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“Os problemas do Tejo não se resolvem com leis e proibições mas com parcerias proximidade e cumplicidades”

“Os problemas do Tejo não se resolvem com leis e proibições mas com parcerias proximidade e cumplicidades”

Carlos A. Cupeto conhece de experiência própria as questões da maior bacia hidrográfica do país.

É colunista de O MIRANTE, professor da Universidade de Évora e trabalhou durante muitos anos em organismos ligados à gestão da bacia hidrográfica do Tejo. Defende que os problemas se resolvem no terreno, olhos nos olhos com os utilizadores, sejam câmaras municipais, agricultores ou empresários. Diz que o nosso país tem legislação ambiental a mais mas que falta diálogo e cumplicidade.

Entre Novembro de 2008 e Janeiro de 2012 foi director do Departamento de Recursos Hídricos Interiores da Administração da Região Hidrográfica do Tejo da Agência Portuguesa do Ambiente durante algum tempo. Fazendo uma auto-avaliação desse período, é capaz de dizer que os Recursos Hídricos Interiores melhoraram com a sua passagem pelo cargo? Melhoraram e não é para me gabar. Em 2007 o ministro do Ambiente Nunes Correia, pessoa conhecedora do sector da água, implementou uma coisa que a lei já previa há anos que eram as Administrações de Região Hidrográfica. Foram criadas cinco, entre as quais a do Tejo. Nessa altura começámos a gerir os recursos hídricos como no resto da Europa, não a partir das CCDR que são territórios administrativos mas a partir do conceito de bacia hidrográfica.
Mais uma vez iniciámos um processo com atraso. Nós sempre tivemos bons ministros do Ambiente. Pessoas tecnicamente capazes. Mas as decisões estão a outros níveis que fazem andar ou boicotam.
O senhor participou na implementação desse modelo na altura. Assimilámos todos os serviços dispersos dentro das ARH e ao fim de três anos aquilo estava a funcionar. Tínhamos um serviço próximo dos utilizadores (câmaras municipais, particulares, agricultores industriais). Trabalhávamos para os utilizadores; trabalhávamos em mesas redondas. Eu raramente passava um dia em Lisboa. Eram 105 ou 110 câmaras na área da bacia hidrográfica do Tejo. Estava sempre nos locais a resolver os problemas com as pessoas.
Está a falar em causa própria. Tínhamos um serviço de parceria, compromisso e de cumplicidade. É a melhor forma de trabalhar. A gente senta-se à frente das pessoas, olhos nos olhos e o nosso princípio era proteger e valorizar recursos hídricos.
Não é isso que todos querem fazer? O que se faz normalmente não é isso, nomeadamente em matéria de ambiente e conservação da natureza. O que se faz é proibir. É proibido fazer isto; é proibido fazer aquilo...é o mais fácil. Nós tínhamos outra forma de trabalhar. Só se protege o que se conhece e só se valoriza aquilo que se vive. O Tejo vivo e vivido é o contrário do Tejo proibido.
O que andou a fazer já foi desfeito? Ainda há pouco tempo estive a falar sobre isso. Quando surge a crise enveredou-se por princípios economicistas e as ARH foram integradas todas no mesmo organismo que é a Agência Portuguesa do Ambiente. Foi tudo adulterado. Só para lhe dar um exemplo: Santarém agora depende das Caldas da Rainha. O Tejo agora depende das Caldas da Rainha. Veja bem a patetice. Eu não percebo quais os critérios. Não se percebe nada.
Como avalia o papel das câmaras municipais neste processo de protecção dos recursos hídricos? Não há país na Europa que tenha tido a acção que nós tivemos em termos de tratamento de águas residuais. A qualidade da água do Tejo melhorou brutalmente. Aqui na zona a situação que está mais atrasada mas que está controlada, chama-se Águas do Ribatejo mas só porque começaram mais tarde. Ainda estão a lançar algumas obras mas são situações com pouco peso a nível da bacia hidrográfica do Tejo. A nível municipal não há país na Europa que tenha feito aquilo que nós fizemos.
