O homem forte da festa brava em Benavente
A Festa da Amizade em Benavente não seria a mesma sem José Barroca, o presidente da Comissão da Picaria e que é a alma do evento. Sempre de microfone em punho, ou não fosse também um homem da rádio. Mas nada se faria “sem a rapaziada que ajuda a fazer a melhor festa do campino, do marialva, do cavalo, do cabresto e do toiro bravo no nosso país”. É ele quem o diz. Em Benavente, há vaidade honesta.
Tem 68 anos e a agilidade de um jovem de 18. No mesmo dia, conta de coração cheio a história da Comissão da Picaria de Benavente, da qual é presidente, desfila as alcunhas dos campinos que o ajudam na festa e que são “da família”, atende um telefonema e consulta o relógio porque ainda vai ao Algarve, em trabalho. José Barroca é director-comercial de uma empresa que constrói os equipamentos para os hipermercados, mas o seu ofício natural é o dar vida longa à festa brava.
José Barroca conhece toda a gente e por todos é conhecido. Sabe o nome dos pais e dos filhos, gosta de usar diminutivos carinhosos - mesmo que estejamos a falar de vice-presidentes de autarquias - mas quer distância da política: “Já fui várias vezes convidado para integrar listas de partidos. Mas os políticos não falam a verdade e, para mim, a verdade tem de estar acima de tudo”, confessa a O MIRANTE, com aquele sorriso característico de quem se dá bem com todos, mas não hesita em apontar o que está mal feito. Barroca, como é conhecido na terra onde nasceu, mas também na Chamusca e em Salvaterra de Magos, em Azambuja ou em Vila Franca de Xira, terras ribatejanas onde anima as tradicionais picarias, gosta do campo e de conviver com os homens do campo: “São mais puros”, remata. Um homem do campo não poderia dizer outra frase.
“Era impossível eu não ser apaixonado pela festa brava”, revela. Afinal, o pai era campino e durante as férias da escola José ajudava-o nos trabalhos agrícolas. Aos 10 anos começou a treinar para forcado em Vila Franca de Xira. Foram 15 anos onde a paixão pelos toiros não abrandou, antes ficou-lhe ali agarrada às veias que desembocam no coração.
Onde a amizade mais ordena
Quem, desde há dez anos, vai até Benavente assistir à Festa da Amizade, encontra José Barroca do alto do miradouro que fica sobranceiro ao campo onde decorrem as provas da vaca e dos cabrestos. Está de microfone em punho, camisa suada e não pára um segundo: “Tem de se picar a malta, tratá-los pelos nomes, animar a festa”. Fá-lo como se tivesse nascido para isso. A rádio ajudou. José Barroca é, também, um homem da comunicação. “Estive na RCA, de Almeirim, na Rádio Marinhais, e agora estou na Rádio Íris, sempre na parte do Desporto”. Não lhe falta vocabulário nem emoção. O público adora-o.
José, que gosta da verdade, garante que o pai da picaria se chama Joaquim Isidro. Foi ele quem o convenceu a envolver-se na festa. Barroca chamou os outros. Faz questão de dizer os nomes: José Moleiro, Mário Café, Paulo Jorge, José Carlos Moleiro, Fernando Ganhão, Alexandre Ganhão, Pedro Santos, Tininho, Pató e Mário Oliveira. São amigos, família, irmãos. Gostam de toiros e de cavalos. São eles os responsáveis por trazer o maior número de campinos e de animais para a festa de Benavente.
“Todos têm uma função específica”. E até já se procuram continuadores. Por exemplo, para o lugar ao microfone de José Barroca. “Estou a ver se ensino o Pedro Santos [relações públicas da Câmara Municipal de Benavente]. Gostava que ele me substituísse, quando eu já não pudesse”. O futuro está sempre na lista, até porque ninguém da comissão acredita que a festa vá acabar ou que as touradas sejam extintas por fogos fátuos.
E qual é o segredo para animar uma picaria? “Temos de conhecer os campinos, saber-lhes os nomes e as alcunhas. Mas o verdadeiro segredo é a amizade”. Há coisas que não se ensinam: “Às vezes é muito difícil arrancar uma palavra a um homem do campo, mas eu também sou um homem do campo, falamos a mesma língua”. Prioridade: “Cativar o público; não vejo isso nas outras festas”, diz Barroca.
Porque em Benavente a amizade é que mais ordena, “tudo é de borla”. Ou seja, há ajudas para os campinos que trazem os animais de longe, como do Alentejo, um apoio para o combustível e que eles nunca querem aceitar. A autarquia colabora com 2800 euros e o resto são verbas doadas pelas casas comerciais e por amigos. E José Barroca tem muitos amigos. Na festa, gasta-se 5000 euros, num só dia.
