo ciclista de Almeirim não acompanha a volta a Portugal em directo
António Pisco ficou em sexto lugar na edição da prova realizada em 1960. Tem oitenta anos e trabalha como estofador há mais de cinquenta. Foi ciclista profissional enquanto jovem e venceu inúmeras provas. Na volta a Portugal de 1960 ficou em sexto lugar e diz que se pudesse voltava a competir mas não é saudosista. Na sua oficina, em Almeirim, não há fotografias da sua época dourada nem recortes de jornais, expostos nas paredes. Admite que houve uma prova em que usou doping mas acrescenta que não há doping que faça um morto ganhar corridas.
O doping já se usava nos jogos da antiga Grécia e no ciclismo usa-se desde que ele é modalidade desportiva. A diferença é que antes não havia controle ou quando havia era deficiente e agora é muito rigoroso. António Pisco, ex-ciclista profissional, natural de Almeirim, admitiu à reportagem de O MIRANTE que chegou a tomar “o comprimido” uma vez.
“Precisava mesmo de ganhar aquela prova, pedi ao meu massagista e ele deu-me”. António Pisco conseguiu alcançar o objectivo e venceu a prova. “Venci o circuito da Moita do Ribatejo”, diz entre risos. “Sente-se mais força, a vista fica mais limpa”, esclarece. “Dá para ganhar as corridas, mas só a quem tem pernas. Aquilo não faz andar os mortos”, acrescenta.
A conversa com o ex-atleta profissional foi a propósito de mais uma edição da Volta a Portugal, prova em que António Pisco participou por duas vezes, nos anos sessenta, conseguindo, na primeira vez, em 1960 ficar em sexto lugar.
“Não guardo boas recordações. Já naquela altura as questões por detrás do desporto desmotivavam os desportistas e no ciclismo era igual. Eram as transferências, os interesses, o dinheiro, algumas pessoas... tudo isto ajudou a que terminasse a minha carreira em 1966”.
A chamada para o Serviço Militar Obrigatório e a ida para Angola numa altura em que estava em grande forma física e no auge da sua carreira profissional como ciclista, também contribuiu para o términus da carreira.
“Na altura todos ou quase todos tinham que cumprir o serviço militar. Éramos chamados e tínhamos que ir. Em muitos casos aquilo deu cabo da vida de muita gente. Quando regressei de Angola vinha já com 24 anos e a minha carreira terminou dois anos depois”.
António Pisco começou a pedalar na estrada entre Almeirim e Santarém. Tinha pouco mais de 14 anos e fazia o percurso diariamente porque estava a aprender a ser estofador em Santarém, profissão que abraçou a cem por cento, desde que deixou o ciclismo até aos dias de hoje. “Eram tempos diferentes. Toda a gente andava de bicicleta. Íamos para Santarém sempre na disputa e foi aí que comecei a gostar do ciclismo”, conta.
As viagens de bicicleta até Santarém e o gosto pelas bicicletas levaram-no a inscrever-se no clube Águias de Alpiarça. Passou pelos iniciados, juniores seniores e depois independentes, nome que era dado aos profissionais de agora. “Naquela altura o clube fez uma equipa para ir à Volta a Portugal e eu fui. Não sabia como era, nem para o que ia, era uma incógnita, fui um pouco a medo, mas fui”, lembra agora com 80 anos. O almeirinense fez a primeira Volta a Portugal com 19 anos e a segunda aos 21 anos.
António Pisco diz que vivia muito bem como independente no ciclismo. O seu salário rondava os três mil escudos. “Era mesmo bem bom. Para estabelecer uma comparação, pode dizer-se que quem naquela autura ganhasse mil escudos podia dizer que tinha um bom ordenado”, explica.
As mazelas que tem bem visíveis ainda hoje nos cotovelos, antebraços e joelhos são todas consequência das quedas durante a vida de ciclista. “Uma vez tive uma queda em que dei um salto mortal agarrado à bicicleta. Caí de costas, parti um pé e foi sorte não me acontecer mais nada de grave”. Explica que actualmente é tudo muito diferente.
“As bicicletas são mais dinâmicas, mais leves e isso faz muita diferença. Hoje em dia uma bicicleta pesa à volta dos seis quilos mas na década de 60 rondavam, no mínimo, os 10 quilos. Nesse tempo também não tínhamos ligações aos carros de apoio, como eles têm hoje. Se precisássemos tínhamos que esperar muito tempo e quanto a água tínhamos que agarrar a que as pessoas nos iam dando pelo caminho. Às vezes andávamos até a boca saber a sangue. Era muito mais duro do que agora”, garante.
O objectivo sempre foi o mesmo: ganhar, para ganhar dinheiro. E isso continua, mas os valores não têm qualquer comparação.
António Pisco não segue a Volta a Portugal em bicicleta em directo. Diz que já não sente a vontade de estar agarrado à televisão a seguir as etapas. Na sua garagem, onde trabalha como estofador, há 51 anos, perto da igreja de Almeirim, não há um televisor ou um rádio. Também não à vista, nem fotos, nem qualquer outra coisa que recorde o seu velho amor pelo ciclismo, apesar de alguns ainda se referiram a ela como o “campeão” de Almeirim.
“A nossa carreira acaba verdadeiramente quando deixamos de aparecer nos jornais.Deixamos de ser falados. Mas não posso dizer que não sinto carinho por parte das pessoas da região”, refere. E, num momento de alguma nostalgia, acrescenta: “Se pudesse voltava a ir à Volta”.
O campeão de Almeirim
António Conceição Pisco nasceu a 12 de Janeiro de 1939, em Almeirim. A sua carreira de ciclista, que teve início em 1958 e terminou em 1966, começou no Águias de Alpiarça, tendo posteriormente transitado para o Sport Lisboa e Benfica.
Ganhou, como independente, um Lisboa-Alpiarça, tendo obtido outros primeiros lugares em circuitos de pista, vencendo uma Prova de Abertura e uma Prova da Associação do Sul, bem como uma etapa no Grande Prémio Robiallac. Em 1960, na Volta a Portugal, foi sexto classificado, a 19 minutos e 38 segundos do vencedor, Sousa Cardoso, ciclista do F. C. Porto.
Venceu também, por duas vezes, o célebre contra-relógio de 100 quilómetros Lisboa - Azambuja - Lisboa, a uma média superior a 41km/hora, o que naqueles tempos era assinalável, tendo numa das ocasiões batido o recorde da prova. Foi ainda Campeão Nacional de Perseguição e venceu uma Volta ao Algarve.
António Pisco é casado, tem uma filha e duas netas, a mais nova das quais é velocista no Sporting Clube de Portugal. Aos 80 anos, continua a trabalhar por conta própria, como estofador. Chegou a estar emigrado em França e nos Estados Unidos da América mas regressou sempre à terra natal.