Mas os problemas continuam e vão continuar. O Tejo é um recurso inestimável. Tem que ser vivido e tem que ser bem gerido. É um rio fabuloso mas tem todo o tipo de pressões. Não há leis que por si só resolvam os problemas. As grandes empresas podem sempre dar a volta às leis. Tem que haver cumplicidade e compromissos. Tem que haver trabalho, cultura, proximidade... O empresário também é cidadão, tem filhos, vive à beira do Tejo. Temos que cativar, arranjar parceiros e não acenar com penalizações. Não há país com tanta legislação ambiental e o resultado está à vista.
Há razões para apontar o dedo aos espanhóis em relação aos transvases e aos caudais do Tejo? O Tejo há-de ser sempre razão de divergências de opiniões. Em certas circunstâncias é sempre mais fácil apontar o dedo aos espanhóis. Mas há convenções internacionais, instâncias onde isso é tratado muito para além do próprio Ministério do Ambiente. Ainda há pouco foi dito que não há registo de os espanhóis não estarem a cumprir o que está assinado. Temos que olhar para outras questões. A utilização da água é cada vez mais intensa. A precipitação mais concentrada. Temos que ter habilidade e sabedoria para saber gerir estas questões.
Falou do papel das câmaras municipais ao nível da melhoria da qualidade da água mas há outros problemas como sabe. É verdade que muitas vezes cada município quer fazer aquilo que lhe vem à cabeça como aconteceu em Abrantes com o açude, por exemplo. Toda a gente quer fazer coisas que às vezes não são as mais acertadas.
O que merece reparo no açude de Abrantes? Tudo se pode fazer mas tem que ser com critério. Quando fui para a ARH o açude já estava feito. No outro dia em Vila Nova da Barquinha esteve lá o Eng.º Pedro Serra que foi presidente do INAG (Instituto Nacional da Água) durante vários anos. Ele é uma referência no sector da água em Portugal e disse que enquanto foi ele a decidir o açude de Abrantes não foi licenciado. Isto quer dizer alguma coisa.
Agora não se vai destruir... Não, claro que não. Mas alguma coisa deve ser feita para resolver os impactos nefastos ao nível ecológico. A circulação de peixes, por exemplo, tem que ser melhorada.
Conhece o sistema passa-peixes ou escada passa-peixes junto ao açude de Abrantes? Conheço muito bem. Aquela obra que ali está, por muito caricato que possa parecer, não está licenciada e está ali há dez anos.
Não está licenciada? Não. Não está licenciada. Falta um parecer essencial. Aquilo não está em condições. É claro que agora é fácil estarmos aqui a falar mas à época não se tinha o conhecimento que se tem hoje e cometeram-se alguns erros. Hoje já há situações daquelas que são exemplares. Falo por exemplo da que existe no Mondego, em Coimbra. É uma passagem que até é visitada pelo cidadão. A gente desce umas escadinhas, aquilo tem uma montra e vemos os peixes a passar. Até é pedagógico. Sei que em Abrantes já fizeram reuniões para resolver o problema. Agora era altura de passar à prática.
Estava prevista para o açude de Abrantes a construção de uma mini-hídrica. O principal valor de uma infra-estrutura desse tipo é a nível local. Não vai resolver o problema energético do país mas traz mais-valias significativas a nível local. A questão das mini-hídricas é do meu tempo. Eu sei do que estou a falar. O Governo da altura quis arranjar alguns capitais e, entre aspas, vendeu alguns dos rios com esse tipo de concursos. Concessões por cinquenta anos.
A de Abrantes não foi feita. Sabe porquê? Meteu-se a crise, meteram-se uma série de coisas...também há ali uma série de histórias mal contadas e infelizmente não avançou. Digo infelizmente porque iria permitir com as mais valias que ali se iam fazer resolver alguns dos problemas que lá estão. Não há passes de mágica. Quem é que vai agora arranjar os milhões de euros que são necessários para reformular aquela obra que ali está, para que a coisa fique aceitável? .