Nada se faz sem apoio, claro: um empresário oferece sempre o melhor animal para ser abatido e alimentar as pessoas, um emigrante na Suíça oferece o valor dos troféus que são entregues aos vencedores e galardoados e há sempre quem telefone para José Barroca a perguntar se pode trazer mais um amigo: “Claro que pode, tragam todos”, é sempre a resposta de Barroca.
Quando nasceu a Comissão da Picaria, há 38 anos, a Festa da Sardinha Assada já levava dez de avanço. Decidiu-se então juntar ao sábado a picaria, para que a festa fosse em grande e este tem sido também o segredo do sucesso. Mas são duas organizações, que labutam em separado, mas para o mesmo fim: fazer das festas de Benavente as melhores do Ribatejo.
As mulheres bravas
De entre as 14 mulheres que ajudam a preparar a festa, Délia Oliveira Café, esposa do campino Mário Café, é a cozinheira que põe todos em sentido. Sozinha, com o apoio das ajudantes - duas delas são suas filhas - prepara refeições para 400 pessoas.
A família de José também se envolve - a mulher, Maria de Lurdes, é a sua assistente pessoal: recebe telefonemas, anota recados, trata das flores. Os dois filhos do casal vivem e trabalham no estrangeiro, também foram forcados mas a falta de emprego na região levou-os para longe de Benavente. Tiram sempre férias para que no primeiro sábado de Junho estejam na festa.
José Barroca conhece o Ribatejo como a palma da sua mão. Tem pena que as casas agrícolas estejam a fechar e que as poucas que existam subsistam mal. “Antes tinham sete ou oito homens e transportes. Agora têm um que dá a volta ao gado com uma mota”. Sabe que a culpa é da crise, que o fim dos subsídios encerrou muitas ganadarias, que depois do 25 de Abril a agricultura foi definhando. Lembra a realidade: “Só ao fim de 3 ou 4 anos é que um criador vai ganhar dinheiro com um toiro e investe muitas vezes em 100 animais. É difícil...”.
O coração do Ribatejo é em Benavente
Ao mesmo tempo que garante que o coração do Ribatejo fica em Benavente: “É aqui que se fazem as verdadeiras festas, onde se pica mais”, também elogia a vizinha Samora Correia, com quem a terra partilha um passado de rivalidade: “Isso já não faz sentido. Aliás, já lá tenho ido dois ou três anos animar picarias e tenho muito amigos. O que acontece é que realmente em Benavente há mais campinos”, atira.
“O que acontece em Benavente é que esta é mesmo a Festa da Amizade. Tudo o que fazemos é pelo amor à terra. Enquanto houver gente ligada ao campo, a festa brava não vai morrer. E eu vejo muitos jovens nas picarias - têm é de existir uns carolas como eu, porque isto não pode estar apenas entregue às câmaras”.
Aliás, José Barroca até já se aborreceu com alguns autarcas, que pagam “30 ou 40 euros” aos campinos para virem animar as festas. Para Barroca, isso não é genuíno. Percebe as dificuldades, mas a paixão é o motor que terá de mover a festa brava e perpetuar a tradição.
“Já fui muito ameaçado por anti-taurinos”
Barroca dá a cara pela festa brava e por isso já recebeu ameaças. “Já fui muito ameaçado por anti-taurinos”, revela. Ligavam para minha casa e chamavam-me “assassino”. “Queriam que deixássemos de picar os animais”, conta. A alguns deles, convidou-os para assistir às picarias. “Alguns vieram”. Mas essas confrontações aconteceram mais nos primeiros anos. “Agora acalmaram. O argumento que eles não aceitam é que esta é uma tradição com muitos séculos. A festa do toiro e do cavalo faz parte da nossa cultura e não vai morrer”.
Quem vem de Lisboa já não quer sair
São já milhares largos de pessoas que vieram de fora e agora moram em Benavente. Principalmente em Santo Estêvão. “Eu até costumo brincar e dizer que é o lugar dos ricos: jogadores de futebol, empresários, banqueiros, todos compram aqui casa...”, conta José Barroca. As pessoas que trabalham em Lisboa não usam Benavente como dormitório. Envolvem-se, adoram as festas, fazem “parte da mobília”. Mas da terra também saiu muita gente, por falta de emprego. “As grandes fábricas fecharam, em Samora Correia ficaram reduzidas a metade e muitos emigraram”.
Por isso é que terem avançado com o aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete teria sido quase um milagre para a região. “Quando se começou a falar nessa possibilidade o mercado mexeu logo. Venderam-se e arrendaram-se casas, compraram-se terrenos. Se o aeroporto tivesse sido construído, toda a zona sul iria mexer em termos económicos”, garante José Barroca. Porque incrementar a economia é importante, até com a proliferação de grandes armazéns explorados por asiáticos no Porto Alto. “O problema é que eu vejo lá poucos europeus a trabalhar e há muitos jovens sem emprego nesta região”, constata.