A poluição invisível do Tejo são as substâncias perigosas
Rui Albergaria, engenheiro químico, fala neste texto, retirado de uma carta ao ministro da Economia, do lado não mediático da poluição do rio Tejo. Rui Albergaria, morador em Alverca do Ribatejo, é um ambientalista amigo do Tejo que não se limita a falar de peixes mortos ou de águas escuras e mal cheirosas. Formado em Engenharia Química, e com um longo percurso profissional ligado à área, mergulha a fundo nos problemas e coloca questões tecnicamente bem fundamentadas, como as que enviou por carta ao ministro do Ambiente, que reclamam esclarecimentos ao mesmo nível.
Um dos vários pesadelos ambientais do Engenheiro Químico Rui Albergaria são as substâncias perigosas presentes nos lodos do estuário do Tejo, nomeadamente no concelho de Vila Franca de Xira.
Numa carta enviada ao ministro do Ambiente, a 25 de Fevereiro, aquele habitante de Alverca do Ribatejo, com ligação ao concelho de Vila Franca de Xira desde criança, justifica os seus receios.
“A jusante da Castanheira do Ribatejo, na margem direita do Tejo, os lodos contêm seguramente compostos pouco solúveis de chumbo, resultantes da actividade de décadas da Metal Portuguesa e da antiga Tudor, hoje Exide Technologies, Lda. Mais abaixo, junto a Alverca do Ribatejo, os lodos conterão outros metais pesados resultantes dos tratamentos electroquímicos e outras actividades efectuadas durante muitas décadas nas OGMA”, escreve.
Nos parágrafos que dedicou às substâncias perigosas depositadas no fundo do rio, refere ainda a fábrica da Sociedade Geral de Produtos Químicos, instalada na Póvoa de Santa Iria, que a partir de 1881 co-produzia ácido sulfúrico (pelo processo das câmaras de chumbo), ácido nítrico concentrado, carbonato de sódio, soda caustica, cloreto de cálcio, sulfato de sódio, sulfato de ferro e ácido muriático e a Soda Póvoa do grupo Belga Solvey, que produziu hipoclorito de sódio pelo processo das células de cátodo de mercúrio, até quase aos finais do século passado.
É com base nesta avaliação que Rui Albergaria alerta para o que acontecerá se não forem tomadas medidas de contenção de riscos durante a limpeza por dragagem de algumas calas do rio que está prevista para a abertura de uma via fluvial até à Plataforma Logística da Castanheira do Ribatejo. “A dispersão dos contaminantes depositados no leito do rio levará à morte ou aumento da contaminação de incontáveis seres que povoam o Tejo”, diz na sua missiva.
A carta foi escrita depois de ter ouvido a intervenção do governante na abertura do III Congresso do Tejo, na Gare Marítima da Rocha de Conde de Óbidos. Na mesma são colocadas uma série de perguntas. A resposta chegou-lhe quatro dias mais tarde mas quem lhe respondeu foi a chefe de Gabinete do governante, Ana Cisa.
Apesar de ela dizer que a carta mereceu “a melhor atenção e cuidada apreciação”, de mencionar que em 2017 foram realizadas 416 acções de inspecção e fiscalização ambiental que correspondem a um terço do total de acções do género feitas em todo o país, e de garantir que o Ministério continuará a “actuar em conformidade” e de acordo com a legislação, Rui Albergaria continua a aguardar respostas concretas e directas às perguntas que colocou a João Pedro Matos Fernandes, nomeadamente às relacionadas com resíduos depositados no fundo do rio e das barragens.
“Da sua apresentação no Congresso ficou-me uma dúvida que gostaria que o Sr. Ministro me esclarecesse. Foram feitas análises químicas àquilo a que o senhor ministro chamou sedimentos acumulados junto e a montante da Barragem de Fratel e que, segundo disse, são de origem orgânica (celulose mais lignina)? Se sim, onde estão publicados os resultados?”, interroga, explicando porque o faz.