Doutor em Planeamento e Gestão da Água

Carlos Alberto Coelho Teles Cupeto, que assina Carlos A. Cupeto, nasceu na aldeia do Cano, Sousel, no distrito de Portalegre. O pai era carteiro e a mãe enfermeira. Aos dois anos foi viver para Azaruja, no concelho de Évora, onde fez a escola primária e depois para o bairro Chafariz d’el-Rei, em Évora.
Geólogo e Mestre em Geologia Económica e do Ambiente formado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, é Doutor em Planeamento e Gestão da Água (AVC do Ciclo da Água) - UE. É Professor da Universidade de Évora desde 1987.
Tem um vasto currículo ligado a questões ambientais e da água, integra várias associações técnicas e científicas de âmbito nacional e internacional e tem uma importante intervenção cívica na área do ambiente. Escreve uma coluna de opinião semanal em O MIRANTE.

A Semana da Mobilidade é uma das maiores palermices que há na Europa

O mês passado celebrou-se a Semana Europeia da Mobilidade. Este ano já só houve adesão de cinquenta municípios mas há 15 anos a primeira edição teve uma adesão enorme, nomeadamente ao chamado Dia sem Carros. Isso é uma das maiores palermices que há na Europa. Algumas iniciativas são uma cretinice. Logo no primeiro ano eu escrevi sobre o Dia sem Carros, dizendo que aquilo só prejudicava as pessoas. Na altura só não fecharam auto-estradas porque não calhou. Andavam os políticos feitos palermas de patins, de bicicleta...não há paciência. Não é assim que vamos pôr as pessoas a andar a pé, de bicicleta ou a usar mais os transportes públicos.
Porque acha que as pessoas não usam mais a bicicleta, por exemplo? É uma questão cultural. Eu pessoalmente ando de bicicleta mas é uma actividade radical. É perigoso andar de bicicleta. É preciso saber andar muito bem porque não temos infra-estruturas para isso e não temos essa cultura.
Há câmaras a investirem milhares de euros em ciclovias. É um caminho? Que solução pode ser dada a um problema tão complexo com ciclovias que não vão dar a lado nenhum? Mas o problema é mais complexo. Reside no ordenamento do território. As pessoas antes trabalhavam próximo do sítio onde viviam. Hoje as distâncias aumentaram. Depois as condições de vida também melhoraram. O automóvel democratizou-se, ficou a custo mais acessível. Hoje há muitas famílias que têm mais do que um automóvel.
E os transportes públicos? Não temos escala para serem rentáveis. A cultura do automóvel está enraizada. Não há ninguém que prescinda de levar o carro para todo o lado. Esta mentalidade demora anos e anos a mudar. É uma questão de cultura e só se resolve por aí. Nós culturalmente temos muito caminho a fazer.
O senhor é professor universitário na Universidade de Évora. A percepção da população em geral é que os professores trabalham poucas horas e estão desligados da realidade e aí reside o facto de os jovens que acabam o ensino superior chegarem ao mercado de trabalho sem saberem nada. Não sou um professor típico. Sou um “out of de box” na academia. A minha carreira académica está muito longe de ser brilhante, embora tenha honra nela. Acho que os meus colegas aprendem um pouco comigo o que é o mundo exterior, porque é algo que não conhecem. A maioria está lá dentro fechada.
E as poucas horas de aulas... Isso das oito horas de aulas pode representar muitas horas de trabalho a montante. Depende do que se está a ensinar e daquilo que se transmite. Essa visão do professor que tudo sabe e que depois vai dar uma aula de uma ou duas horas não é bem assim. A qualidade da aula tem mais a ver com o aluno. Com muitos alunos que chegam hoje ao ensino superior. Não há milagres.
Não é isso que dizem os rankings de sucesso das nossas escolas e relatórios internacionais.... Isso são os números de que a nossa Europa tanto gosta. Há uma indústria de números e no meio académico muito mais. Há jovens fantásticos, é verdade, mas uma percentagem muito grande chega mal preparada ao ensino superior. Somos o país dos bons exemplos mas os nossos bons exemplos não chegam para tapar a realidade.
O que está a acontecer? Os pais descarregam lá os filhos nas universidades que é uma forma de resolverem o problema durante uns anos. Ficam tranquilos. A seguir à licenciatura vem o mestrado e por aí fora e aos trinta anos o rapaz ou rapariga permanece em casa dos pais. Ainda não têm experiência nenhuma profissional e os professores também não sabem bem o que isso é porque estão um bocado desligados da realidade. Por isso é que também temos os cursos que temos, muitos dos quais não servem para nada.

Férias de mochila às costas

Caminheiro incansável, Carlos A. Cupeto aproveitou as férias de Verão deste ano para conhecer a Grande Rota do Zêzere, um percurso de 360 quilómetros de Manteigas a Constância, através do território de 14 municípios.
Embora considere o projecto megalómano, “à boa maneira portuguesa”, diz que a ideia que lhe está subjacente é excelente. No entanto defende alguns ajustamentos e critica o facto de tudo ter sido feito de cima para baixo, não tendo em conta as necessidades das pessoas, nomeadamente dos caminheiros.
“Durante o tempo que lá andei e nos percursos que fiz não encontrei ninguém mas também é verdade que era Agosto que é uma altura pouco propícia a caminhadas. A rota tem estações intermodais em que uma pessoa que vai a pé pega numa canoa e prossegue pelo rio que é algo que pela minha experiência não é interessante porque quem vai preparado para caminhar não vai preparado para andar de canoa”, relata, embora acrescente que tudo o que encontrou é muito bom.
“Só espero que não aconteça com a Rota do Zêzere o mesmo que aconteceu com a Grande Rotas das Aldeias Históricas com quinhentos e tal quilómetros e que nunca funcionou porque também foi feita de cima para baixo. A questão do alojamento, por exemplo. Quem anda com uma mochila às costas, a única coisa que quer saber é que no fim de um percurso tem uma cama para dormir. Eles esqueceram-se destes pormenores. Nos 500 km das aldeias históricas isso não existe. E também existem etapas de 50 quilómetros. Quem é que faz cinquenta quilómetros a pé, de mochila às costas, pela Serra da Gardunha ou pela Serra da Estrela?”.

“Os problemas do Tejo não se resolvem com leis e proibições mas com parcerias proximidade e cumplicidades”

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