“Para mim, com base naquilo que aprendi com os meus mestres do curso de Engenharia Química Industrial e do mestrado de Química dos Processos Catalíticos, e também da minha experiência de trinta anos como director de produção e controlo de qualidade numa empresa do sector químico, esses sedimentos são uma enorme massa de lamas de composição desconhecida, mas que presumivelmente contêm substâncias perigosas, nocivas ou tóxicas, que exigem um enorme cuidado na sua deposição”.
Rui Albergaria conta que no Verão passado viu “milhares de peixes mortos a vogarem ao sabor da corrente”, quer em Vila Franca de Xira, quer em frente ao Terreiro do Paço, em Lisboa, e atribui essa situação não só a descargas de águas industriais poluentes como a más práticas agrícolas, “como o sobre uso de fertilizantes ou pesticidas não autorizados ou usados em doses excessivas”.
Falta de informação e algumas afirmações incorrectas
A propósito do último episódio de poluição do Tejo na zona de Abrantes, denunciado pelo ambientalista Arlindo Marques, do concelho de Mação, o ministro do Ambiente disse, depois de algumas acções de limpeza, que a transparência da água do rio e o oxigénio nela dissolvido garantiam boas condições às espécies.
Na carta enviada ao governante, Rui Albergaria diz que tais declarações não o sossegaram.”(...) o que bons assessores na interpretação das leis em vigor sobre a qualidade da água, químicos e biólogos já lhe deviam ter dito, há muito, é que essa afirmação não é exacta”, escreve.
E sobre a qualidade da água começa por perguntar: “Quando, como e onde são feitas análises periódicas à água de diferentes troços do rio? Onde são publicados tais resultados? Das 14 estações de monitorização colocadas ao longo do Tejo quantas estão operacionais neste momento? Alguém dos Serviços tutelados pelo seu Ministério referiu no Congresso do Tejo III que são frequentemente vandalizadas para recuperação de metais e componentes”.
O autor da carta também questiona o ministro sobre outras análises que considera serem essenciais para assegurar a saúde pública. “Também não tenho evidências de que o controlo radiológico das águas do rio Tejo tenha sido efectuado nestes últimos meses. O que se está a passar? Será que estamos nas mãos dos “nuestros hermanos” quando ocorrer um acidente nas centrais nucleares de Almaraz ou em Trillo? E será que os laboratórios de bromatologia do Estado Português nos podem garantir que o peixe e os bivalves capturados no curso nacional do Tejo, designadamente no Estuário, do ponto de vista alimentar, se podem consumir com segurança?”.
Em jovem nadou no Tejo entre golfinhos com amigos da Póvoa de Santa Iria
Rui Manuel Soares de Albergaria é Engenheiro Químico Industrial. Licenciado pelo IST (Instituto Superior Técnico) em 17/07/1970, frequentou e concluiu a parte escolar do Mestrado de Química dos Processos Catalíticos também no IST. Todo o seu percurso profissional foi feito numa empresa privada do sector químico, onde permaneceu, como director de produção e controlo de qualidade até se aposentar há cinco anos.
Natural da vila de Barreiros da Maia, hoje cidade da Maia, foi viver para Vila Franca de Xira aos seis anos de idade com os seus pais e os três irmãos mais novos. O seu pai, Manuel José Albergaria, era Agente Técnico de Engenharia Química formado pelo Instituto Industrial do Porto. A sua fixação definitiva no concelho ocorreu alguns anos mais tarde.
Com 15 anos aprendeu a nadar na piscina dos Cimentos Tejo e um ano depois já nadava no Tejo com os seus amigos da Póvoa de Santa Iria, junto ao cais dos avieiros, tendo muitas vezes por companheiros de brincadeiras os golfinhos que se banqueteavam com o abundante e ainda não contaminado peixe do Tejo.
A partir de finais de 1967 comecou a trabalhar em período parcial na área alimentar e na Editora ITAU até concluir a licenciatura. Depois do curso foi professor do ensino secundário nos distritos de Leiria e Coimbra. Depois do serviço militar obrigatório, cumprido entre 1972 e 1975, deu aulas em escolas secundárias de Vila Franca de Xira, antes de aceitar uma oferta para trabalhar na indústria química.